Na primeira parte de nossos posts sobre Bitcoin, fizemos uma apresentação sobre a moeda virtual: um estudo sobre suas origens, seu potencial e seus riscos. Nesta segunda parte, vamos analisar o uso dela na prática, como é garantida sua segurança e como ela é vista pelos governos.

Bitcoin é o termo tendência do momento. A cada dia pipocam novas notícias sobre a moeda digital: entre os mais recentes, temos a abertura de uma loja virtual que trabalha com pagamentos exclusivamente em Bitcoin, a BitcoinShop.us; a chegada de caixas eletrônicos de Bitcoins, que seriam como casas de câmbio automatizadas que permitiriam saques de Bitcoins em dinheiro e como a compra de novas moedas através de depósitos financeiros na própria máquina; e a inclusão do termo no Dicionário Oxford, um dos mais importantes do mundo.

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O entusiasmo com a novidade, no entanto, pode ser danoso. Existem relatórios de entidades financeiras, como o Banco Central Europeu, que mostram que o Bitcoin tem bastantes pontos em comum com esquemas de pirâmide, também conhecidos pelo nome de “marketing multinível”.

Perceba, não estamos falando que comprar Bitcoin seja o mesmo que investir no TelexFree, mas é preciso estar consciente de que a Bitcoin ainda é uma moeda em desenvolvimento, sem controle de governos. Por isso é preciso estar ciente de que vários problemas podem acontecer, como os roubos ou quem sabe uma brusca desvalorização da moeda, que pode acarretar em perdas financeiras pra quem quis usar as Bitcoins como forma de investimento.

É preciso considerar também que o método de criação de Bitcoins baseia-se no poder de processamento da sua máquina para “minerar”, através de complexos algoritmos matemáticos, alguns centavos de Bitcoin. É como se o Banco Central fosse na sua casa.

Usuários relatam que cerca de 12 horas de mineração rendem cerca de 0,30 BTC, o que Izzy Nobre, vlogueiro que fez uma extensa pesquisa sobre o assunto, argumenta ser um péssimo investimento. Afinal, será mesmo que existe lucro nisto, colocando na ponta do lápis o custo da energia gasta nestas 12 horas, o desgaste do cooler do computador, entre outros aspectos? Pois é, o assunto ainda é bastante contraditório.

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Um caso interessante de analisar, na ótica do advogado do diabo, é o de um usuário do Reddit que investiu 10 mil dólares em maquinário para minerar Bitcoins, conquistando meras 300 Bitcoins. Na época, com o pífio resultado, ele cansou de perseguir o sonho do dinheiro grátis, perdendo cerca de 70% do seu investimento.

Será mesmo que vale gastar tudo isso pra minerar dinheiro virtual? Fora que é preciso superar o calor de uma central de mineração. Devido ao alto processamento, os computadores ficam superaquecidos a tal ponto que dá para usar para desidratar frutas! Cerca de 4 BTC minerados depois, olha o resultado da salada de frutas em cima do PC:

Chegando ao mainstream

Enquanto isso, os órgãos de finanças estatais tentam entender como poderão faturar o seu em cima das transações em Bitcoins.

O Ministério Federal de Finanças da Alemanha já reconhece a Bitcoin como uma moeda privada, mas insiste que não haverá isenção do pagamento de impostos para quem realizar atividades comerciais aceitando Bitcoins. Em junho deste ano, o governo alemão anunciou que o comércio de Bitcoins estaria sujeito a taxas de ganho de capital, assim como qualquer outra atividade comercial. Romain Dillet, do TechCrunch, especula que o grande interesse dos governos em encontrar formas de regular uma moeda que se propõe exatamente a ser politicamente independente pode fazer com que o propósito original da Bitcoin se perca com o tempo. Quem sabe ela até chegue a ser eleita como uma moeda internacional, mas provavelmente existirão regulamentações locais específicas em cada país.

