O que é GamerGate e por que você se importaria com ele

Depois de ameaças de estupro e morte, um estúdio de games cancelou sua participação no PAX East

Renata Persicheto
Por
• Atualizado há 1 ano
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A essa altura do campeonato, você já deve ter ouvido falar sobre o GamerGate. O episódio, que explicarei adiante, fez uma nova vítima. O estúdio Giant Spacekat, comandado pelas game designers Brianna Wu e Amanda Stenquist, cancelou sua participação no PAX East, em que participaria divulgando seu novo jogo Revolution 60.

A saída do Giant Spacekat do time de contribuidores dessa edição da feira se deve às incessantes ameaças recebidas por Brianna, vinda de pessoas que se associam ao GamerGate. A designer disse, em entrevista à Época, ter recebido mensagens pelo Twitter @deathtobrianna (ou “morte à Brianna”) que envolviam ameaças de estupro e morte, além do fato do remetente saber exatamente qual o endereço de sua casa.

Mas o que é o GamerGate e por que você se importaria com ele?

Tudo começou quando o jogo Depression Quest, de Zoe Quinn, recebeu aprovação unânime da imprensa internacional, mesmo sendo um título simples e independente. Após acusações de um ex-namorado de Quinn, que garantia que a game dev só havia conseguido tamanha repercussão de seu jogo depois de dormir com membros da crítica especializada, uma verdadeira multidão de jornalistas, sites e pessoas que não tinham nada a ver com a história passou a explorar a controvérsia de quão vendida estaria a indústria dos jogos.

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O título GamerGate, que faz alusão ao caso Watergate, amplamente citado como paradigma da corrupção, deveria representar uma abertura para a discussão sobre a falta de ética na indústria dos jogos, cujo gatilho foi disparado em decorrência do caso Zoe Quinn. Contudo, o mesmo GamerGate que criticava a incongruência dos jornalistas acabou dando um tiro no próprio pé ao se tornar um gigantesco equívoco.

De repente, não se fala mais sobre a ética da imprensa: toda e qualquer manifestação “pró-GamerGate” usa argumentos machistas e raivosos para… ofender mulheres. O mote da revolta, que supostamente teria sido o fato de um jornalista ter vendido sua opinião em troca de sexo, no fim das contas se tornou o fato de uma mulher ter conseguido críticas positivas para seu jogo simples e independente.

Por que problematizar apenas o lado da mulher e sua intimidade, enquanto a ética jurada por jornalistas ao colarem grau é que está sendo quebrada?

Mesmo que, em um caso isolado num universo paralelo, Zoe Quinn tenha “comprado” alguma opinião com a oferta de relações sexuais (e isso parece ser socialmente muito mais errado do que comprar opiniões com Doritos e Mountain Dew, dada a repercussão do caso), cabe a nós, humanos, pensarmos: e daí?

O GamerGate, por sua vez, acabou deixando suas origens para trás, se desenvolvendo nos fóruns da internet e tornando-se um movimento que contraria a liberdade de expressão feminina dentro do mundo dos jogos eletrônicos. Outras mulheres, como a crítica de mídia Anita Sarkeesian e a jornalista Leigh Alexander, do Gamasutra, já vinham sofrendo ameaças e palavras de ódio vindas da mesma comunidade. A revolta só ganhou um título após envolver, de fato, nomes conhecidos da imprensa.

Anita Sarkeesian teve sua cota de ameaças de morte em resposta aos seus incansáveis esforços para “des-hipersexualizar” jogos de videogame. Em seu programa, “Damsel in Distress” (donzela em apuros, em tradução livre), a crítica evidencia como mulheres são diminuídas nos enredos dos games, sempre em detrimento dos muitos músculos e da agressividade exacerbada dos personagens principais. Por causa do ponto criticado por Sarkeesian, milhares de frequentadores de fóruns da internet acabaram dando força à “voz” do GamerGate, sendo a “menor” das agressões um jogo em Flash no qual o jogador deveria espancar Anita.

O caso Giant Spacekat

Em 2014, com o lançamento de Revolution 60, que traz apenas personagens femininas, muitos jogadores se revoltaram com a aclamação da crítica sobre o título e passaram a apontar Brianna como o novo alvo do GamerGate.

“Tive conversas difíceis com meu marido sobre continuar enfrentando o GamerGate mesmo com as ameaças de morte.”

