Cientistas estudam técnica que permitirá transplante de coração com doador incompatível

Emerson Alecrim
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• Atualizado há 2 semanas
Coração

Por mais que haja campanhas de conscientização, melhorias nos centros de captação e aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas, as filas de transplantes de órgãos nunca terminam. É por isso que cada avanço nessa área nos enche de esperança. É o caso de uma pesquisa conduzida pelo Hospital Geral de Massachusetts em parceria com a Universidade de Harvard: cientistas da instituição conseguiram fazer tecido cardíaco se desenvolver a partir de células-tronco do paciente tendo como base um coração que não precisa, necessariamente, ser de um doador compatível.

Se engana quem pensa que o problema das filas de transplante é exclusivo de países menos desenvolvidos: nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 4 mil pessoas estarão à espera de um coração neste ano, mas apenas 2,5 mil receberão o órgão.

Tem mais: quando uma pessoa consegue passar pelo transplante, a sua luta não termina aí. O paciente precisa seguir uma série de cuidados e fazer acompanhamento médico rigoroso porque o órgão pode ser rejeitado pelo organismo. Esse risco não é pequeno, mesmo quando os exames apontam adequada compatibilidade.

Para diminuir as chances de rejeição, os médicos recorrem principalmente a imunossupressores, medicamentos que mitigam a ação das células de defesa que atacam o órgão transplantado.

O problema desses remédios são os efeitos colaterais. Os imunossupressores podem causar aumento de peso, pressão alta, alteração do funcionamento do fígado, entre várias outras complicações. Mas o pior problema talvez seja o risco de infecções: as mesmas células que atacam o órgão também protegem o corpo de bactérias e outros tipos de micro-organismos, logo, a ação dos medicamentos pode fragilizar essa barreira de segurança.

É nesse ponto que o trabalho do doutor Jacques Guyette e equipe pode fazer diferença. Em tese, um tecido cardíaco desenvolvido a partir das células do próprio paciente diminui severamente o risco de rejeição pelo organismo, afinal, o sistema imunológico não encontrará ali material biológico estranho.

Transplante / cirurgia

Um dia, tomara, chegaremos lá, mas não dá para simplesmente construir um coração inteiro a partir de tecido desenvolvido em laboratório. Uma das várias limitações para isso está na dificuldade de se criar uma matriz extracelular, isto é, uma estrutura que tem entre as suas funções servir de suporte e meio de organização para as células.

Como (ainda) não é possível construir matrizes extracelulares, os pesquisadores decidiram usar 73 corações doados de um banco de órgãos para os experimentos. Esses corações, é bom destacar, já haviam sido descartados para transplantes, razão pela qual estavam disponíveis apenas para fins de pesquisa.

Todos esses corações passaram por um processo rigoroso de “limpeza” que eliminou tecido celular impróprio para transplante e deixou apenas a matriz extracelular, como se esta fosse um esqueleto, digamos assim.

Na etapa seguinte, os cientistas aplicaram em células adultas da pele uma técnica que as converte em células-tronco pluripotentes induzidas. Explicando de outra forma, os pesquisadores reprogramaram as células adultas para que estas recuperassem características de células-tronco embrionárias — aquelas que podem gerar vários tipos de células.

As células que passaram por esse processo foram induzidas para se transformar em tecido cardíaco usando como estrutura as matrizes extracelulares dos corações doados. Os órgãos foram submetidos a uma solução com nutrientes que permitiu que as células se desenvolvessem dentro de condições semelhantes às que seriam proporcionadas pelo interior do corpo humano.

Após duas semanas, os corações estavam em um estágio de desenvolvimento imaturo, mas significativo, tanto que, após receberem estímulos elétricos, eles começaram a bater.

Um dos corações usados no estudo
Um dos corações usados no estudo

Percebe como isso é promissor? Se a ideia der certo, os médicos poderão utilizar um coração de um doador não compatível, “limpá-lo” para obter somente a matriz extracelular e, com base nessa estrutura, aplicar as células do paciente que precisa de transplante. O coração “seminovo” oriundo desse processo terá chances muito reduzidas de ser rejeitado.

Se esse cenário se tornar realidade, as filas de transplante de coração (e de outros órgãos, eventualmente, se houver aplicação de técnicas semelhantes) diminuirão sensivelmente ou até serão eliminadas.

Com a evolução da técnica, talvez seja possível inclusive fazer transplantes “parciais”, ou seja, usar implantes para substituir apenas partes lesionadas do coração. Os cientistas já estão trabalhando nisso: parte dos estudos atuais visa desenvolver tecido para ser colocado em pontos do órgão afetados por ataques cardíacos, por exemplo.

É verdade que ainda falta muito para essas ideias se transformarem em tratamentos eficazes. Mas os primeiros passos foram dados. Nos próximos, a equipe de Guyette espera otimizar as técnicas de geração e cultura de células cardíacas para tornar o procedimento mais rápido e preciso.

Com informações: Popular Science, CNET

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

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