Como a Xiaomi consegue vender barato

Hugo Barra conversa sobre a estratégia da Xiaomi no Brasil, os planos futuros e... sua mãe

Paulo Higa
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• Atualizado há 1 ano
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Estreante no Brasil, a Xiaomi ainda não é muito conhecida entre o público em geral, mas os que conhecem a marca sabem que uma das principais características da chinesa é vender produtos por preços menores que os dos concorrentes. Exemplo disso é o Redmi 2, primeiro smartphone da empresa no Brasil, que chegou ao país por 499 reais, mas consegue competir de igual para igual com aparelhos bem mais caros.

Mas como a Xiaomi consegue vender mais barato que as concorrentes? O vice-presidente global Hugo Barra, bastante descontraído e ainda se revirando para lembrar de algumas palavras em português, respondeu a essa e outras perguntas durante um encontro na manhã desta quarta-feira (8), incluindo detalhes da assistência técnica no país, interação com a comunidade, os contratempos na estreia e os planos futuros da empresa.

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Cortando custos e prevendo o futuro

A estratégia diferenciada da Xiaomi pode ser notada no primeiro evento de vendas do Redmi 2, realizado nesta terça-feira (7) no Brasil. Enquanto outras fabricantes não dispensam os importantes canais de venda através do varejo e das operadoras, a Xiaomi optou apenas pela venda direta, ao menos neste início de operação. Isso já é suficiente para cortar a pesada margem imposta pelo varejo, que chega a cobrar 30% em cima do preço do produto, o que eleva bastante os custos para os consumidores.

Essa taxa de varejo é particularmente alta no país: “30% só aqui no Brasil, né? Não existe nada assim no mundo inteiro. Na Best Buy você não paga isso”, afirmou Barra. O chamado “custo de venda”, que inclui a comissão de toda a cadeia de distribuição (fornecedores, varejistas e operadoras) e os gastos com marketing, também é reduzido na Xiaomi, que corta intermediários e gasta pouco com publicidade, tendo uma estratégia de marketing bastante focada em redes sociais.

Mesmo os investimentos com publicidade na internet são menores: “A gente não gasta quase nada em boost no Facebook. É muito mais orgânico e o engajamento é muito alto, então não precisamos gastar muito dinheiro. Na semana de lançamento, tivemos 55% de engajamento e adicionamos 20 mil fãs na nossa página, um crescimento de mais de 30%. Ainda é uma base pequena, mas eles são muito mais engajados que qualquer fã de outra marca”.

Redmi 2 foi lançado no Brasil por 499 reais
Redmi 2 foi lançado no Brasil por 499 reais

Mas o que nem todo mundo sabe é que a Xiaomi define os preços considerando a diminuição do custo da tecnologia ao longo do tempo. Como assim? Quando um smartphone chega ao mercado, nós normalmente reclamamos do preço de lançamento. Ao mesmo tempo, temos certeza (com exceção dos iPhones) que o valor baixará com o tempo. Isso ocorre com frequência na LG: o Nexus 5, lançado por R$ 1.799, era frequentemente vendido por R$ 900; o G3, de R$ 2.299, teve muitas promoções por menos de R$ 1,5 mil.

O que ocorre na Xiaomi é que, em vez de diminuir o preço com o passar do tempo, o valor é baixo no momento do lançamento. A tendência, portanto, é que o lucro da empresa aumente à medida que os produtos ficam mais antigos. A Xiaomi sabe que venderá determinado smartphone por um bom tempo, período suficiente para que o valor do processador ou da tela, por exemplo, diminua.

“A gente tem duas famílias, a Redmi (Redmi 2 e Redmi Note) e a Mi (Mi 4 e Mi Note). Lançamos dois em cada família por ano, a grosso modo. Não lança 20, 30, 40, 100 modelos, lança quatro e algumas pequenas variações. Então, de cada um desses caras, a gente vai vender mais de 10 milhões; em alguns casos mais de 15 ou 20 milhões. […] Temos contratos muito bons com fornecedores porque compramos em uma quantidade enorme”, disse Barra, afirmando que a Xiaomi é a terceira maior cliente da Qualcomm.

