Nada de “dummies”: pesquisadores querem simular colisões de carros em supercomputadores

Emerson Alecrim
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• Atualizado há 2 semanas
Dummies

Você já reparou que, mesmo com avanços expressivos em áreas como inteligência artificial e realidade virtual, a indústria automobilística continua utilizando manequins ou bonecos humanoides (dummies) em testes de colisão de veículos (crash tests)? Talvez isso mude em um futuro próximo: um grupo de pesquisadores da Universidade Wake Forest, nos Estados Unidos, acredita que chegou a hora de os supercomputadores assumirem esses experimentos.

Não, os pesquisadores não pensam em simplesmente colocar um supercomputador no posto de motorista de um carro prestes a bater fortemente em uma parede, mas em fazer a máquina simular acidentes. A ideia não é nova (talvez você até a considere trivial). Ela só não é colocada em prática com frequência porque reunir dados suficientes para gerar simulações confiáveis sempre foi um grande desafio.

Pelo o que se sabe, o primeiro dummy surgiu em 1949, originalmente para ser usado em testes de ejeção de aeronaves da Força Aérea Americana. Somente na década de 1970 é que os bonecos começaram a ser usados pela indústria automobilística de modo padronizado.

Antes do surgimento dos dummies, os testes de colisão eram um tanto macabros, por assim dizer. Algumas instituições chegaram a utilizar cadáveres reais nos experimentos. Há relatos de que animais como porcos e chimpanzés anestesiados também teriam sido usados.

Além das pressões motivadas por questões éticas e morais, essas modalidades de testes não duraram muito tempo por não oferecerem resultados confiáveis: um cadáver humano poderia ter uma lesão pré-existente não identificada, por exemplo; já um porco possui, obviamente, anatomia bem diferente da de uma pessoa.

Um dos primeiros dummies usados pela Ford
Um dos primeiros dummies usados pela Ford

Indústria e entidades governamentais abraçaram a ideia dos dummies porque esses manequins são, de longe, os artefatos que mais bem assimilam as características humanas. As articulações desses bonecos e a distribuição de peso, por exemplo, ajudam a estimar com um nível de confiabilidade satisfatório os efeitos das colisões veiculares sobre os corpos humanos.

Os dummies atuais são ainda mais confiáveis. Além de reproduzirem características dos humanos com grande precisão, os bonecos contam com dezenas de sensores que ajudam os pesquisadores na avaliação dos efeitos de impactos, acelerações, desacelerações e outras ocorrências sobre cada parte do corpo.

Os dummies atuais são bastantes sofisticados
Os dummies atuais são bastantes sofisticados

Qual o problema com os dummies, então?

A princípio, nenhum. Mas se outra tecnologia for usada, talvez os testes possam trazer resultados ainda mais detalhados que os atuais. É nesse ponto que o trabalho liderado pela professora de engenharia biomédica Ashley Weaver passa a fazer sentido.

O grupo de Weaver passou os últimos cinco anos usando um supercomputador para simular acidentes automobilísticos. Milhares de simulações virtuais foram executadas, cada uma usando como parâmetros dados oriundos do “mundo real”.

Como exemplo, basta a gente pensar que cada um dos ocupantes de um carro pode assumir posições diferentes. Um adulto pode permanecer todo encolhido no banco de trás tentando dormir, enquanto que uma criança de 10 anos ao lado fica com a cabeça abaixada olhando para um jogo no celular; na frente, o passageiro se desdobra sobre um mapa para auxiliar o motorista a achar o caminho. Simular esses cenários com dummies é muito difícil, mas um supercomputador praticamente não encontra limites nessa tarefa.

Além de simular as posições dos ocupantes dos veículos, o trabalho desenvolvido na Universidade Wake Forest pode levar em conta as características do automóvel: tamanho, peso, posição dos cintos de segurança, velocidade de locomoção, condições dos pneus (desgastados, por exemplo) e assim por diante.

Simulador de crash test

Na hora do impacto, o simulador pode mostrar como cada ocupante absorve a pancada, não só indicando o movimento que cada corpo faz, mas também o efeito sobre articulações, ossos e órgãos. Nesse sentido, se uma pessoa for obesa, por exemplo, os pesquisadores podem comparar os resultados do teste em relação a uma pessoa magra.

Como as simulações são virtuais, uma grande quantidade delas pode ser executada em curtos intervalos de tempo. Esse aspecto dá margem para que as montadoras desenvolvam carros que combinam peças e métodos de fabricação menos custosos com quesitos de segurança avançados. Em outras palavras, os fabricantes podem construir veículos seguros, mas que não são necessariamente mais caros por conta disso.

Há tempos que a indústria utiliza análises computacionais e simulações virtuais para testar colisão de veículos, mas de maneira limitada. O trabalho de Weaver e equipe se diferencia desses sistemas pela riqueza de parâmetros: os testes são feitos com dados detalhados de veículos, ambientes (uma rodovia pavimentada ou uma rua de terra, por exemplo), estudos abrangentes sobre acidentes, pesquisas médicas sobre lesões causadas por colisões, entre várias outras fontes.

Simulador de crash test

De acordo com os pesquisadores, mais de 1,8 milhão de parâmetros podem ser usados para permitir a realização de simulações confiáveis (daí a necessidade de um computador parrudo para os testes). Tamanha flexibilidade é importante por permitir adequações: um teste feito nos Estados Unidos pode não valer no Brasil por termos rodovias diferentes aqui; mas, com o simulador virtual, esses parâmetros podem ser ajustados para a nossa realidade.

Apesar disso, pode demorar bastante para os corajosos dummies serem aposentados. Talvez isso nem aconteça. É provável que a indústria prefira combinar os dois métodos, o que não seria má ideia: como explica Bill Veenhuis, engenheiro da Nvidia especializado em simulações automobilísticas, os testes com bonecos poderiam ser usados para validar os experimentos executados virtualmente.

Com informações: MIT Technology Review, National Science Foundation

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

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