Um estudo sobre Bitcoin: a moeda do futuro?

Nesta primeira parte, entenda de onde veio a moeda livre de associação com governos, autorregulada e complicadíssima de ser "lavada" que pode revolucionar a economia mundial

Jacqueline Lafloufa
Por
• Atualizado há 1 ano
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Ao ouvir uma conversa sobre Bitcoins, parece que estão falando sobre uma mistura de mineração no Starcraft com moedas virtuais que você compra pra pagar a fazendinha do Facebook. Mas não se deixe enganar pelo ar de brincadeira e futurismo: a Bitcoin já evoluiu do status de “item nerd” para “unidade de contagem” na Alemanha, onde já é possível pagar pela sua cerveja usando Bitcoins.

Em uma Europa apertada com a crise econômica, houve até quem investisse a grana da herança convertendo-a na nova moeda digital. Felizmente, foi uma ótima sacada. Heidi Leyton, entrevistada pelo Guardian, explica que esses herdeiros, que são conhecidos seus, conseguiram transformar 30 mil dinheiros em 600 mil dinheiros em um período de cerca de 3 anos e meio ao investir em Bitcoins. Nada mal, não?

E pra ajudar o leitor do TB a entender o que é e pra que serve a Bitcoin, vamos tentar destrinchar o assunto em miúdos e sem muitas delongas pra você finalmente entender qual é essa revolução que a moedinha virtual pode trazer.

Dinheiro independente

A grande bandeira da Bitcoin é ser uma moeda que independe de controle governamental e que permite transações “semi-anônimas”. As taxas atreladas à Bitcoin são baixíssimas, no geral associadas a casas de câmbio, mas o seu valor de mercado atual é bem alto – a cotação no site Preev mostra que 1 Bitcoin (abreviado como BTC) equivale a 123 dólares.

A moeda digital teria sido criada por um programador de nome Satoshi Nakamoto, mas a história do seu surgimento lembra muito filmes de ficção científica. Depois de trazer esse bem para o mundo (mesmo que virtual), Satoshi simplesmente desapareceu, se tornando completamente irrastreável na rede – tanto que perguntar se você é Satoshi Nakamoto é uma piada nerd comumente respondida com “não, mas se fosse, também não diria”.

Há quem acredite, no entanto, que Satoshi não seria uma pessoa real, mas sim um pseudônimo usado por um grupo de desenvolvedores para ser a persona criadora da Bitcoin. Há teorias que supõem que Satoshi seja, na verdade, um economista da Finlândia, um especulador financeiro norte-americano, um estudante de Dublin ou até mesmo um pseudônimo criado com o acrônimo de quatro grandes corporações mundiais – Samsung, Toshiba, Nakamichi e Motorola.

Identidade de Satoshi à parte, esse personagem descreve em um artigo científico como seria o funcionamento da Bitcoin, apresentando-a como uma solução para o problema financeiro do mundo moderno, já que se trata de uma moeda que não precisa se apoiar na confiança – de governos, de bancos, da estabilidade política – mas sim em provas criptográficas, e que tem o potencial de se tornar uma moeda global.

Assim, surgia a ideia de uma moeda virtual em que as transações são irreversíveis e é garantida a idoneidade da transferência através de segurança criptográfica. Com um complexo algoritmo matemático, Bitcoins são geradas de forma limitada. É preciso o esforço de máquinas que resolvem complexos problemas e produzem a moeda, em um processo conhecido como mineração, uma alusão ao esforço dedicado das máquinas para obter o dinheiro virtual.

Aparato para minerar Bitcoins; há controvérsias se os gastos em equipamento e energia compensam o valor recebido, mas esse será o assunto da parte 2
Aparato para minerar Bitcoins; há controvérsias se os gastos em equipamento e energia compensam o valor recebido, mas esse será o assunto da parte 2

Com isso, as transações financeiras se tornam basicamente uma troca de bits. Uma quantidade de bits passa de um lado para o outro, com uma autorização criptografada do proprietário, e pronto, você se torna um feliz proprietário de algumas Bitcoins. Rápido, prático, com um processo verificável, já que o número de Bitcoins gerada é limitada e de conhecimento público, e sem precisar se preocupar com estabilidade política ou econômica do país que regula a moeda, já que ele não existe.

Charlie Hall, do site Polygon, fez uma interessante analogia do funcionamento de uma transferência de Bitcoins, que explica bem qual a graça do sistema. O princípio básico é o de que tudo é aberto e todos podem ver todas as Bitcoins, mas apenas os seus proprietários podem acessá-las e fazerem o que quiserem com elas, tornando o sistema altamente verificável. “Imagine as Bitcoins não como uma pilha de coisas físicas, mas como um enorme oceano de código. As chaves privadas [de cada proprietário de Bitcoins] permitem que as pessoas alcancem esse oceano e peguem apenas as moedas que lhes pertencem, e então transfiram as propriedades delas para quem quiserem”, explica.