Mi Note Pro é um topo de linha com Snapdragon 810, 4 GB de RAM e 64 GB de espaço. Preço na China: o equivalente a R$ 1,5 mil (US$ 483)
Mi Note Pro é um topo de linha com Snapdragon 810, 4 GB de RAM e 64 GB de espaço. Preço na China: o equivalente a R$ 1,5 mil (US$ 483)

“O Redmi 1 vendeu durante 16 meses. O Mi 2 vendeu por 24 meses. Pensa o seguinte: o Redmi 1 foi lançado com Snapdragon 400, que em agosto de 2013 custava, sei lá, 15 dólares, chutando. Se você comprar um Snapdragon 400 em setembro de 2014, com certeza não vai custar nem próximo desse valor, porque já estava saindo o Snapdragon 410 e a linha de produção do Snapdragon 400 estava em andamento há um ano. Todas as sinergias de escala já tinham sido atingidas. E a Qualcomm também tem fornecedores, então o preço dos componentes para fazer o Snapdragon 400 também cai depois de um ano”, continua.

O custo do produto, se ele fica no mercado durante muito tempo, cai vertiginosamente, e a nossa margem aumenta no final da vida do produto.

“Então a gente consegue entrar com um produto com preço muito agressivo lá no começo, que às vezes é o nosso próprio custo de produção, porque a gente sabe que esse produto é tão bom que ele vai ficar no mercado por muito tempo. Esse cara aqui [apontando para o Redmi 2] ainda vai ser relevante por pelo menos mais 1 ano e meio. É um produto que no final de 2016 vai ser muito relevante, porque ele foi bem pensado. E no final de 2016 o custo de produção vai ser mais baixo, o preço pode até cair”.

Apesar dessa estratégia, a empresa não descarta um futuro corte de preços no Redmi 2. Ao longo do tempo de venda do produto, a Xiaomi pode reduzir o valor uma ou duas vezes, para mantê-lo atraente no mercado.

Os contratempos na estreia

Nas palavras de Hugo Barra, o balanço da semana foi “muito positivo”, mesmo considerando os dois incidentes que a Xiaomi teve em sua estréia no Brasil. No evento de lançamento, a empresa precisou lidar com uma quantidade de pessoas maior do que o teatro podia comportar — alguns compareceram ao local mesmo sem ter recebido a confirmação do convite. Além disso, no primeiro dia de vendas do Redmi 2, os usuários tiveram dificuldades para comprar o produto devido a uma falha na loja online.

Para Barra, os problemas não queimaram a imagem da empresa: “No final das contas, os caras que ficaram pra segunda sessão ganharam um presente a mais, a Power Bank e a Mi Band, e participaram do mesmo jeito. A segunda sessão foi até mais íntima, porque vocês [a imprensa] não estavam lá e a gente podia falar o que quisesse (risos). […] Claro que teve muita gente que ficou nervoso pra caramba, tweetou xingando, mas no final das contas foi ótimo“. O segundo evento da Xiaomi teve pouco mais de 300 convidados. Eles esperaram algumas horas para entrar porque a primeira sessão lotou os 799 lugares do Theatro NET, em São Paulo.

Theatro NET foi tomado por membros da imprensa e fãs da Xiaomi no evento de lançamento do Redmi 2
Theatro NET foi tomado por membros da imprensa e fãs da Xiaomi no evento de lançamento do Redmi 2
No quinto andar do Shopping Vila Olímpia, grandes filas eram formadas em frente ao teatro
No quinto andar do Shopping Vila Olímpia, grandes filas eram formadas em frente ao teatro

As reclamações na loja online ocorreram devido a uma falha na página, que não habilitou o botão de compra para todos os usuários. O cache, provido pela Akamai, piorou a situação, já que não foi possível resolver o problema rapidamente: levou meia hora, o que é uma eternidade se considerarmos que a Xiaomi é conhecida por vender dezenas de milhares de smartphones em questão de segundos na Índia e na China. Mesmo assim, o estoque esgotou em menos de uma hora (a Xiaomi não divulgou os números de venda no Brasil).

