As vantagens do blockchain nos serviços bancário e de comércio exterior

Bancos brasileiros adotam blockchain em algumas operações; entenda como a tecnologia funciona e quais suas vantagens

Jean Prado
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• Atualizado há 11 meses

A gente já falou sobre como o blockchain nasceu no bitcoin, a moeda virtual apresentada em 2008 pelo artigo acadêmico Bitcoin: um sistema financeiro eletrônico peer-to-peer, publicado por uma pessoa ou grupo sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto.

Porém, nos últimos anos, a aplicação do blockchain está se dissociando cada vez mais do bitcoin. Muitas vezes ainda ligada ao sistema financeiro, a tecnologia já é usada no comércio exterior e tem aplicações reais em bancos como o Itaú e Santander, além de estar sendo testada pelo BNDES. Entenda por que o blockchain pode ser promissor nesses setores:

Vale lembrar: como funciona o blockchain

De modo simples, o blockchain é uma rede que funciona com blocos encadeados muito seguros que sempre carregam um conteúdo junto a uma impressão digital. No caso do bitcoin, esse conteúdo é uma transação financeira. O diferencial da tecnologia é que o bloco posterior contém a impressão digital do anterior mais seu próprio conteúdo e, com essas duas informações, gera sua própria impressão digital. E assim por diante. Depois de escritos, os blocos não podem ser alterados.

colaboração, segurança e transparência

Esse processo garante “colaboração, segurança e transparência”, segundo Maurício Magaldi, líder de blockchain da IBM para a América Latina. A rede se torna segura a partir do vínculo da impressão digital de cada bloco com o bloco anterior, representada na imagem abaixo. Dessa forma é possível, por meio de cálculos matemáticos, saber se o bloco foi alterado ou não.

Além disso, as informações de cada bloco são criptografadas para que somente a pessoa certa consiga visualizá-las. Então, geralmente, quem tem acesso ao blockchain pode ver como as informações estão sendo escritas.

Sim, geralmente: o blockchain usado por empresas normalmente não funciona da mesma forma que o blockchain do bitcoin, considerado um blockchain público. Se não, qualquer um com acesso ao blockchain conseguiria ver quais as transações cada cliente de um banco fez, por exemplo. Por isso, geralmente as empresas trabalham com um blockchain privado, no qual somente pessoas autorizadas conseguem acompanhar o funcionamento (ainda com os dados embaralhados).

Aplicações reais no Itaú, Santander e BNDES

Esse modo de funcionamento faz com que o blockchain seja chamado por alguns especialistas como o “protocolo da confiança”, de forma que, idealmente, ele consiga eliminar intermediários como cartórios e até os próprios bancos, como faz o bitcoin.

Ainda longe de um futuro disruptivo, hoje o blockchain é usado pelos próprios bancos para assegurar a confiança entre algumas operações financeiras, como transações internacionais ou a negociação de contratos. No Brasil, o Santander e o Itaú já aplicam a tecnologia, e o BNDES está testando o uso do blockchain com o banco alemão KfW. Além disso, o Banco Central também vai adotar a tecnologia.

A implementação mais fácil de entender é a do Santander: o banco espanhol começou a usar blockchain para agilizar transferências internacionais entre seus clientes. A tecnologia permite que uma pessoa envie dinheiro do Brasil para o Reino Unido, convertendo automaticamente a quantia em reais para libra esterlina. A transferência, que antes era feita em dois dias, foi reduzida para apenas duas horas; o cliente ainda pode ver a quantia exata de dinheiro que chegará ao destino antes de finalizar a transferência. Por enquanto, não há taxas.

Antes, mandar dinheiro para fora do país era um processo caro, demorado e burocrático. O próprio Santander cobra R$ 90 para transferências em moeda estrangeira fora do One Pay FX, estima o tempo de espera em dois dias em média e costumava ser necessário enviar uma ordem de pagamento para o banco, longe do processo comum de TED e DOC.

O Itaú, por outro lado, usa blockchain para ajudar no controle de margens de garantia de derivativos, que são uma forma de investimento. O investidor precisa depositar uma garantia no banco para fazer a negociação, cujo valor depende da oscilação de preço do derivativo e uma fórmula em específico que é estipulada pelo banco.

