Por dentro do Figure 1, o Instagram para médicos

Dr. Joshua Landy quer criar uma comunidade global de médicos e enfermeiros.
Conversamos com o cofundador do Figure 1, que terá versão em português.

Jean Prado
Por
• Atualizado há 9 meses
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Um aplicativo que, não fosse pelas imagens de raios-x e legendas extremamente técnicas, poderia ser facilmente confundido com um clone do Instagram. Mas o Figure 1 é mais do que isso: médicos e especialistas podem publicar fotos de exames ou patologias para pedir opiniões e discutir casos, da mesma forma que numa sala de aula de medicina ou conversa de corredor entre médicos.

Lançado em maio de 2013, o Figure 1 conseguiu 100 mil usuários em um ano e já conta com mais de 500 mil profissionais de saúde registrados ao redor do mundo. Apenas dados relevantes do paciente são compartilhados, e as publicações são separadas por áreas de especialidade (cardiologia, dermatologia) ou partes do corpo.

É interessante notar que 90% dos usuários registrados no aplicativo são, de fato, profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros e estudantes de medicina. A outra fatia corresponde a advogados e jornalistas, como eu, que se cadastram no aplicativo para ver como ele funciona ― esse grupo não pode comentar ou publicar imagens, apenas visualizar as publicações.

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Em uma seção no blog oficial do app, também são discutidas as imagens da semana. Uma delas foi publicada pela rede indiana de hospitais Apollo, perguntando qual seria o diagnóstico para monges do Himalaia de 9 a 11 anos que estavam com lesões com crosta no couro cabeludo. Detalhe: eles se apresentaram ao hospital à distância. Um enfermeiro chegou a comentar: “Adoro a era digital da medicina!”.

Ainda que o aplicativo tenha alguns anos, ele foi disponibilizado para os usuários brasileiros há mais ou menos um ano e agora suporta mais de 100 países, com dezenas de milhares de usuários brasileiros. O doutor canadense Joshua Landy, cofundador do aplicativo, pretende tornar o português a primeira língua a ser suportada pelo Figure 1, depois do inglês.

Da esquerda para a direita: Joshua Landy, Richard Penner e Gregory Levey, fundadores do Figure 1.
Da esquerda para a direita: Joshua Landy, Richard Penner e Gregory Levey, fundadores do Figure 1.

Com os adventos da modernidade, a forma com que os médicos interagem entre si e com os pacientes também se transforma. O Dr. Landy observou esse padrão e resolveu criar o Figure 1 ao lado de Gregory Levey e Richard Penner para, dentre outras coisas, acelerar o diagnóstico de pacientes. O aplicativo já recebeu US$ 4 milhões em financiamento pela Union Square Ventures, que já investiu em gigantes como o Twitter e Tumblr.

Como o aplicativo funciona? Por que a aposta logo no Brasil? Levei esses (e vários outros) questionamentos para o próprio Dr. Landy, que não hesitou em respondê-los. Curiosidade: durante a entrevista por telefone, o doutor estava de plantão na UTI do hospital em que trabalha como intensivista; ele continua praticando a medicina, apesar de ser médico-chefe no Figure 1.

Jean Prado – Por que o aplicativo se chama Figure 1?

Dr. Joshua Landy – Se você olhar as imagens em revistas médicas ou em livros, embaixo há uma legenda escrito “Figura 1”, depois “Figura 2” e depois “Figura 3”. Então, como nosso aplicativo tem uma imagem e uma legenda curta, nós o chamamos de “Figura 1” para lembrar as pessoas que essas são fotos de casos médicos, como uma revista ou livro da área.

Jean – É inevitável comparar o Figure 1 ao Instagram, tanto que ele vem sendo chamado de “Instagram para médicos”. De onde surgiu a ideia de fazer um aplicativo que funciona de forma parecida com o Instagram, mas voltado aos profissionais de saúde?