Para resolver o caso, a Xiaomi trabalhou com a B2W, empresa que controla Submarino, Americanas e Shoptime e também fornece a tecnologia da loja online da Xiaomi, para descobrir quem não havia conseguido finalizar a compra. Os consumidores afetados receberam, horas depois, um email com link para adquirir o produto. “A gente identificou todo mundo que teve um problema técnico e deu a oportunidade de finalizar a compra, mesmo depois do evento, para ter certeza que todo mundo tivesse a melhor experiência possível”, segundo Barra.

Como fica a assistência técnica?

Diferente das outras fabricantes, a Xiaomi não apostará em redes de assistência técnica que atendem várias marcas, porque o serviço não é bom. Quando alguém tiver um problema, a empresa fornecerá um código de envio para que o consumidor possa mandar o produto defeituoso diretamente para a Xiaomi, que tratará de consertar ou trocar o eletrônico.

A exceção fica por conta de 11 cidades da Grande São Paulo, que terão um serviço diferenciado e gratuito de assistência técnica, chamado Pick Mi. Em parceria com a Loggi, empresa de entrega expressa por motoboy, a Xiaomi vai retirar e entregar o smartphone na casa do usuário, evitando que a pessoa precise se deslocar ou perder tempo na fila dos Correios.

A ideia do “home pickup“ veio de dentro da Xiaomi. “Eles [a equipe de pós-venda] falaram: o que a gente pode fazer de disruptivo numa área tão pouco vista como inovadora, como a assistência técnica, que é um negócio meio chato, porque é quando o cara tem um problema, não é o que dá [repercussão na] imprensa, não é o que dá mídia social. Não é algo que consideraríamos como um tema super sexy dessa indústria. Mas eles veem o negócio deles como uma startup que pode inovar tanto quanto o cara que tá fazendo produto“, afirmou Barra.

Interação com os fãs

É fato que a Xiaomi tem muitos fãs. Mesmo entrando apenas agora no Brasil, a empresa já contava com uma comunidade nacional de admiradores da MIUI desde 2011. Isso ficou muito claro no dia de estreia da empresa no Brasil. Se você não assistiu ao evento de lançamento, vale a pena dar uma olhada na euforia da plateia durante a apresentação de Hugo Barra (o evento começa aos 58 minutos):

A empresa valoriza bastante a comunidade, mas nega que seja apenas uma questão de marketing. “Claro que essa interação tem um efeito de marketing, porque caracteriza a marca de uma forma mais amigável, que nos beneficia. Mas essa é a nossa forma de tocar o negócio, porque a gente conhece e conquista o usuário”, disse Barra.

A aproximação da Xiaomi com os “Mi Fãs” fica evidente nas interações de Hugo Barra com a comunidade. Na noite de terça-feira (7), por volta das 23h30, ele estava na sede da Xiaomi em São Paulo para gravar um vídeo sobre o tumultuado primeiro dia de vendas do Redmi 2. Em sua página pessoal no Facebook, Barra também costuma compartilhar o dia a dia da empresa. Ele garante que isso não é passageiro: quando estava no Google, trabalhando como vice-presidente de Android, era “o terceiro ou quarto funcionário“ da empresa que mais interagia no Google+.

Esse é o mesmo motivo pelo qual Barra discorda que a Xiaomi seja a “Apple da China“, como você lê frequentemente na mídia tradicional. “Eu discordo totalmente. Acho que não está no DNA da Apple, ou da grande maioria das empresas por aí, viver para a comunidade. […] Hoje, no nosso fórum, temos 48 milhões de usuários. A gente estima que mais da metade das funcionalidades da MIUI vieram dessa comunidade”.

