Os gadgets que são inteligentes só quando estão unidos

O trabalho por trás do AirTag e Galaxy SmartTag, chamado de computação distribuída, é mais importante que os próprios gadgets

André Fogaça
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• Atualizado há 11 meses
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Desde o boom dos smartwatches, quando a Apple mostrou ao mundo o primeiro Apple Watch e foi seguida por tantas outras marcas, os dispositivos ficaram menores, passaram a coletar mais dados e estão mais presentes na vida das pessoas. Pouco mudou desde então, salvo com a adição de um ou outro sensor, mas outro salto está começando com gadgets ainda menores, aparentemente pouco inteligentes, mas que juntos fazem bastante.

A popularização deles neste momento é dividida entre Apple e Samsung com os AirTags e SmartTags, respectivamente. Separando cada um, eles parecem tão inteligentes quanto os pedômetros simples, mas o diferencial destes gadgets está no trabalho que conseguem fazer ao criar uma espécie de rede própria, espalhada pelo mundo, para alertar o usuário sobre o local onde está uma chave perdida, ou então a carteira esquecida.

Parece solução de um problema sequer existente, mas por trás disso mora um conceito importante chamado de computação distribuída. O trabalho com os AirTags e SmartTags é só uma ponta do que já existe ou pode ser criado em pouco tempo, em poucos anos.

Computação distribuída não é a novidade

Se você já utilizou um serviço qualquer que não roda localmente em seu computador, já experimentou algo da computação distribuída. Isso vale desde o Waze no smartphone, Netflix a partir da TV, Spotify ou assistente pessoal em uma caixa de som inteligente, um torrent da vida no PC e até um Google Stadia em um Chromecast. Tudo isso tira proveito do mesmo conceito: utilizar uma estrutura muito maior do que seu hardware para processar informações pesadas que ele teria dificuldade ou seria incapaz de fazer sozinho.

Essa rede é composta por nós, que fazem o trabalho de forma separada, mas se juntam e trocam informações entre si. Estes nós foram ficando cada vez mais competentes e poderosos em hardware, até que o crescimento da rede passou a ocorrer de forma exponencial.

Samsung Galaxy SmartTag (Imagem: Divulgação/Samsung)
Samsung Galaxy SmartTag (Imagem: Divulgação/Samsung)

“Hoje os data centers são extremamente distribuídos, onde temos centenas ou milhares de máquinas distribuindo tarefas. A sacada agora é a inteligência para distribuição dessas tarefas, para quando ocorrer uma falha em um nó na rede, ela conseguir se reestruturar para compensar”, diz Ricardo Girnis Tombi, professor da pós-graduação em engenharia de computação do Instituto Mauá de Tecnologia, em entrevista ao Tecnoblog.

A ideia da computação distribuída então deixa de colocar máquinas extremamente poderosas em um só lugar, para espalhar partes menos potentes em maior número neste e em outros nós.

Passando para um momento ainda mais recente, Tombi aponta a chegada da computação em névoa, ou neblina. “A gente entra com sensores, nesse conceito de internet das coisas, que de alguma forma têm uma capacidade computacional. Eles têm recursos de processamento e memória mínimos. São equipamentos pequenos, muito distribuídos e eles têm requisitos importantes de bateria e energia”, comenta o professor.

Apple AirTag (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Apple AirTag (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

É neste cenário, com dispositivos cada vez menores e mais focados em autonomia, que encaixam os AirTags da Apple e SmartTags da Samsung. Olhando de perto, eles só fazem o básico e isso significa apontar a direção do Bluetooth para um dispositivo próximo. Seria mais ou menos a mesma coisa que uma caixa de som sem fios já faz, mas é a rede criada a partir dessa informação que importa.

Tanto o modelo da Apple, como o da Samsung, conversam com outros aparelhos próximos para então conseguir encontrar internet em algum ponto desse caminho. A partir deste momento a conversa passa para a parte mais potente da computação distribuída, que são os servidores nos nós. São eles os responsáveis por avisar o usuário sobre a localização da chave, ou de qualquer outro produto pendurado na tag.

Para onde esses sensores caminham?

