Por que o Spotify está melhorando seu serviço gratuito, mesmo dando prejuízo

Colocar mais anúncios para incentivar usuários a migrar para o Premium dá certo? (Não)

Paulo Higa
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• Atualizado há 11 meses
Novo Spotify

Muito se fala sobre o paradoxo do modelo de negócios do Spotify. A empresa recentemente abriu seu capital na bolsa de valores, mas só dá prejuízo e ainda luta para fechar um trimestre no azul. Em abril, o serviço de streaming melhorou a experiência para usuários não pagantes, com uma interface aprimorada, playlists personalizadas e a possibilidade ouvir músicas sob demanda.

E isso é estranho para muitos, porque os usuários do Spotify Free são justamente os que contribuem para aumentar o prejuízo da empresa: o serviço paga royalties para cada execução de música, e o dinheiro obtido com anúncios não é suficiente para cobrir as despesas. Por exemplo, estes são comentários de leitores do TB sobre a estratégia aparentemente controversa da empresa (e eu concordaria com eles em outros tempos):

“Ainda não entendo como melhorar o plano gratuito vai atrair mais gente para o Premium”

“Eu mesmo só ouço rádios e no aleatório, não vejo motivo para assinar Spotify agora que tem MENOS propaganda”

“Eu vejo [melhorar o plano gratuito] como uma tentativa [de conquistar mais assinantes], mas que no final será equivocada. Se você melhora algo gratuito, melhor não pagar”

“Acho que só com o fim do Free já resolveria o problema [prejuízos trimestrais seguidos], ou diminuiria drasticamente”

O que fazer, então? Limitar o serviço gratuito e aumentar ainda mais a quantidade de propagandas, para incentivar a migração para o Premium? Um estudo indica que isso não dá certo.

O Pandora, serviço de streaming de música disponível nos Estados Unidos, com 73 milhões de usuários e 1 milhão de pagantes, fez um estudo em conjunto com Uber e Netflix para descobrir como a quantidade de propagandas no plano gratuito afetava a migração para a versão paga, livre de anúncios. A amostragem é restrita aos usuários do Pandora, mas é bem relevante: 35 milhões de pessoas tiveram seu comportamento monitorado por 21 meses.

Eles dividiram os usuários em nove grupos, e cada grupo ouviu uma quantidade diferente de anúncios durante o período. O grupo de um extremo tinha o dobro de interrupções com propagandas que o do outro extremo. A pesquisa foi divulgada pela Wired e pode ser baixada aqui, sendo que o resumo diz: “descobrimos que o aumento da carga de anúncios gera um aumento significativo no número de assinaturas pagas sem anúncios para o Pandora, principalmente entre ouvintes mais velhos”. Mas calma.

Os números mostram que, para cada propaganda adicional por hora, há um aumento de 0,14 ponto percentual na probabilidade de um usuário se tornar pagante. No entanto, isso gera efeitos colaterais importantes: 1) o tempo médio de reprodução de música cai 2,075%; 2) o número de dias ativos ouvindo música cai 1,897%; 3) “para cada ouvinte convertido em assinante por um aumento na carga de anúncios, mais três ouvintes abandonam o Pandora totalmente”, segundo os pesquisadores.

Quanto mais anúncios, menor o uso

Há alguns resultados esperados, como a probabilidade maior de uma pessoa assinar o serviço se ela for mais velha, já que normalmente a idade também está relacionada ao poder aquisitivo, mas ainda assim as taxas de conversão não são interessantes. Para cada anúncio adicional por hora, uma pessoa acima de 55 anos tem 0,25% de chance de abandonar o Pandora e 0,21% de se tornar pagante. Ou seja, a empresa perde usuários mesmo na melhor faixa etária possível.

A faixa mais crítica fica entre 18 e 24 anos: para cada anúncio adicional, há 0,32% de abandono e só 0,09% de conversão para o Premium, ou seja, definitivamente não compensa aumentar as propagandas para convencê-los a assinar o serviço. Entre os mais jovens ainda, de 13 a 17 anos, a taxa de abandono é menor (0,17%), mas a de conversão idem (0,05%), então também não adianta enfiar mais publicidade.

Por isso, faz sentido que o Spotify esteja melhorando o plano gratuito para tentar atrair mais pagantes: se a experiência for boa, eles tenderão a assinar o serviço em algum momento. É claro que o estudo do Pandora diz respeito apenas à quantidade de publicidade, não de funcionalidades — mas não há nenhuma tese que corrobore com a ideia de que piorar um serviço gratuito aumente adesões a um plano pago.

Spotify + NYSE

E, na verdade, se olharmos os números do Spotify, até que o serviço não anda mal, muito pelo contrário: dos 170 milhões de usuários, 75 milhões são pagantes. Isso significa dizer que a taxa de conversão é de 44%, o que é impressionante sob qualquer ponto de vista: um estudo do Harvard Business Review mostra que as grandes empresas que adotam um modelo freemium alcançam taxas de 2% a 5% (faça as contas com os números do Pandora, lá em cima).

Essa taxa de conversão do Spotify, aliás, só vem melhorando: em 2015, 20 dos 75 milhões de usuários eram assinantes do Premium (27%). Dois anos antes, em 2013, a proporção era de 6 dos 24 milhões (25%). Naquela época, o serviço não operava no Brasil e o plano gratuito era ainda mais restrito: o Spotify Free só permitia escutar 10 horas de música por mês e uma música não podia ser tocada mais de cinco vezes.

Por isso, palpites (incluindo os meus) sobre a estratégia de melhorar o Spotify Free para fortalecer o Spotify Premium são apenas isso: palpites. O Spotify certamente tem muitos dados concretos para embasar suas decisões e, ainda que os não pagantes estejam dando prejuízo neste exato momento, provavelmente a empresa sabe bem o que está fazendo.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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