“Especificamente, nós optamos por cancelar nossa presença no PAX East 2015 Expo Hall por nos preocuparmos com o volume de pessoas esperado para o PAX – a segurança de nossa equipe não pode ser garantida”, diz o post de Wu.

Entretanto, a designer continua no rol de palestrantes e estará presente nos painéis do evento: “Tive conversas difíceis com meu marido sobre continuar enfrentando o GamerGate mesmo com as ameaças de morte. Nós não temos filhos, e nos sentimos fortes o suficiente sobre esse problema para aceitarmos esse risco. Nossas vidas nos pertencem, e essa é nossa escolha. Eu não posso e não irei fazer escolhas pelas pessoas que trabalham comigo. Depois de falar com elas, tomei a decisão de priorizar a segurança dos empregados do Giant Spacekat.”

O Penny Arcade Expo (PAX), que ocorrerá entre 6 e 8 de março em Boston, foi criado em 2004 pelos criadores da webcomic Penny Arcade, e traz desde desenvolvedores independentes, como o Giant Spacekat, até as grandes publicadoras, para a divulgação de seus títulos, palestras, torneios de jogos e outras atrações que abrangem exclusivamente os videogames.

Mas o que Anita Sarkeesian, Brianna Wu, Leigh Alexander e Zoe Quinn fizeram?

As quatro mulheres têm em comum o fato de irem contra o pensamento massivo da comunidade gamer, tentando exaltar personagens femininas, diminuir estereótipos machistas e, por acaso, obtendo sucesso em suas iniciativas sendo mulheres.

E por que isso acontece?

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Caso você tenha analisado a imagem acima, pode ter associado o fato do resultado do Google muitas vezes bater com nosso próprio pensamento: o de que “gamers” ou “jogadores de videogames” são sempre homens. Nesse caso, mulheres que jogam videogames até existem, vez ou outra algum espécime pode ser observado andando nu em seu habitat natural, também conhecido como cama circular, onde permeiam fios de joysticks que envolvem seus corpos.

A fetichização da mulher “gamer” cai sempre que uma delas decide abrir a boca para revidar contra os incessantes assédios ou reclamar da postura dos homens que insistem em vê-las como um pedaço de carne com voz de veludo. A partir daí, o macho gamer, ao se ver tendo sua supremacia em seu ambiente natural ameaçada, passa a rechaçar a fêmea gamer e excluí-la de sua sociedade. Por quê? Porque elas são mulheres e mulheres só entram no imaginário do masculino fetichista caso responda adequadamente às suas investidas. Caso não, GamerGates são abertos e, claro, vítimas se tornam culpadas.

É muito claro que esse assunto não tange apenas o mundo dos jogos eletrônicos, mas toda e qualquer forma de existência humana nesse mundo. Dessa maneira, os últimos parágrafos podem ser empregados para muitas outras situações.

Quando algum tipo de movimento toma força, existem três posicionamentos possíveis: os apoiadores que brigam por sua causa, os que não ligam e os que têm a necessidade de destruí-lo. Quer seja pelo acesso indiscriminado à internet, pela facilidade de se esconder atrás de proxies, pela queda de ditaduras que permitam a total liberdade de expressão ou mesmo pela Lua em Vênus, é fato que os dias atuais viraram pipoqueiras de assuntos polêmicos (mas pertinentes) e que os lados já foram escolhidos. Sendo assim, você pode estranhar – e até xingar – um texto como esse no Tecnoblog. Mas tudo bem, desde que você tenha lido até aqui. Só que esse comportamento precisa acabar.

Caso não goste do título “feminismo”, ele vai continuar existindo, mas você pode chamá-lo por outro nome (desde que signifique que respeita e enxerga mulheres como seres humanos iguais a você). E não, mulheres não precisam de carteirinha pra jogar videogame. Tampouco precisam provar já terem zerado quinze clássicos antes de poderem gostar de videogames. E a testosterona não é necessária para que uma mulher lute, faça ciência, ensine, jogue futebol ou faça o que ela bem entender. Isso porque você faz parte desse clubinho, mas nós também podemos entrar. E nós não falamos sobre as regras dele.

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Renata Persicheto

Renata Persicheto

Ex-redatora

Renata Persicheto é formada em marketing pela Anhembi Morumbi e trabalhou no Tecnoblog como redatora entre 2013 e 2015. Durante sua passagem, escreveu sobre jogos, inovação e tecnologia. Já fez parte da redação do portal Arena IG e também tem experiência como analista de inteligência de dados.

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