Três lições que aprendi com Snake

Izzy Nobre fala sobre as lições ensinadas pelo jogo da cobrinha da Nokia.

Izzy Nobre
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• Atualizado há 4 dias

Vivemos uma época em que celulares estão pouco abaixo de computadores propriamente ditos. De fato, meu celular é um “computador” incrivelmente superior ao que eu usava dez anos atrás, um avanço que eu jamais teria imaginado. Sim, porque hoje é trivial imaginar que os smartphones de 2022 terão hardware que fará o seu computador atual morrer de vergonha. Naquela época, no entanto, a gente simplesmente não via celulares se movendo nessa direção.

Eu vibrei quando vi o primeiro celular com tela colorida. Jamais imaginei que um dia eu teria um celular com resolução maior que o do meu monitor de tubão da época.

Naquela época, nossos celulares faziam pouco além de executar ligações (curtíssimas, porque as tarifas eram absurdas). Até que chegaram os celulares pré-pagos e, com eles, a popularização da comunicação móvel no Brasil. E com ela, também a popularização de Snake.

Uma tela monocromática de baixíssima resolução e um “personagem” que, na imagem acima, é indistinguível de uma letra J de lado. Mal parece um jogo, e no entanto foi um verdadeiro fenômeno cultural no Brasil no começo dos anos 2000.

E um fenômeno que me ensinou algumas lições que se aplicam ao mundo gamer como um todo.

Sempre existirão jogadores mais exímios que eu

Vim a me familiarizar mais com esse conceito com a expansão dos games onlines. Entretanto, eu deveria ter aprendido isso já naquela época.

Eu me considerava um expert em Snake. Tendo toda uma bagagem de gamer “tradicional” de console, apegar-se a um joguinho no celular era uma transição natural e por isso eu me achava no “direito” de ser muito bom no jogo. E eu até era bom.

Entretanto, aprendi rapidamente que meus skills no jogo da cobrinha deixavam muito a desejar em comparação da maioria dos meus amigos e até mesmo da minha namorada da época. Estes conseguiam alcançar pontuações muito além das minhas, chegando a etapas do jogo em que a cobrinha se movia tão rapidamente que manobra-la exigia reflexos muito acima dos que eu conseguia oferecer ao jogo.

E isso é uma constante, não importa qual seja o jogo no qual você crê se dedicar mais do que qualquer outro indivíduo. Um rápido passeio pelos lobbies de qualquer shooter online te revelará um punhado de jogadores que farão você até perder a vontade de jogar.

Existe um (imenso) espaço para games direcionados ao público casual

Você deve ter notado que eu mencionei que minha namorada da época era não apenas uma jogadora de Snake, mas uma jogadora extremamente proficiente. Quem sabe a sua também fosse. Era um jogo realmente popular.

Num contexto pós-Nintendo Wii e Farmville, uma garota jogando compulsivamente e se destacando com sua habilidade não é nada digo de nota. Quer dizer, talvez ainda seja um pouco (deve ser por isso que ainda existe todo um misticismo ao redor da mítica “namorada gamer”).

Tente, no entanto, lembrar do conceito “menina jogando videogame” de uma década atrás. Gamers “casuais” eram extremamente raros, até porque não existiam “games casuais”: isso é uma invenção relativamente recente.

Gamers em geral ainda eram um subgrupo relativamente segregado; o apelo era limitado e não era todo mundo que se interessava em joguinhos eletrônicos. Não conto as vezes em que tentei puxar assunto de videogame com a mesma namorada, apenas para ve-la suspirando aquele suspiro típico que se traduzia como “lá vem ele de novo com esses papos de nerd bitolado”.

Mas Snake era diferente. Ela provavelmente nem via Snake como um “game”, era apenas um passatempo casual.

Não foi por acaso que o jogo conquistou centenas de milhares de jogadores: o apelo era universal. Revendo a situação com o que sabemos hoje, aquele deveria ter sido um bom indício de que um dia, games alcançariam um público além dos “nerd bitolados”.

Games e celulares são uma união (quase) perfeita

Tá, eu sei que muitos de vocês torcem o nariz para a idéia de gaming num celular — e com motivos válidos. Entretanto, não há como negar que existe uma força poderosa (leia-se “multibilionária”) no mercado de games mobile atualmente. Fazer “joguinhos de celular” é uma força econômica, uma carreira que não existia 10 anos atrás, e mudou a forma como muitas pessoas usam seus celulares.

E vemos isso como um fenômeno recente (de certa forma é), mas a idéia de joguinhos simples e casuais morando no bolso de virtualmente todo dono de celular nasceu muito antes. Sacar o celular e jogar Snake numa aula chata ou numa fila de banco era o nosso análogo ao nosso Angry Birds contemporâneo. Se você parar pra pensar, ele foi o primeiro degrau da nocão de que puxar o celualr pra brincar com um joguinho eletrônico e matar algum tempo antes da sua consulta no dentista não era apenas uma boa idéia para um passatempo, mas viria a se tornar todo um ramo do entretenimento interativo.

Quando o Thássius (nosso intrépido editor) sugeriu que eu escrevesse uma coluna sobre o inesquecível Snake, essa foi literalmente a primeira coisa que pensei: o quão curioso é o fato de que o joguinho (Snake II dominou na minha escola em 2001, mas eu ainda prefiro o Snake clássico do meu Nokia 3310) tem paralelos interessantes com o status quo atual do mobile gaming.

Por um lado, é fácil fazer retroprofecias (isso é, analisar o passado com o conhecimento contemporâneo e tirar conclusões “óbvias”). Os gringos tem uma expressão que define isso: “hindsight is 20/20“, que em bom português se aproxima do proverbial “Ovo de Colombo” (ou, trocando em miúdos, “agora que você viu no que deu, acha-se expert na coisa, né?”).

Apesar disso, eu insisto que o fenômeno de Snake (isso é, um joguinho casual de celular com apelo universal e que treinou uma geração de novos gamers) foi um curioso prenúncio do que o mundo gamer se tornaria uma década mais tarde.

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Izzy Nobre

Izzy Nobre

Ex-autor

Israel Nobre trabalhou no Tecnoblog entre 2009 e 2013, na cobertura de jogos, gadgets e demais temas com o time de autores. Tem passagens por outros veículos, mas é conhecido pelo seu canal "Izzy Nobre" no YouTube, criado em 2006 e no qual aborda diversos temas, dentre eles tecnologia, até hoje.

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