Dr. Landy – Eu estava fazendo uma pesquisa na Universidade Stanford e a pergunta que eu tentava responder era: “O que médicos jovens estão fazendo em seus celulares quando estão procurando recursos para a educação medicinal?”.

Explorando isso, aprendi que a maioria das pessoas aprende, mesmo que de forma eletrônica, ensinando entre si. Principalmente os estudantes de medicina, que sempre aprendem em grupos. Médicos residentes também aprendem em grupos. Então, conforme você estuda a medicina, você continua em um pequeno grupo, mas os membros daquele grupo mudam durante seu treinamento. Isso significa que, para manter o contato com o seu grupo, com o qual você está aprendendo, você também precisa usar seu celular, seja para uma chamada telefônica ou para SMS, WhatsApp ou e-mail.

Joshua Landy continua trabalhando como médico intensivista apesar do Figure 1.
Joshua Landy continua trabalhando como médico intensivista apesar do Figure 1.

Eu percebi que esse comportamento de compartilhar e de falar sobre casos [médicos] já está presente em vários estudantes de medicina e médicos em exercício. O que queríamos fazer, criando o Figure 1, foi dar para as pessoas a oportunidade de exercer esse comportamento juntos.

A capacidade de coletar essas imagens significa que existem centenas de milhares de pessoas que estão em busca dessas conversas e elas não precisam aprender da pessoa que está próxima a elas, mas também podem aprender de alguém que está em um país diferente ou em uma parte do mundo diferente.

Além, é claro, ser capaz de ter profissionais de saúde discutindo casos em tempo real significa que você pode aprender algo que você precisa saber imediatamente com a virtude de estar ligado a esta grande rede de médicos e enfermeiros.

Jean – E a interação é rápida ou varia bastante?

Dr. Landy – Depende de quantas pessoas estão online. Você pode aprender mais sobre como fazer um diagnóstico melhor ou pedir algum conselho sobre quais outras terapias podem ser apropriadas em qualquer horário.

E você pode fazer essas coisas em questão de minutos. O que é ótimo, porque muitas vezes você precisa esperar muito mais para falar com um especialista, ainda que em um hospital muito ocupado. Ter a possibilidade de falar com especialistas ao redor do mundo que podem te dar uma resposta imediatamente parece uma premissa muito atraente.

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Jean – Quais outros recursos o Figure 1 oferece aos médicos, além da “timeline”?

Dr. Landy – No recurso de Paging, cujo nome vem do que você faz quando chama um médico em seu beeper, o usuário envia uma imagem e seleciona um tipo de especialista ― como um cardiologista ou algo parecido ― e nós temos um algoritmo que encontra um especialista verificado que está licenciado para responder sua pergunta. Então a pergunta é enviada para esses especialistas e as pessoas recebem as respostas muito rapidamente, dentro de meia hora.

Jean – Muitos especialistas têm um sinal de verificado ao lado do nome. Como é o processo de registro para médicos e como a licença deles é verificada?

Dr. Landy – Quando você se cadastra, você identifica de qual profissão é. Se você é um profissional de saúde, você pode fazer upload [de imagens] e comentar [nos posts]. No aplicativo, também há um botão para verificar a sua conta. Nosso time de verificação vai verificar a sua licença para o que você faz no lugar em que você pratica e também vão confirmar a sua identidade. Então nós temos uma base de dados de quem é um profissional verificado e esse tipo de usuário ganha um sinal de confirmação.

Jean – E se um médico não for verificado?

Dr. Landy – Só quando você completou o processo de verificação você ganha o sinal de verificação. É importante ressaltar que nós queremos que as pessoas participem de todo lugar do mundo, mas nem sempre há uma base de dados para qualquer lugar do mundo. Então nós não podemos verificar todo profissional de saúde do mundo, ainda.

Para permitir que as pessoas continuem participando, nós deixamos quem não é verificado participar na conversa. Não que ele não tenha nada a dizer, pode ser que não podemos verificá-lo por causa do lugar que ele mora. É simplesmente uma limitação de infraestrutura.

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Jean – Como vocês verificam os médicos no Brasil?

