Microsoft, pare de desrespeitar seus consumidores

A confusão na atualização do Windows 10 Mobile reforça as trapalhadas da equipe de comunicação da Microsoft

Paulo Higa
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• Atualizado há 11 meses
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Faz um ano que publiquei um artigo contando como as decisões da Microsoft estavam me agradando. De fato, Satya Nadella e as equipes de engenharia e produtos de Redmond fizeram e continuam fazendo um belo trabalho: eles transformaram a imagem da empresa (a Microsoft voltou a ser “legal” e conquistar fãs), lançaram bons produtos (superando a fase ruim do Windows 8) e se abriram para o mercado (quem imaginaria tantos produtos e serviços para Android, iOS e Linux na era Ballmer?).

Por isso é tão estranho acompanhar as trapalhadas que o pessoal de comunicação da matriz vem cometendo a todo momento. É anúncio que não se concretiza, datas de lançamento que são adiadas, regras que mudam quando alguém quer… E muitas vezes sem nenhum comunicado à imprensa, apenas declarações escondidas e jogadas no Twitter que, em vez de esclarecerem alguma coisa, acabam espalhando desinformação.

Existem outras falhas, mas a mais recente aconteceu nesta semana, com o lançamento do Windows 10 Mobile para smartphones antigos. Ou melhor: aconteceu nos últimos meses, já que o sistema “atrasou” diversas vezes, a ponto de virar piada. Em outubro, a promessa era que ele chegasse em dezembro. Em dezembro, o prazo foi ignorado devido às festas de final de ano. Em janeiro, a empresa enviou email aos parceiros para avisar que o lançamento seria em fevereiro. Como você notou ao olhar o calendário, essa data também não foi cumprida.

Microsoft, 2015.

Além disso, a Microsoft havia afirmado que todos os Lumias com Windows Phone 8 seriam atualizados para o Windows 10 Mobile. O tempo passou, a empresa não tocou mais no assunto e, nesta quinta-feira (17), a atualização chegou apenas para alguns aparelhos, deixando de lado modelos como os Lumias 925, 1020 e 520 (este último, o Windows Phone mais vendido no mundo).

Nas palavras da Microsoft: “Como o Windows 10 traz inovações significativas, muitos dispositivos antigos não poderão ser atualizados sem impactar na experiência de uso. Nosso objetivo é oferecer a atualização para o Windows 10 apenas para os dispositivos que sabemos que continuarão oferecendo uma boa experiência”.

O que isso significa? Os aparelhos que não estão na lista receberão a atualização em algum momento futuro ou serão abandonados? A nota oficial da Microsoft termina ali, então, obviamente, vamos cavar alguma coisa no Twitter: “Aparelhos com 512 MB de RAM não receberão atualização oficial para o Windows 10 Mobile”.

Você é um dos 12 milhões de compradores do Lumia 520?
Você é um dos 12 milhões de compradores do Lumia 520?

Não há informações sobre os smartphones com hardware superior, como o Lumia 1020, com 2 GB de RAM. Mas outro tweet escondido nos leva para um tópico no fórum de discussão da Microsoft, escrito por um funcionário da empresa, para esclarecer as dúvidas da atualização. Eis uma das perguntas: “Estou utilizando uma build do Windows 10 Insider no meu dispositivo, mas ele não está na lista de dispositivos que receberão o Windows 10 oficialmente. O que devo esperar para o futuro?”.

E a resposta: “Se você já tiver o Windows 10 Mobile Insider Preview no seu aparelho, pode continuar usando o aparelho sem suporte oficial. Não ofereceremos atualizações além da atual build 10586. Em algum momento no futuro, esses dispositivos também vão parar de receber atualizações do Windows 10 Mobile Insider Preview”. Depois, a Microsoft informou que não há planos para uma segunda onda de atualizações. Caso seu aparelho esteja na lista, parabéns. Se não estiver, sinto muito.

Eu poderia me estender por outros desastres de relações públicas da Microsoft, como o caso da atualização gratuita do Windows 10 para usuários piratas, ou da decisão de oferecer armazenamento ilimitado no OneDrive para todos os assinantes de Office 365 e depois voltar atrás alegando que os usuários estavam “abusando” da oferta (isso após todos os interessados já terem entrado no serviço, o que é no mínimo má fé por parte da empresa). Mas vamos focar em smartphones.

O problema de prometer e descumprir a promessa é que, além de ser falta de respeito com o consumidor, faz com que as palavras da empresa não valham nada. Se tudo pode mudar a qualquer momento, por que confiar no que estão dizendo agora?

Não é como se a Microsoft estivesse cometendo o erro pela primeira vez. No Windows Phone 7.5, havia uma expectativa de atualização para o Windows Phone 8, que não se concretizou — em vez disso, os usuários receberam uma atualização para o mico Windows Phone 7.8, que trazia algumas novidades estéticas para tentar imitar o novo sistema e continuava com um ecossistema de aplicativos ainda mais risível do que hoje.

Windows Phone 7.8: não tem nada do Windows Phone 8, mas pelo menos a tela inicial comporta mais Live Tiles
Windows Phone 7.8: não tem nada do Windows Phone 8, mas pelo menos a tela inicial comporta mais Live Tiles

Descobriu-se depois que a Microsoft já sabia que sua plataforma móvel teria vida curta: na verdade, o desenvolvimento do Windows Phone 8 começou antes mesmo do lançamento do Windows Phone 7, mas a empresa preferiu não contar isso aos usuários. O objetivo era “estabelecer uma nova abordagem de experiência de usuário e começar a criar um ecossistema para os desenvolvedores”, mesmo que isso significasse parar de dar suporte a milhões de aparelhos já vendidos.

Com o Windows 10 Mobile, a história se repete, penalizando os consumidores que não sabiam do caso ou, por algum motivo, continuaram acreditando nas palavras da Microsoft. Não apenas os smartphones com hardware limitado estão deixando de receber a atualização: aparelhos que apresentaram muitos bugs durante o desenvolvimento também foram deixados de lado. E isso inclui modelos antigos, mas que eram caríssimos na época de lançamento, como os Lumias 920, 925 e 1020.

Claro que, como já sabemos como a Microsoft funciona, tudo isso pode mudar. Algum funcionário em Redmond pode acordar de bom humor amanhã e, de repente, decidir algo positivo para os usuários antigos. No entanto, eu não consigo me lembrar de nenhuma decisão recente de “voltar atrás” da Microsoft (e foram muitas) que tenha sido boa para os consumidores.

Microsoft, pare de desrespeitar seus consumidores. E, por favor, tenha uma comunicação minimamente transparente com a mídia, em vez de esconder informações em tweets.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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