Como exemplo, Barra cita uma funcionalidade específica para o mercado indiano, onde as pessoas costumam resolver tudo por telefone — não é como no Brasil, onde as pessoas acessam o banco pela internet, por exemplo. Ao ligar para um atendimento na Índia, o smartphone da Xiaomi é capaz de exibir uma tela com um menu navegável com as opções (cancelamento, segunda via de conta, falar com um atendente, entre outras). Em vez de ficar pendurado no telefone ouvindo as opções, é possível simplesmente tocar no visor. O mapeamento das opções, para que o recurso funcionasse, foi quase totalmente feito pela própria comunidade.

A gente não faz evento sem fãs.

Ele adiantou que os próximos eventos da Xiaomi no Brasil também deverão seguir o mesmo modelo do primeiro, com fãs da empresa na plateia. “Claro, lógico! A gente não faz evento sem fãs”, brincou Barra.

Planos futuros

A venda diferenciada do Redmi 2, com data marcada, não ocorreu apenas por mero capricho da Xiaomi. Segundo Barra, “nem que a empresa quisesse“ teria como comercializar os aparelhos de forma aberta, porque não há estoque suficiente para atender à demanda. A ideia é que o Redmi 2 e outros produtos estejam disponíveis assim que a empresa ajustar sua linha de produção nacional — os eletrônicos estão sendo montados pela Foxconn, em Jundiaí (SP), mas o primeiro lote ainda é importado.

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Cauteloso, Barra não revela quais serão os próximos smartphones a chegar ao Brasil: “é difícil dizer o que a gente vai lançar esse ano, o foco é um modelo de cada vez“. Mas ele adiantou que a primeira Yi Action Camera, câmera esportiva da Xiaomi para concorrer com a GoPro, não deverá chegar ao país. Como o produto já foi lançado há seis meses, ele pretende esperar a segunda geração da câmera para então trazê-la ao Brasil.

E as vendas, continuarão sendo somente pela página oficial da Xiaomi? “Acho que em algum momento o produto [Redmi 2] vai chegar no varejo. O varejo aqui é muito caro, e a gente tem que arranjar uma forma criativa de entrar”, disse Barra.

O serviço de entrega e retirada da assistência técnica da Xiaomi também deverá se expandir para outras cidades: o plano é disponibilizá-lo em todas as capitais, mas ainda não há uma data definida para que isso aconteça.

A mãe do Hugo

Hugo Barra não trabalha sozinho na operação brasileira da Xiaomi, claro. Ele tem uma equipe de 18 funcionários, incluindo Leo Marroig, diretor-geral da Xiaomi para a América Latina. Mas uma das funcionárias mais dedicadas, que nem sequer é contratada, parece ser a mãe de Hugo, dona Maria Leonor. Sério.

Dona Maria é quase uma secretária do filho. No evento de vendas do Redmi 2, ficou em contato constante com Hugo para avisar o que estava acontecendo. Ela chegou a relatar que o botão de compra não estava funcionando. Após a equipe detectar o problema, Barra enviou à mãe uma URL diferente para driblar o cache da Akamai, e deu certo. Obviamente, como todo mundo estava nervoso, dona Maria foi proibida pelo filho de divulgar o link antes da hora.

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A mãe também acompanha as notícias de Hugo e da Xiaomi na imprensa. Não só isso: parece entender bem sobre como funciona a mídia. “Hugo, você precisa fazer uma entrevista com a Globo News. Saiu uma matéria na Folha que foi ‘meio assim’, mas faz uma entrevista com a Globo News, que é o mesmo público da Folha, Estadão e Valor“, brincou Barra, citando o que a mãe disse pelo celular.

E sim, a mãe do Hugo Barra comprou mesmo o Redmi 2 ontem. Inclusive, mandou para o filho uma foto do comprovante pelo Facebook Messenger. Eu vi.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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