Dr. Landy – Além de médicos, nós também conseguimos verificar enfermeiros perante ao Conselho Federal de Medicina, a organização oficial que emite as licenças de médicos para os brasileiros. Essa é a base de dados que usamos.

Jean – E quanto aos estudantes de medicina, eles também podem postar e comentar?

Dr. Landy – Sim. Na verdade, a maioria dos estudantes de medicina passa mais tempo perguntando coisas, assim como na vida real.

Jean – Eles normalmente conversam entre si ou com médicos de verdade?

Dr. Landy – Ambos. Normalmente, é como se você fizesse uma pergunta em voz alta no posto médico. “Hey, o que leva esse problema a acontecer?” e alguém responde “Sou um estudante, desculpe, não sei”. Às vezes a resposta vem de um especialista sênior e às vezes a resposta pode vir até mesmo de outro estudante de medicina.

Jean – Então o aplicativo também é uma boa oportunidade de aprendizado para eles.

Os profissionais de saúde continuam aprendendo em sua profissão

Dr. Landy – Sim. Não só para estudantes, mas também para pessoas que trabalham em estabelecimentos de saúde, porque todos os profissionais de saúde continuam aprendendo em sua profissão pelo fato de que a medicina continua mudando e a informação sobre como tratar os pacientes também varia muito.

Então esse processo de aprendizagem contínua é feito de uma forma que fica fácil para as pessoas usarem até em seus celulares. Antes disso, não havia algum método para as pessoas se comunicarem sobre os casos em tempo real.

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Jean – Imagino que alguns pacientes não se sintam confortáveis tendo suas doenças compartilhadas em uma “rede profissional”, por assim dizer. A privacidade é uma questão importante para o Figure 1? Como vocês lidam com isso?

Dr. Landy – Sim, na verdade a privacidade é a nossa questão número um. Nós implementamos um formulário de consentimento para os pacientes assinarem. Esse formulário aparece logo depois que o profissional da saúde tira a foto e o paciente pode assinar com o dedo na tela do celular do médico. O formulário pede que o médico não publique detalhes privados sobre o paciente, então ele dá instruções sobre como remover números, nomes e qualquer foto de rostos ou tatuagens que podem identificar o paciente.

Depois que o médico remove todas as informações identificáveis do paciente, a imagem é enviada para o Figure 1 e os dados que fazem parte da imagem, os metadados ― que contém a data e localização ― são apagados. Nós também analisamos todas as imagens manualmente a partir de uma equipe de monitoramento de privacidade para ter certeza que todas [as imagens] estão seguras para serem publicadas. Todas elas são tratadas dessa forma.

Jean – A primeira língua a ser suportada pelo Figure 1, além de inglês, será o português brasileiro. O que levou vocês a tomarem essa decisão? O número de usuários brasileiros? Vocês veem o Brasil como uma boa oportunidade de crescimento do aplicativo?

Dr. Landy – Sim, as duas opções. Nós temos dezenas de milhares de usuários no Brasil e eu vou dizer que, ainda quando o aplicativo estava restrito ao Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, nós já havíamos percebido uma movimentação de usuários brasileiros. Usando um celular diferente ou uma conta estrangeira na loja de aplicativos, por exemplo. As pessoas estavam chegando e usando o aplicativo.

Os brasileiros são pessoas muito conectadas

Nós vemos que a comunidade mais ativa no aplicativo é a brasileira. Acho que tem algo muito especial que conecta o Brasil e as mídias sociais, uma tendência que existe no Brasil, que, ainda que exista em outros países também, é mais forte que em qualquer outro lugar do mundo. Os brasileiros são pessoas muito conectadas.

