A magia por trás dos jogos “solitários”

"Limbo", "Shadow of Colossus" e "Spider" têm algo em comum: você se sente sozinho em todos eles. Izzy Nobre comenta por que gosta desse tipo de jogo.

Izzy Nobre
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• Atualizado há 8 meses

Eu tenho um viés meio antissocial. Trabalhei durante a madrugada em duas ocasiões. Havia algo meio terapêutico naquela silenciosa solidão de horas do meu expediente. Quando comentava isso com meus amigos, eles me davam um olhar equivalente a se eu tivesse acabado de confessar ser um serial killer. A maioria das pessoas abomina solidão; eu, por outro lado, a abraço.

Não sempre, claro: tenho a natural necessidade do convívio social também. É que ficar sozinho para mim é um momento de colocar os pensamentos em ordem. Chegar em casa e encontra-la vazia é um dos pequenos prazeres da minha vida.

Acho que o mecanismo psicológico em ação é o seguinte: já vivo cercado por tanta gente, obrigado por normas culturais a interagir com inúmeras pessoas durante o dia a dia, que um pequeno período de isolamento é fundamental pra minha saúde mental.

Não é coincidência que esta faceta da minha personalidade se estenda aos meus jogos favoritos. Estava pensando aqui nos jogos que mais me causaram um impacto e notei que todos eles tam uma característica em comum: a solidão. Jogos como por exemplo…

Shadow of the Colossus

Eu já comentei aqui em algumas ocasiões sobre minha admiração (não, minha veneração) por este incrível título. Shadow of the Colossus foi um dos primeiros jogos que lembro terem explicitado a discussão sobre os videogames como arte — e não foi por acaso.

Tudo no jogo funcionava de forma maestral, desde a técnica empregada nos gráficos até a narrativa que quase não existia (e que, estranhamente, enriquecia justamente por isso).

Nele você interpreta um rapaz que viajou até o fim do mundo e se meteu num acordo Faustiano (olha você se tornando mais culto graças a uma coluna de games!) com uma entidade misteriosa para reviver uma garota que o jogo sequer revela quem era, embora haja tom de romance. Durante quase o jogo inteiro, o personagem está completamente sozinho num mundo abandonado, o que ajuda a realçar o isolamento e o sacrifício a que o sujeito se submeteu para trazer sua amada de volta.

Sinto-me à vontade pra usar o termo “amada” porque, sendo a mulher seu par romântico ou apenas uma familiar, não dá pra chamar o que o protagonista sente por ela de outra coisa senão amor.

A solidão no jogo era sufocante, mas isso funcionava perfeitamente na história. Nada acentua ainda mais o desespero de uma batalha contra um monstro do tamanho de um arranha-céu como saber que você está completamente sozinho contra ele.

Além disso, a total ausência de NPCs tagarelas pra explicarem a trama deixa sua imaginação correr solta. Em busca de qualquer pequeno detalhe que dê dicas sobre o enredo, você acaba absorvendo os mínimos detalhes. Por exemplo, lembro de colossos que pareciam estar enclausurados em espaços obviamente artificiais e ficava imaginando quem haveria prendido os monstros lá ou como o fizeram.

Spider: The Secret of Bryce Manor

https://www.youtube.com/watch?v=n2MaK-shoqU


(Vídeo do YouTube)

Spider é um game relativamente incomum: um joguinho de celular com uma história intrigante e quase subliminar.

Como o trailer mostra, você é uma aranha que precisa construir teias para capturar insetos que perambulam por uma mansão abandonada. O gameplay se adequa perfeitamente à plataforma com tela sensível ao toque e, como os outros jogos neste artigo, você está completamente sozinho no mundo virtual do jogo. O protagonista não é nem uma aranha antropomórfica cartunizada nem nada do tipo: é apenas uma aranhinha faminta mesmo.

Não há nenhum tipo de diálogo; não há nenhum outro personagem (se é que sequer podemos chamar a aranha de personagem); e, à primeira vista, não há nenhum enredo no jogo. Coma insetos, passe para a próxima fase.