O exemplo das tags é o mais palpável de todos e fácil de identificar pelo usuário logo de cara. Existem outros já em testes, como é o caso da Amazon com os microfones de suas caixas de som inteligentes, as Echo.

“A Amazon consegue, pelo padrão de som do ambiente, estimar o nível de renda que você tem. Se o som ecoa em um material mais simples, ele volta mais reflexivo. Se ele bate em uma madeira super cara, ele volta mais amortecido e um som assim tende a ser de uma casa mais cara”, diz Arthur Igreja, cofundador da plataforma de inovação AAA. “Você nem precisa de sensores tão avançados para ter um algum mapeamento 3D do ambiente, a questão é mais software mesmo”, complementa.

Amazon Echo Dot (4ª geração) também adota computação distribuída (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Amazon Echo Dot (4ª geração) também adota computação distribuída (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

Este cenário corrobora com a maior importância para dispositivos inteligentes na atualidade: um bom software para controlar todas as informações coletadas com o hardware já disponível para o consumidor. Não só presente neste momento, mas também com custo baixo.

Circulando ainda por tags com acelerômetro, Arthur também aponta para um uso em seguradora e que já acontece nos Estados Unidos. “Você coloca um device deles no carro, e aí ele vai monitorando velocidade e outros dados para ver como você dirige. Já em uma locadora, é possível localizar um veículo rapidamente e até mesmo sem passar pelo balcão da empresa”, diz Arthur.

A popularização dessas tags, principalmente pelo custo baixo, também pode fomentar a melhor localização interna com apps como Google Maps. Com ajuda de antenas mais potentes em locais fixos, um mercado pode indicar ao cliente onde fica a carne e o macarrão, ou então um museu faz a rota muito mais precisa até uma obra específica com indicação até mesmo de qual andar ela está.

Sensores do tamanho de um grão de poeira

Pensando em um ambiente mais futurista, provavelmente longe da atual capacidade de pequenos gadgets pendurados no chaveiro do usuário, Ricardo Girnis Tombi acredita que a miniaturização deles pode levar para um uso ainda mais específico. “Imagine um sensor, do tamanho de um grão de poeira. Milhares destes sensores, em algo como se fosse uma rajada, coletando todas as informações sobre um ambiente e levando esses dados para um big data”, diz o professor.

Tanto esse lado pro futuro, como as tags em gadgets que temos hoje e as funções já possíveis com elas em vários níveis do mercado, acabam batendo em dois pontos cruciais e reconhecidos tanto por Arthur Igreja, quanto por Ricardo Girnis Tombi: a autonomia de bateria e simplicidade de funções.

Ambos comentaram ao Tecnoblog que o objetivo atual destes gadgets é manter o baixíssimo consumo de energia para que façam o trabalho por mais tempo e, neste momento com tecnologias de bateria atuais, a única forma de fazer isso é especializando cada sensor destes em uma ou duas tarefas, como medir velocidade, ou localização do usuário, ou número de passos.

Apple AirTag utiliza computação distribuída (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Apple AirTag utiliza computação distribuída (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

“A forma de comunicação, os protocolos e algoritmos que ele vai trabalhar, junto da eficiência do processador e a memória. Todo esse pipeline precisa ser muito justo para não gastar ciclos de máquina que não deveria, pois tudo isso é consumo de energia. No final todos eles precisam trabalhar bem ajustados”, diz o professor.

“Se a gente conseguir fazer uma boa distribuição das tarefas e um orquestrador juntar todas essas tarefas distribuídas, a gente pode alcançar esse objetivo. Cada dispositivo com sua função específica”, complementa Tombi.

Mesmo com o 5G prometendo maravilhas para gadgets pequenos de internet das coisas, Arthur Igreja acredita que ainda não é o momento para o uso dessa rede nestas tags ou sensores ainda menores. O vilão é o consumo de energia, causado justamente pelos protocolos de comunicação atuais.

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André Fogaça

André Fogaça

Ex-autor

André Fogaça é jornalista e escreve sobre tecnologia há mais de uma década. Cobriu grandes eventos nacionais e internacionais neste período, como CES, Computex, MWC e WWDC. Foi autor no Tecnoblog entre 2018 e 2021, e editor do Meio Bit, além de colecionar passagens por outros veículos especializados.

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