O governo aumentou os impostos de smartphones. O que isso muda, além dos preços?

A situação é mais complexa do que “poxa, que chato, vou pagar 200 reais a mais no meu próximo celular”.

Paulo Higa
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• Atualizado há 1 ano
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Desde sempre os eletrônicos são muito caros no Brasil. Embora boa parte dos smartphones, tablets e computadores seja montada no país para aproveitar os benefícios fiscais concedidos pelo governo, nossa indústria ainda é baseada em embaladoras de produtos e parafusadoras de peças — os componentes internos são fabricados no exterior, onde há tecnologia para isso e os custos são menores, mas há incidência de impostos de importação na entrada no país.

Agora, com o país em recessão, um dos incentivos para produzir os aparelhos em território nacional acabou. Com uma simples medida provisória, a presidente Dilma Rousseff revogou os artigos 28, 29 e 30 da lei 11.196/2005, que zeravam as alíquotas de PIS/Cofins para os eletrônicos beneficiados pelo Programa de Inclusão Digital, que abrangia computadores, tablets e, mais recentemente, smartphones.

O que isso muda? Quando a medida entrar em vigor, em dezembro, um dos primeiros impactos será nos preços, claro. A alíquota de PIS/Cofins, que já havia sido elevada como parte do pacote de ajuste fiscal do governo (era de 9,25% e foi para 11,75%), não será mais zero para esses produtos. Quem pagava o tributo e repassava a redução para o consumidor era o varejo, não os fabricantes.

“Higa, como você é ingênuo, essa Lei do Bem não funciona, é óbvio que os porcos capitalistas embolsavam toda essa grana e não repassavam nada ao consumidor”. Na verdade, os requisitos exigidos pelo governo para desonerar impostos tiveram influência importantíssima sobre os preços. Duvida?

Pense na quantidade de aparelhos que foram lançados nos últimos anos pelo valor mágico de R$ 1.499. De cabeça, eu lembro do Moto X (2ª geração), Moto X Play, Xperia M4 Aqua, Zenfone 2 e Galaxy A5, mas há outros. Esse número não foi escolhido por obra do acaso, numerologia ou alguma superstição estranha: o limite da isenção da Lei do Bem é de R$ 1.500. Ninguém lançou smartphone por R$ 1.599 ou R$ 1.699 porque esse preço não existe, não faz sentido — é melhor diminuir o preço no varejo (e vender mais unidades) e cobrir a diferença com a isenção fiscal. No final, o lucro é quase o mesmo ou talvez maior.

Por que as empresas lançam smartphones por R$ 1.499? Hmmmmm...
Por que as empresas lançam smartphones por R$ 1.499? Hmmmmm…

Como o benefício fiscal vai acabar, não espere que os smartphones de R$ 1.499 continuem sendo vendidos por R$ 1.499; o céu é o limite. Essa medida também afeta todos os smartphones abaixo de R$ 1.500 que eram produzidos no Brasil, vinham com pacote de aplicativos nacionais e seguiam as determinações da Lei do Bem — ou seja, os que mais vendem no país. Não vai afetar diretamente os aparelhos mais caros, de milhares de reais, como um Galaxy S6 ou iPhone 6, mas nesses o dólar a R$ 3,70 já faz o serviço por conta própria.

A situação é mais complicada do que apenas “poxa, que chato, vou pagar 200 reais a mais no meu próximo smartphone”. Veja bem: o benefício fiscal tinha cronograma definido, data para acabar. No ano passado, a isenção do PIS/Cofins para smartphones, tablets e computadores havia sido prorrogada por mais quatro anos, para 31 de dezembro de 2018.

Mudança de regras ao bel-prazer.

É claro que as fabricantes se baseiam nessas datas para determinar suas estratégias: se o benefício fosse acabar daqui a um ano, não faria sentido montar uma linha de produção no Brasil, o investimento não compensaria. Quando o governo muda as regras ao seu bel-prazer, assim como já fez no setor elétrico e de telecomunicações, a indústria é prejudicada (para quem será que o prejuízo será repassado, hein?).

Na manhã desta terça-feira (1º), eu questionei as principais fabricantes de smartphones no Brasil sobre o impacto da medida anunciada pelo governo. Com razão, as empresas ainda estão confusas, já que a mudança foi anunciada (e aplicada) repentinamente. Até o momento, todas as que responderam decidiram que não vão se posicionar. A Motorola respondeu indiretamente, através da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), já que a mudança “afeta a indústria como um todo”. Humberto Barbato, presidente da associação, foi bastante enérgico em sua nota:

“Dia após dia, temos sido surpreendidos por diferentes tentativas do governo em cada vez mais onerar a produção, tendo como justificativa alimentar sua sanha por arrecadação, embora pouco faça para controlar seus gastos correntes de forma efetiva.

Com a publicação da MP 690 elimina os efeitos do Programa de Inclusão Digital contido na Lei do Bem, que isenta de PIS/Cofins as vendas no varejo ao consumidor de tablets, computadores e smartphones, o governo opta pela volta da informalidade na economia, com a diminuição de empregos formais e da arrecadação de outros impostos na cadeia.

Além disso, o grande prejudicado será o consumidor, para quem a isenção do PIS/Cofins é totalmente repassada, através da redução dos preços dos produtos. A indústria, por sua vez, continuou recolhendo o tributo.

“A Lei do Bem foi uma medida determinante para reduzir o mercado cinza de equipamentos de informática.”

Como é de conhecimento público, a Lei do Bem foi uma medida determinante para reduzir o mercado cinza de equipamentos de informática. Um ano antes da implementação da medida, o panorama do mercado de computadores pessoais era alarmante. Em 2004, os montadores ilegais abocanhavam 73% das vendas no país. A partir da Lei do Bem, verificou-se uma acentuada diminuição na participação dos computadores comercializados no mercado cinza, que hoje é inferior a 20%.

Além do combate ao mercado informal, a Lei do Bem também tem sido essencial para o programa de inclusão digital do governo, que, embora bem sucedido até aqui, ainda tem muito a avançar, principalmente, considerando todas as oportunidades que surgem no horizonte próximo, com a internet das coisas, onde a tecnologia estará cada vez mais presente na vida de toda a sociedade.

[…]

Os efeitos desta política pública para todo o conjunto da economia são inestimáveis e devem ser considerados pelo Congresso Nacional ao apreciar a MP 690, corrigindo a proposta apresentada pelo governo, pois acabar com um importante estímulo como a Lei do Bem é condenar o país ao atraso e impedir o seu desenvolvimento no médio e longo prazo.”

Muitos smartphones são montados aqui porque o benefício fiscal existia. Assim como no caso do preço de R$ 1.499, não era obra do acaso, superstição estranha ou mesmo as nossas belas praias que faziam o Brasil ser o país escolhido para ser a única grande linha de produção fora da China da maioria das fabricantes.

Não acredito que as empresas que já produzem no Brasil vão voltar a fabricar tudo na China: a cotação do dólar está tão alta e volátil que, mesmo com o fim do incentivo fiscal, ainda parece ser mais vantajoso montar os produtos aqui — para ter certeza do que estou afirmando, só olhando os contratos e planilhas de gastos das fabricantes, que não são liberados por motivos óbvios.

Mas esse clima de incerteza, impulsionado pela mudança das regras do jogo a todo momento, certamente afeta a entrada de concorrentes. Quando há incerteza, não há novos concorrentes. Quando não há novos concorrentes, não há investimento. Quando não há investimento, há crise. Quando há crise, a gente se ferra. E por aí vai.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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