Saindo de Kreuzberg, bairro da capital alemã onde é possível pagar por bebidas, discos e até bolos com Bitcoins, a moeda virtual vai aos poucos se tornando mais aceita. Além de pagar por itens escusos da deep web, já é possível também pagar por compras de serviços do Wordpress, e fazer aquisições em sites como o Reddit e Mega, de Kim Dotcom. O Humble Bundle, por exemplo, já coloca Bitcoins juntamente com pagamentos via PayPal e cartões de crédito.

A paridade dos valores entre dólares e BTCs, no entanto, ainda é muito confusa, e é preciso entender qual a paridade que o site em questão está utilizando. Isso porque a moeda tem tido picos de valorização, e talvez saia mais caro pagar um item em Bitcoins do que em dinheiros norte-americanos – haja vista a primeira transação feita com a moeda, em janeiro de 2010, que pagava uma pizza com cerca de 10 mil BTCs, o equivalente hoje a quase 1,2 milhão de dólares.

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Esse é o selo que costuma ser colocado à vista do público nas lojas que aceitam Bitcoin

O site WikiLeaks chegou a aceitar doações em Bitcoins depois que as operadoras de cartão de crédito impediram que seus clientes fizessem doações à iniciativa, evidenciando o verdadeiro poder do Bitcoin, que é desviar de regulamentações, embargos e exigências governamentais para fazer a transação financeira que o proprietário do dinheiro quer. Se é do interesse de alguém proibir um determinado tipo de transação, em contrapartida a Bitcoin não está nem um pouco preocupada com o que você está fazendo com aquelas moedas; a única coisa com a qual o sistema do Bitcoin se importa é garantir a idoneidade das transações, realizar os pagamentos de forma correta e continuar minerando Bitcoins.

No Brasil

Em terras tupiniquins, o Bitcoin ainda é vista com bastante desconfiança. Já existem sites especializados, escritos em português, que evangelizam sobre a moeda virtual, mas são poucos os estabelecimentos e serviços nacionais que aceitam Bitcoins como forma de pagamento.

Com a ajuda de Daniel Fraga, do site Loja Bitcoin, e do site Mercado Bitcoin, conseguimos elencar apenas seis estabelecimentos: o bar e bicicletaria Las Magrelas; a loja de componentes Webtrônico; a pousada Kyrios, que fica na praia de Maresias, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo; a loja virtual de bebidas Terras Brasilis; a agência de aluguel de apartamentos Copa Apartments, no Rio de Janeiro; e um centro de práticas budistas, o Pedra Negra das Bromélias, na região serrana do Espírito Santo. Se você souber de mais algum, avise nos comentários que incluímos aqui.

O responsável pelo Las Magrelas esclarece que aceitam Bitcoins para “basicamente tudo”, e que fazem o câmbio entre Real e Bitcoin de acordo com o valor do dia da “bolsa de valores” Bitcoin – um dos sites mais usados para essa referência é o MT Gox. O Terras Brasilis também faz uso da mesma prática – no dia 11 de setembro, uma garrafa de Whisky Johnnie Walker Red Label, por exemplo, poderia ser adquirida por 0,21 BTC.

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Com tão poucos estabelecimentos aceitando a nova moeda virtual para pagamentos, essa pode ser uma ótima opção de marketing. O responsável pelo Terras Brasilis revelou que quase 20% de todas as vendas do site já são feitas em Bitcoins.

Contradição ou excesso de controle?

Quem dera a preocupação dos governos fosse a de garantir a segurança financeira da Bitcoin. Se o medo fosse o roubo das suas preciosas Bitcoins, o próprio sistema trataria de lhe prover ao menos o alívio de saber que o ladrão não conseguiria fazer muita coisa com o produto do furto, já que é praticamente impossível lavar grandes quantidades de Bitcoins roubadas.

Toda transação feita via Bitcoins é pública. Ao acompanhar um arquivo público chamado Blockchain, é possível saber, hipoteticamente, que a Carteira de Bitcoins X fez uma transferência para a Carteira de Bitcoins Y, tornando possível rastrear onde estão as Bitcoins roubadas, mas sem saber quem é o proprietário delas. Contudo, se o espertalhão tentar tirar as Bitcoins daquele ambiente e transformá-la em dinheiro do mundo real, vai precisar fazer um cadastro, e é exatamente nesse momento em que ele é pego.

