Impressoras 3D: revolucionando para o bem ou para o mal?

Mãos robóticas para deficientes, partes do corpo humano biodegradáveis, armas; onde a impressão de objetos irá nos levar?

Jacqueline Lafloufa
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• Atualizado há 1 ano

É recente a popularização da impressão 3D, com a venda de impressoras mais acessíveis ao público, como as fabricadas pela MakerBot. Mas a tecnologia já tem seus bons anos: o primeiro registro de um modelo sólido impresso data de 1981, obra do pesquisador Hideo Kodama, do Instituto de Pesquisas de Nagoya, no Japão.

Desde então, a produção de itens em três dimensões foi se aprimorando e culminou com o desenvolvimento de impressoras de mais fácil aquisição. Tudo bem que 1,5 mil dólares não é exatamente um valor barato, mas o equipamento que permite imprimir objetos virou algo mais possível de ter em escolas, hospitais, pequenas e médias empresas e nas residências de entusiastas.

E, como acontece com grande parte das coisas, ao chegar às mãos de mais gente, novos e criativos usos foram surgindo, em iniciativas que tem surpreendido pela rápida solução de problemas. Em contrapartida, também apareceram questões éticas que não existiam até então, como a impressão de itens de uso controlado como armas de fogo, que, mesmo sendo feitas com materiais plásticos, continuam capazes de machucar.

Imprimindo para o bem

O noticiário sobre impressão 3D tem trazido documentários, vídeos e matérias daqueles que ajudam a restaurar a esperança na humanidade. São pessoas motivadas a solucionar pequenos problemas do cotidiano usando a tecnologia de impressão 3D, transformando completamente a vida das pessoas e até salvando vidas.

Um dos mais emocionantes casos do tipo é o Robohand, iniciativa que cria mãos robóticas para quem nasceu com problemas congênitos que impediram ou mal-formaram esse membro, ou para pessoas que tenham sofrido algum tipo de acidente.

Usando uma impressora MakerBot, o carpinteiro Richard Van As, que perdeu 4 dedos da mão em um acidente de trabalho, e o designer Ivan Owen criaram um modelo de mãos robóticas que agarram objetos.

Os dedos todos se movem de acordo com um comando dado pelo pulso do usuário da prótese. Caso seja dobrado para ‘fora’, os dedos se abrem; fechando o pulso para dentro, os dedos se fecham, segurando objetos e transformando a vida de crianças como Liam, de 5 anos, que nasceu sem os dedos da mão direita.

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Com a impressora 3D à disposição, Owen e Van As puderam experimentar o desenvolvimento das Robohands com pouco investimento e a milhas de distância um do outro, já que se tornou muito mais simples aprimorar as mãos robóticas e imprimir novas peças com bastante rapidez.

Outro grande benefício é que as crianças podem ter suas mãos consertadas com uma velocidade incrível caso quebrem alguma peça acidentalmente, o que dá a elas a liberdade de usar a mão robótica como bem entenderem, seja para nadar, brincar ou correr, sem precisar temer uma possível quebra da prótese. Durante a fase de crescimento, as mãos feitas com impressoras 3D também são simples de adaptar ao desenvolvimento e crescimento dos pequenos: basta aumentar as falanges e ajustar as tiras que se prendem ao pulso.

Como se melhorar a experiência de vida de crianças e adultos que não tem as mãos não fosse incrível o suficiente, um caso recente na medicina demonstra que ainda há muito potencial a ser desenvolvido com as impressoras 3D.

Quando o pequeno Kaiba Gionfriddo nasceu, sua traqueia não era capaz de se manter firme o suficiente para que o ar passasse e permitisse sua respiração. Em busca de uma solução para salvar a vida do menino, a equipe do hospital pediu permissão aos pais para tentar algo novo: a impressão de um suporte que fosse customizado para o Kaiba, imitando o caminho de sua traqueia e brônquios, ajudando-o a respirar enquanto seu organismo se fortalecia para que a cavidade fosse mantida e permitisse a passagem do ar.

O procedimento foi um grande sucesso – a peça, inserida cirurgicamente no garoto, foi desenvolvida por uma impressora 3D usando um polímero biodegradável conhecido como ‘policaprolactona’ (PCL) , que, em cerca de três anos, se decompõe naturalmente e é absorvido pelo corpo humano, sem a necessidade de nova cirurgia para retirada. Em apenas 21 dias após a cirurgia, o bebê já não precisava mais da ajuda de equipamentos para respirar.

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Com o tempo e o aprimoramento das técnicas e do conhecimento dos médicos acerca da tecnologia de impressão 3D, o futuro promete boas novas como a impressão de órgãos para transplante (fígados já foram produzidos em laboratório!), próteses como a Robohand e suportes como o do bebê Kaiba. Mas nem tudo são sorrisos quando se trata de impressão 3D.

Impressão ‘do mal’?

O lado complicado da história é que da mesma forma que se constroem objetos para o bem, também são desenvolvidas iniciativas que podem gerar um final nada feliz.

Aficionados por armamentos conseguiram produzir a chamada Liberator, uma arma de fogo completamente funcional, que utiliza balas de verdade, através de projetos em CAD e impressoras 3D. Seguindo as instruções de arquivos que circulam na web, é possível imprimir todas as partes de uma arma e montá-la sem grandes dificuldades. Os entusiastas ensinam até mesmo a substituir algumas peças de plástico por equivalentes em metal, evitando desgastes que o plástico poderia sofrer com o uso.