Banco Itaú (Foto: Flickr/thomashobbs)

Com o Blockchain Collateral, tecnologia usada pelo Itaú, essa negociação não é mais feita simplesmente por e-mail e é armazenada de forma segura e confiável na rede. Depois de escrita, como qualquer bloco em uma rede blockchain, a negociação não pode ser alterada, então dá para saber precisamente qual investidor fez uma oferta de compra.

Já no BNDES, em parceria com o banco alemão KfW, o blockchain ainda é um teste. Segundo o banco, sua aplicação em blockchain, chamada de TruBudget, permite “aprimorar a transparência e a eficiência nos projetos que financiam o desenvolvimento” e garante “mais visibilidade à sociedade sobre o uso efetivo de recursos públicos”, de acordo com Carlos Alexandre da Costa, diretor das áreas de Planejamento, Crédito e Tecnologia da Informação do BNDES.

Ainda não há muitas informações, mas a ideia é registrar os gastos públicos de forma que fique visível para todos, mostrando como os recursos do banco estão sendo usados para financiar os projetos escolhidos.

Bacen - Pier

Por fim, até o Banco Central do Brasil entrou nessa. Ele desenvolveu um projeto de blockchain para comunicação com outros órgãos do governo. Chamado de Pier, sigla para Plataforma de Integração de Informações das Entidades Reguladoras, o projeto usado com a Susep, a CVM e Previc.

O BC explica que essas instituições do governo precisam se comunicar com frequência para aprovar documentos e efetuar outras requisições. Esses processos normalmente são executados por vias convencionais, como email, telefone e ofícios em papel (o que demora dias). Com o blockchain, o tempo é reduzido, o processo se torna mais seguro e menos sujeito a falhas.

Vantagens para o comércio exterior

O blockchain, vale lembrar, não serve somente para registrar transações financeiras; a tecnologia tem potencial para criar contratos inteligentes, por exemplo, que garantem que diversas negociações de um determinado produto sejam efetivadas conforme acordado entre todas as partes, como é feito no Blockchain Collateral do Itaú.

Maurício Magaldi, da IBM, detalha algumas aplicações que a gigante de tecnologia vem trabalhando em conjunto com algumas empresas, para além do sistema financeiro. Segundo ele, o principal uso do blockchain para a IBM é o de trade finance, “que abrange toda a parte financeira do processo de importação e exportação”. Ele cita dois projetos, o we.trade e o Batavia, que na prática servem para a mesma coisa, mas têm parceiros diferentes.

O we.trade é um consórcio da IBM com oito bancos, entre eles o Santander, HSBC e Deutsche Bank, que gerencia o financiamento para importação e exportação de pequenas e médias empresas na Europa. “Quando você toma um empréstimo para importar uma mercadoria, há todo um fluxo do lado físico, desde a fabricação, exportação, transporte, importação e recepção da mercadoria”, segundo Magaldi.

Graças ao blockchain, as partes envolvidas têm visibilidade de qual etapa o comércio está e, como é um processo internacional, envolve várias moedas, que são convertidas de forma automática. Toda essa implementação, segundo Magaldi, abaixa tanto os custos quanto os riscos do comércio internacional.

Para além do sistema bancário, o blockchain traz grandes benefícios para o comércio internacional. “Hoje, o maior valor do blockchain é permitir que as concorrências colaborem para tornar o mercado como um todo mais eficiente. Você tem concorrentes usando uma tecnologia que permite que eles colaborem para atender os seus clientes finais de um modo que é construível rapidamente, testado e ajustado de maneira ágil e que com outra tecnologia talvez fosse impossível ou muito caro de ser feito”, defende o executivo da IBM.

Portanto, ainda que a tecnologia tenha um nome difícil e aspectos técnicos complexos, ela já é usada por empresas para agilizar operações financeiras, incluindo no Brasil. Entre os entusiastas, muito se fala em uma revolução blockchain: a tecnologia introduzida com o bitcoin tem milhares de aplicações práticas em diversas áreas. No momento, são as do sistema bancário e a de comércio exterior que se mostram mais promissoras e avançadas.

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Jean Prado

Jean Prado

Ex-autor

Jean Prado é jornalista de tecnologia e conta com certificados nas áreas de Ciência de Dados, Python e Ciências Políticas. É especialista em análise e visualização de dados, e foi autor do Tecnoblog entre 2015 e 2018. Atualmente integra a equipe do Greenpeace Brasil.

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