Curiosamente, por baixo desse gameplay há uma história contada inteiramente por detalhes obscuros no background das fases. Objetos quase imperceptíveis no cenário (contas a pagar escondidas no assoalho, uma aliança jogada no ralo, fotos rasgadas) começam pouco a pouco a descortinar uma história trágica de amor, perda e loucura.

Eu sempre achei curioso o fato de que, embora o jogador talvez esteja tentando solucionar o mistério da mansão (que aconteceu há muito tempo, a julgar pelo estado da casa), o “protagonista” do jogo passa por estes artefatos sem interagir ou dar a menor importância a eles. Exatamente como um predador aracnídeo faria se o cenário acontecesse no mundo real: uma casa em ruínas repleta de pequenos indícios que explicam a história sendo explorada por uma criaturinha incapaz de entender o mundo ao seu redor. Dá uma sensação de total abandono, como se a história dos habitantes da casa estivesse perdida para sempre.

Existem inúmeros tópicos em fóruns online discutindo teorias sobre a história do jogo. É interessante que Spider consiga contar uma história tão detalhada sem usar uma palavra sequer, e deixando seu protagonista completamente sozinho durante o jogo inteiro.

Limbo

Eis a minha confissão: eu demorei muito pra finalmente apreciar a pérola indie que é Limbo. Como nerd chato, tenho um hábito meio reacionário: sempre que ouço muito elogio em relação a um jogo (ou a qualquer coisa, na verdade), me posiciono automaticamente contra tal jogo. E Limbo foi um caso destes. É uma pena que demorei tanto a jogar o game, porque o enredo e a atmosfera é justamente essa que eu tanto gosto: isolamento absoluto e mistério total.

“Limbo”

No mundo monocromático de Limbo, você controla um garotinho perdido num mundo estranho e, principalmente, perigoso. Não há nenhuma introdução ou enredo, e a maior dica em relação ao que se passa durante o jogo é o próprio nome. O moleque não fala nada, não há nenhuma elucidação sobre o que se passa no jogo, e até mesmo o final é tão abrupto e de significado ambíguo que não existe uma explicação definitiva.

O estilo de gameplay é tão distinto de Shadow of the Colossus e Spider, e no entanto, o ambiente é muitíssimo similar: um mundo estranho, sombrio, absolutamente solitário e com poucas pistas que expliquem o que diabos está acontecendo exatamente. Sua imaginação se esforça pra preencher as lacunas de enredo com quaisquer detalhes que tenha disponível.

Eu percebi ao zerar o jogo que, a despeito dos finais que invariavelmente não explicam bem a jornada que você acabou de trilhar, aprecio bastante a estimulação mental que esse tipo de enredo de isolamento e solidão causa. Gosto de sair procurando os menores detalhes, gosto de tentar conecta-los e gosto de discutir com amigos as suas teorias de estimação sobre seus finais.

Enfim, gosto de me sentir completamente sozinho num mundo inexplorado, encarregado de descobrir seus segredos. Nasci uns quinhentos anos tarde demais para explorar os mares, então isso é tudo que tenho!

Creio que não é à toa que estes três jogos (tão diferentes entre si) gozem do mítico status de videogame-arte. A solidão e a falta de uma história explícita injeta o jogador diretamente na pele do personagem. Ninguém está te contando nada sobre a trama, você está descobrindo os pequenos detalhes exatamente como descobriria se estivesse, de fato, no lugar do protagonista: por si só. Esse é um nível de empatia e investimento emocional que de fato apenas as mais maestrais obras de arte conseguem arrancar de alguém.

Eu preciso jogar mais games assim. Quais vocês recomendam?

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Izzy Nobre

Izzy Nobre

Ex-autor

Israel Nobre trabalhou no Tecnoblog entre 2009 e 2013, na cobertura de jogos, gadgets e demais temas com o time de autores. Tem passagens por outros veículos, mas é conhecido pelo seu canal "Izzy Nobre" no YouTube, criado em 2006 e no qual aborda diversos temas, dentre eles tecnologia, até hoje.

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