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Não queremos forçá-los a usar o app em outra língua

Então não foi muito surpreendente ver que, quando criamos um aplicativo voltado a médicos, os brasileiros deram um jeito de usá-lo. Acredito que suportá-los, dá-los a opção de usar o app, é uma grande ajuda. Outra coisa que percebemos é que, em vários outros países, principalmente na Europa, que reúne várias línguas, muitos médicos e enfermeiros ainda tinham a capacidade de se comunicar facilmente em inglês. E, embora muitas pessoas falem inglês no Brasil, não é muito comum para as pessoas falarem inglês como um médico. As pessoas conseguem, mas não é como na Europa, que é quase uma exigência.

Se você trabalha em uma comunidade internacional, deve falar inglês, mas isso complica no Brasil porque muitas pessoas falam só português o tempo todo. Então faz sentido para nós criar uma versão em português para dar suporte a esses usuários. Não queremos forçá-los [a usar o aplicativo em outra língua] porque para quem não fala inglês pode ser muito difícil usar um app como esse.

Jean – Acho muito legal que vocês tenham encontrado essa oportunidade de crescimento no Brasil. Muitos serviços disponíveis apenas nos Estados Unidos fazem o contrário: quando veem muitos usuários brasileiros se registrando, eles dão um jeito de restringir esse acesso. Vocês fizeram exatamente o contrário e isso é muito interessante.

Dr. Landy – Sim, a razão para isso é que nós estamos ansiosos para criar uma comunidade global de médicos e enfermeiros que se comunicam ao redor do mundo e isso significa incluir todas as culturas e cidades. Nós não podemos dizer que isso é só para pessoas que falam inglês ou que moram nos Estados Unidos, mas sim que isso é algo que será usado para melhorar a prestação de cuidados de saúde ao redor do mundo.

O brasil tem um padrão muito interessante para unidades de saúde

O Brasil também é um lugar muito especial porque há cidades que são maiores que qualquer outra cidade na América do Norte, mas também há lugares que são muito rurais, onde não há um desenvolvimento urbano significativo. É um padrão muito interessante para unidades de saúde, pensar que há lugares com provavelmente apenas seis ou sete universidades de medicina e lugares e cidades e municípios e vilas que estão tão longe de São Paulo, por exemplo, que você nem acredita que estão no mesmo país.

Esse tipo de divisão é muito interessante porque você consegue internet em vários lugares que não são considerados cidades. Ser capaz de conectar os cuidados de saúde de pessoas da cidade grande às pessoas do pequeno vilarejo significa que você não precisa viajar muito e as pessoas que não podem pagar [a viagem] não precisam se locomover tanto. Ainda assim, elas conseguem ter acesso ao conhecimento de especialistas que trabalham nas cidades grandes e em instituições muito distantes.

Jean – Vocês pretendem criar algum programa de assinatura para o aplicativo ou algo parecido?

Dr. Landy – Nós podemos desenvolver um modelo voltado para o mundo comercial, mas não cobraremos assinaturas das pessoas. O objeto é dar acesso às pessoas quando elas precisam e em qualquer lugar do mundo e é por isso que o aplicativo sempre continuará grátis para as pessoas como indivíduos.

Jean – Tem algo a mais que você gostaria de destacar sobre o Figure 1?

Dr. Landy – Eu sempre gosto de mencionar a ideia de que as imagens em prescrições de caso na medicina sempre foram usados para aprender, as pessoas costumavam imprimir imagens de operações e levar consigo para aprender, e agora também temos revistas e livros médicos, mas eles são publicados apenas de vez em quando.

Ao pegar esse comportamento de aprender a partir de imagens e combiná-lo com a nova maneira que todo mundo se comunica, que é pelo seu dispositivo móvel, nós conseguimos criar um recurso poderoso como se fosse um livro digital composto de casos reais ao redor do mundo. Acho que essa é uma boa combinação, dar acesso a uma ferramenta como essa, e ainda por cima de graça.

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Jean Prado

Jean Prado

Ex-autor

Jean Prado é jornalista de tecnologia e conta com certificados nas áreas de Ciência de Dados, Python e Ciências Políticas. É especialista em análise e visualização de dados, e foi autor do Tecnoblog entre 2015 e 2018. Atualmente integra a equipe do Greenpeace Brasil.

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