Lavar pequenas quantidades de Bitcoins roubadas é até possível, mas quem quiser mover milhões de dólares através da rede terá problemas, admitiu Sarah Meikelejohn, graduanda da Universidade da Califórnia que é co-autora de um estudo sobre o assunto, como se quisesse esclarecer que a rede de Bitcoins não seria exatamente um bom lugar para Walter White esconder sua fortuna ilegal. Uma reportagem da Wired destaca que qualquer criminoso que queira converter uma grande quantidade de dinheiro em Bitcoins teria que, em algum momento, fazer uso das casas de câmbio de Bitcoins, e estas têm se esforçado bastante para funcionar dentro da legislação federal norte-americana, que impede práticas que possam ser usadas na lavagem de dinheiro ilegal.

Ainda assim, por não haver para quem reclamar em caso de transações de Bitcoins mal sucedidas, os proprietários da moeda virtual estão sujeitos a roubos. Em abril de 2012, o site Betcoin perdeu 3.171 Bitcoins ao sofrer uma invasão hacker, o equivalente a cerca de 450 mil dólares, valor que ainda não conseguiu reaver (e nem espera que isso aconteça). No entanto, o ciberladrão vai ter problemas ao tentar lavar as Bitcoins roubados da Betcoin: serviços que se propõem a fazer esse serviço, como o Bitcoin Laundry ou o Bitmix, no geral não fazem o que prometem ou, pior, roubam as bitcoins que deveriam ser lavadas. Ou seja, ladrão que rouba ladrão… 100 anos de perdão, ou a eternidade com Bitcoins marcadas como ilegais.

Pode ser o novo Second Life ou o novo euro

Desde a sua apresentação, em 2009, a Bitcoin tem se desenvolvido de diversas formas. Aos poucos, ganha novos adeptos e locais que aceitam pagamentos com a moeda. No entanto, os processos matemáticos que a mineração utiliza vão ficando ainda mais complexos, requerendo máquinas ainda mais potentes para a criação de novos Bitcoins e a validação das transações feitas com a moeda virtual.

Por enquanto, a Bitcoin ainda paira como uma tendência, que pode ou não engrenar em um futuro próximo. Pode ser o novo Second Life, que resiste por alguns anos, mas acaba deixado de lado, mas é possível que se transforme no Euro da internet, facilitando transações e se tornando uma moeda única para pagamentos digitais.

Os governos ainda parecem assustadíssimos com o surgimento da Bitcoin, talvez por não saberem como podem incluí-la na economia do país, como regulamentá-la ou até como evitar que ela se torne a moeda padrão não apenas do mundo digital, mas também das transações entre marginais, dada a sua propriedade de ser anônima.

Quem se interessar pelo assunto pode procurar uma das casas de câmbio e comprar suas primeiras Bitcoins para testar como ela funciona. Os mais ousados podem usar o poder de processamento de suas máquinas para gerar suas próprias Bitcoins, mas será preciso um pouco mais de preparo técnico, paciência e investimento de tempo e energia (elétrica mesmo!).

Os mais descrentes ou receosos podem fazer como eu: ficar atentos e observar o mercado. Uma moeda que começou com pouca valorização e de repente salta de uma paridade de USD 13 para 120 precisa mostrar agora a que veio. O futuro da Bitcoin, contudo, não parece estar tão distante assim.

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Jacqueline Lafloufa

Jacqueline Lafloufa

Ex-autora

Bacharel em literatura, especialista em jornalismo científico e comunicação digital, Jacqueline Lafloufa também aprendeu sobre ciência e tecnologia no colégio técnico ETEP. Já trabalhou como programadora, mas hoje atua como produtora de conteúdo, ghostwriter, roteirista, escritora profissional, pesquisadora e podcaster. Foi autora no Tecnoblog de 2013 a 2014 e também já colaborou com o Facebook.

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