Uma informação dessas circulando na internet deixa os departamentos de segurança dos países, em especial os EUA, de cabelo em pé – se já é complicado fiscalizar o porte de arma (questão que, inclusive, ainda está em discussão no governo de Obama), imagine se revólveres puderem ser impressos no quintal de qualquer casa que tenha uma MakerBot.

A preocupação do Departamento de Segurança dos EUA é que, sendo de plástico e com pouquíssimas partes em metal, esse tipo de arma não conseguiria ser detectada pelos sistemas mais tradicionais. E, com os projetos disponíveis livremente na web, seria praticamente impossível deter o compartilhamento dos arquivos como uma forma de evitar o problema.

Ou seja, apesar de diversos países (Brasil incluso) terem tornado ilegal a manufatura doméstica de armas e a distribuição dos CADs que produzem as peças das armas impressas, deter o compartilhamento do arquivo é tão complicado quanto acabar com a pirataria. Se nem as indústrias fonográfica e cinematográfica encontraram formas de impedir o espalhamento de dados internet afora, seria bem difícil impedir a distribuição dos projetos de impressão das armas 3D.

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Além da Terra

Enquanto o mundo ainda se questiona se a impressão 3D vem para o bem ou para o mal, quem trabalha com situações estratosféricas está com o pensamento em outros planos.

Pesquisadores da NASA estão experimentando tecnologias de impressão 3D como uma forma de diminuir o montante de equipamentos enviados nas espaçonaves junto com os astronautas. A intenção seria enviar com eles, além dos itens básicos, matéria prima e uma impressora 3D. Assim, as ferramentas que fossem necessárias durante a viagem espacial poderiam ser confeccionadas ao longo do trajeto, com a vantagem de serem personalizadas de acordo com a situação: repor uma peça, por exemplo, ou fazer um pequeno conserto com objetos em formatos pouco tradicionais. Ferramentas específicas também poderiam ser construídas de acordo com a necessidade, o que poderia reduzir bastante o peso da espaçonave.

O “brainstorming” da NASA chega a tal ponto que existe financiamento até para uma pesquisa que propõe a impressão de alimentos, como chocolate ou pizza. Com toners de nutrientes, ela misturaria os itens e serviria o alimento tridimensional. Provavelmente a pizza não sairia quentinha, mas seria nutritiva e mataria a fome. 😉

Vivendo a busca pelo equilíbrio

Quem vive uma revolução tecnológica como essa acaba acompanhando de perto todos os passos dados em busca de um equilíbrio. A tecnologia que ajuda a melhorar e até a salvar vidas é a mesma capaz de produzir armas que acabam com outras vidas. Como sempre, é preciso buscar por um equilíbrio.

Não há como conter o compartilhamento dos arquivos de CAD com projetos para impressão de revólveres, mas o bom senso fez com que as próprias iniciativas que antes distribuíam o material suspendessem os links e se posicionassem contra a confecção de tais objetos. Além disso, a necessidade de fiscalizar armas que não seriam feitas de metal pode levar a um aprimoramento na detecção de armas ou a um aumento da fiscalização da posse delas.

Cada vez mais, médicos e especialistas em saúde se aproveitam da tecnologia para salvar vidas como a de Kaiba, que provavelmente não estaria mais vivo se não fosse seu suporte impresso em material biodegradável, ou a dar uma melhor experiência de vida para crianças como Liam, que agora se sente tão capaz quanto qualquer outra criança ao poder agarrar objetos e brincar (quem sabe ele sinta-se até mais superpoderoso que elas, afinal ele tem um braço robótico, o que é super mais legal que uma mão normal).

Com a popularização, é possível que o custo de uma impressão 3D caia ainda mais (e a Lei de Moore manda lembranças, porque já existem planos de lançar impressoras 3D a 237 dólares, um custo considerado baixíssimo). Talvez até mesmo populações em regiões de guerra, onde minas deixam milhares aleijados, possam fazer uso de próteses impressas e customizadas para melhorar suas vidas.

Com a impressão 3D, o consumo no futuro poderá ser just in time – já imaginou apenas ter que adquirir a “modelagem” do que você precisa e imprimir em casa, quantas vezes quiser?

Toda novidade assusta por que não sabemos como lidar com ela e quais serão suas consequências. A impressão 3D tem seu lado Jedi e seu lado negro da Força. O importante será encontrar formas de controlar o lado ruim e aproveitar as coisas boas.

Eu mesma mal posso esperar pra ver o que seremos capazes de imprimir dentro de alguns anos. 🙂

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Jacqueline Lafloufa

Jacqueline Lafloufa

Ex-autora

Bacharel em literatura, especialista em jornalismo científico e comunicação digital, Jacqueline Lafloufa também aprendeu sobre ciência e tecnologia no colégio técnico ETEP. Já trabalhou como programadora, mas hoje atua como produtora de conteúdo, ghostwriter, roteirista, escritora profissional, pesquisadora e podcaster. Foi autora no Tecnoblog de 2013 a 2014 e também já colaborou com o Facebook.

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