O problema, destaca Hall, é que esse oceano não regulamentado e pouco rastreável oferece uma oportunidade única para criminosos cibernéticos atuarem, recebendo em Bitcoins e depois fazendo o câmbio em dinheiro do mundo real, sem precisar prestar contas de como, quando ou com quem conseguiram tais valores.

Submundo wébico

Dado o caráter anônimo das transações, a Bitcoin é bastante usada para quem trabalha no âmbito ilegal da internet. Na deep web, os pagamentos para compra de drogas e solicitações ilegais, como de assassinos de aluguel, é sempre feito via Bitcoins. Afinal, nenhum criminoso quer ser pego oferecendo seus serviços na web e a Bitcoin oferece o anonimato para essas transações.

A mídia tem frequentemente associado a Bitcoin com as ilegalidades que acontecem na deep web, como por exemplo o pagamento de compras feitas através do site Silk Road, uma loja virtual que comercializa drogas ilegais. Assim como você não espera fazer pagamentos em uma boca de fumo com um cartão de débito, o Silk Road também não esperaria que você desse a eles o número do seu cartão de crédito, ou fizesse o pagamento de um boleto. A segurança do anonimato que a Bitcoin proporciona não é oferecida atualmente por nenhum outro tipo de pagamento.

Apesar de funcionar à margem do que é socialmente aceito, até mesmo o Silk Road tem seus limites éticos – o site vende drogas, mas se recusa a expor a venda de “qualquer item que tenha o propósito de ferir ou causar fraude, como cartões de crédito roubados, oferta de assassinos de aluguel e armas de destruição em massa”. Não é por ser ilegal que o Silk Road pretende se tornar amoral. Para quem se interessar, a Wired tem uma matéria bem bacana sobre o site, e a Forbes sugere até quem seria o seu principal concorrente, um site chamado Atlantis, que acaba de receber também uma reportagem da INFO.

Good coin, bad coin

Associada a drogas e atividades ilícitas; anônima; sem regulamentação governamental. Tudo isso faz com que a Bitcoin pareça a moeda do caos, mas não é esse o caso. Inteligentemente criada para que pudesse ser verificada publicamente, através do poder de processamento das máquinas envolvidas na mineração, a Bitcoin se preocupa em manter os seus princípios básicos de transação instantânea e independência política.

O valor de um Bitcoin, no entanto, é bastante variável, e a moeda teve picos de valorização nos últimos meses, chamando a atenção de economistas. Hoje em dia, 1 BTC equivale a cerca de 120 dólares, mas em momentos de alta, um Bitcoin já chegou a valer 146 doletas, um salto vertiginoso se comparado aos 13 dólares que valia no começo deste ano. Apesar de toda a teoria interessante, na prática a Bitcoin ainda enfrenta alguns desafios.

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O primeiro deles é que a compra é complicada, feita por poucas empresas e de uma forma que não passa segurança para muita gente. Não é possível fazer pagamentos por cartão de crédito, já que esse é um tipo de transação que pode ser cancelada ou suspensa pela operadora, o que causaria um problema grave dentro do funcionamento da Bitcoin, que não permite “desfazer” operações financeiras – depois de transferido, um punhado de Bitcoins só pode ser estornado, por assim dizer, se o outro lado tiver a bondade de autorizar o retorno do valor.

Outro desafio é aumentar a disseminação da moeda para diversos segmentos, em especial os dentro da legalidade, para tirar o estigma de “moeda corrente da deep web”. Pouco a pouco, mais estabelecimentos e prestadores de serviços passam a aceitar pagamentos em Bitcoins, mas a adoção ainda é vagarosa, em especial pelo caráter “marginal” da moeda, que muita gente acredita ser modinha. Outros apostam em uma bolha, que pode desvalorizar o dinheiro investido sem precisar prestar contas a ninguém.

Enquanto isso, os governos tentam se antecipar ao problema e encontrar meios de regulamentar essa moeda, que fica posando de rebelde das leis de mercado.

Na segunda parte do nosso estudo sobre Bitcoins, vamos abordar o uso prático dessa moeda virtual – inclusive no Brasil há estabelecimentos comerciais que a aceitam. Ela será publicada ainda nesta semana.

Colaboraram: Daniel Fraga, Rafael Cabral, Osias Maia, Thássius Veloso e Giovana Penatti.

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Jacqueline Lafloufa

Jacqueline Lafloufa

Ex-autora

Bacharel em literatura, especialista em jornalismo científico e comunicação digital, Jacqueline Lafloufa também aprendeu sobre ciência e tecnologia no colégio técnico ETEP. Já trabalhou como programadora, mas hoje atua como produtora de conteúdo, ghostwriter, roteirista, escritora profissional, pesquisadora e podcaster. Foi autora no Tecnoblog de 2013 a 2014 e também já colaborou com o Facebook.

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