Tecnologia móvel, a vilã do Enem 2012

"Por que essa moçada publicou nas redes sociais suas infrações como se tivessem mostrando sua pizza favorita?"

Bia Kunze
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• Atualizado há 1 semana

Vestibular nunca foi fácil. Tanto para quem faz quanto para quem organiza.

Assim como acontece hoje com o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), acontecimentos bizarros davam a tônica das manchetes de jornais, TV e rádio nos meus tempos de vestibulanda. Estudantes atrasados, passando mal ou colando nunca foram novidade. Porém, a chamada “cola eletrônica” era sofisticadíssima: envolvia uma quantidade grande de pessoas e exigia equipamentos de ponta. Há quase 20 anos, quando fiz meu vestibular, recursos tecnológicos para burlar o sistema era para poucos.

Já a criatividade dos adolescentes e jovens para aprontar sempre foi atemporal. Portanto, nessa era das redes sociais, nada me espanta!

A rede social hipster do momento é o Instagram – ou Ostentagram, como chamam os detratores. Habituadíssimos a postar diariamente na rede aquilo que comem, bebem e compram, os jovens não poderiam deixar de publicar imagens (cheias de filtros retrô, lógico) dessa importante etapa da vida que é o Enem.

Enquanto se restringissem ao “look do dia de vestibulando” ou aos lanchinhos favoritos do lado de fora das salas de aula, tudo bem. Só que alguns estudantes decidiram publicar imagens das salas, dos examinadores e até dos cadernos de prova e cartões-resposta. Uma vez que todo aparelho celular era recolhido previamente, o que se viu no Instagram, Facebook, Twitter e outras redes foi um festival de irregularidades.

O MEC, atento aos novos hábitos digitais, monitorou os tecno-candidatos, os identificou e desclassificou.

No Twitter, houve protestos diante de um tuíte da revista Veja que incentivava o estudantes a postar fotos do Enem com uma tag específica. As melhores seriam publicadas no site do veículo. O que muitos chamaram de “trollada da Veja” foi até engraçado, mas será que algum estudante em sã consciência postaria uma foto irregular correndo risco de ser eliminado do processo só para aparecer num site de notícias?

Analisando o tuíte, não se pode afirmar que a Veja estava incentivando transgressões. Além disso, a revista pediu as imagens depois de publicar uma matéria sobre candidatos que foram desclassificados por postar fotos das provas.

Revista "Veja" pede fotos do Enem
Revista “Veja” pede fotos do Enem

A pergunta que fica no ar é: por que essa moçada publicou nas redes sociais suas infrações como se tivessem mostrando sua pizza favorita? Ingenuidade? Rebeldia, como os pichadores? Ou compartilhamento obsessivo, um sintoma característico dessa geração que não larga o celular nem para ir ao banheiro?

Ainda que parecessem travessuras inconsequentes, o MEC puniu corretamente os transgressores do Instagram. Não poderia se esperar menos. Mais grave, todavia, foi o caso da estudante de Sorocaba que trocou SMS com a mãe durante os exames. A troca durou cerca de uma hora antes da mãe decidir (?) denunciar a candidata. Conivente ou não, quantos estudantes mais não se comunicaram, com êxito, por celular com pessoas de fora? O ocorrido mostra que a cola eletrônica não é mais aquela contravenção sofisticada de 20 anos atrás. Os fiscais deveriam estar muito mais atentos.

Tecnologia para o bem

A velha guarda não perdoa os deslizes morais dos mais jovens nesses tempos de compartilhamento obsessivo e culpa as novidades eletrônicas. É o caso de se banir os dispositivos eletrônicos da rotina estudantil? Bobagem. Se não for o celular, será outra coisa qualquer que disputará a atenção do estudante com as aulas.

Os dispositivos móveis competem com os professores porque muitos deles são chatos, suas aulas são desatualizadas e desconectadas da realidade. Quando se fala de Brasil, então, desanima ler certos educadores falando em métodos repressivos para manter o “establishment” tradicional. Que tal transformar os meios digitais em aliados ao invés de vilões?

Não sou especialista em educação. Falo como estudante.

Certa feita, decidi fazer um curso de didática do ensino superior. Na maioria das aulas tinha que lutar contra o sono ou desviar os olhos de coisas mais interessantes, como o sol e os passarinhos na janela. O duelo entre aula e natureza era desleal: PowerPoints maçantes, com texto de ponta a ponta dos slides, usando fonte Comic Sans azul sobre fundo amarelo, e fotos de má qualidade pixelizadas garimpadas da web. Quando me dei conta que o tópico da aula era “retenção da atenção em sala de aula”, joguei a toalha. Aquilo decretava a falência da própria professora como tal!

Deixei a sala no mesmo instante para nunca mais voltar.

Já está provado que a tecnologia e o compartilhamento virtual do conhecimento só vieram para somar. Nós é que não amadurecemos para eles. E o “nós”, aqui engloba todo mundo – alunos, professores, pais e autoridades. Mas não esperemos isso tão cedo: num país onde uma candidata deu à luz sem saber que estava grávida, acho que temos muito caminho a percorrer antes no setor educacional…

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Bia Kunze

Bia Kunze

Ex-colunista

Bia Kunze é consultora e palestrante em tecnologia móvel e novas mídias. Foi colunista no Tecnoblog entre 2009 e 2013, escrevendo sobre temas relacionados a sua área de conhecimento como smartphones e internet. Ela também criou o blog Garota Sem Fio e o podcast PodSemFio. O programa foi um dos vencedores do concurso The Best Of The Blogs, da empresa alemã Deutsche Welle, em 2006.

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