Como conter o tsunami da fake news?

Se o Facebook for um espaço só de notícias falsas, ninguém vai querer estar lá. E, agora? O painel de Fake News no YouPix Con

Melissa Cruz Cossetti
Por
• Atualizado há 11 meses
YouPix Con / Fake News

O YouPix Con reuniu 1.500 pessoas na última segunda-feira (24), em São Paulo, para falar sobre comunicação e internet, com mais de 56 atividades. A maratona de 12 horas reservou alguns espaços para o jornalismo e chamou para um papo sério sobre “fake news”. A discussão girou em torno do que vem sendo feito contra as notícias falsas que, pela primeira vez, testam seu poder de persuasão durante uma eleição nacional.

O tsunami da fake news 🌊

O painel começou provocador nos primeiros minutos, com um vídeo que mostra o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusando o ex-presidente Barack Obama de ser o criador do ISIS (Estado Islâmico), seguido de sua já caricata frase “You are fake news!”. A exclamação logo é confrontada por uma fala de Obama: “se não conseguimos diferenciar argumentos sérios e propaganda, então temos problemas”.

E temos.

Nas eleições de 2018, a propagação de notícias falsas explodiu como uma bomba.

You Are Fake News - Trump

A comentarista de política e economia da Globonews, Natuza Nery, mediou o debate e chamou a atenção para duas questões importantes: o foco na educação e no uso de ferramentas para defender-se de notícias falsas e a má fé de outra parte dos leitores, que mesmo sabendo que o conteúdo é falso, propaga mentiras desde que a seu favor.

“Nós vimos no vídeo um governante sendo autor de fake news. O poder público tem uma âncora de credibilidade muito forte, e quando esse poder propaga a notícia falsa, ele a legítima”, disse, despertando um paralelo inevitável com nosso momento atual.

Essa onda, que Natuza chamou de tsunami, é difícil de ser contida com um muro, sobretudo se ele não for forte o bastante e se não há um elemento que iniba a sua proliferação.

Facebook não quer ser o árbitro da verdade ⚖️

É aí que entram redes sociais como o Facebook, representado pela gerente de políticas públicas Mônica Rosina. “Se o Facebook for um espaço onde as pessoas só enxergam notícias falsas, elas não vão querer estar no Facebook”, disse. Isso impacta não só a missão da empresa, que é criar comunidades, como também a perspectiva do negócio.

“O Facebook não é o árbitro da verdade … e se coloca nesta posição de não ser aquele a decidir o que é verdadeiro ou não”, explica. A executiva pontua que a rede não proíbe notícias falsas, como proíbe conteúdo sobre exploração sexual e spam. O posicionamento se dá na busca do equilíbrio entre liberdade de expressão e integridade.

Facebook - Error

Isso não quer dizer que há esforço das equipes de Mark Zuckerberg. De acordo com Mônica, há três pilares na política atual do Facebook: remoção, redução e educação.

Remoção
A executiva explica que as notícias falsas, em sua maioria, são oriundas de perfis falsos e é nesse ponto que o Facebook ataca. Páginas e perfis falsos são contra as políticas da empresa. “Toda conta que não é autêntica, ela é removida do Facebook”, garantiu.

Redução
O segundo ponto, é a redução do conteúdo falso. A empresa conta com o feedback e denúncias da comunidade para analisar posts que possam conter mentiras. Outras formas de encontrar boatos é rastrear indícios de fontes duvidosas nos comentários.

“Quando identificamos notícias com esse potencial, encaminhamos para parceiros em diversos países que são as agências de checagem. O Facebook não é uma agência de checagem, é uma rede social e trabalhamos em parceria com quem sabe fazer isso”, disse.

No Brasil, são parceiros do Facebook: Agence France Presse (AFP), Aos Fatos e Lupa. A rede social, assim como as agências de checagem, garantem que não há viés político.

Educação
Após serem desmentidos, links dessas notícias ficam marcados como falsos e quem tentar compartilhá-los no Facebook receberá um alerta que diz que a notícia foi sinalizada como falsa por uma agência. Então, a plataforma pergunta: você quer publicá-la mesmo assim ou você quer cancelar essa publicação?

Neste aspecto, a liberdade de expressão é garantida, mas ninguém mais publica notícias falsas (já rastreadas) sem saber que o link se trata de uma mentira.

Após implementar as iniciativas, segundo um estudo da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a partir de 2017, as interações com notícias falsas caíram mais de 50% no Facebook. A mesma pesquisa, aponta, porém, que os boatos cresceram no Twitter.

A mentira voa ✈️

A diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila, trouxe detalhes do mundo da checagem — que está longe de ser fácil. A jornalista aponta que a luta contra a notícia falsa é infinita e incansável. “Vivemos num momento que existem duas corridas simultâneas: a mentira voa e o número de checadores profissionais no Brasil não chega a 50”, disse.

Leia-se checadores profissionais aqueles que se dedicam exclusivamente ao trabalho de fact-checking de forma certificada pelas agências internacionais. “Não tem braço”, conta.

Tem mais mentira circulando do que profissionais de jornalismo capacitados em fact-checking para desmenti-las. A equipe da Lupa começou com quatro pessoas e hoje já soma 15. Mesmo assim, o time ainda não dá conta de tanta demanda e as redes sociais são extremamente duras na cobrança da publicação de checagens e “conclusões a jato”.

“Esse é o cenário que as agências de checagem do Brasil e do mundo vivem. É a pressão que a gente carrega por resolver esse problema que o mundo tem e a certeza que a gente não vai dar conta, porque precisamos de mais checadores”, completa.

A checagem chegou para ficar

Mas é claro que todo esse esforço tem o seu valor. Nas redes sociais, links das agências de checagem são sugeridos pelas plataformas e a Agência Lupa já soma mais de 100 mil seguidores no Twitter e outros 143 mil no Facebook — uma comunidade mais informada que ajuda viralizar checagens e disseminar informação correta na internet.

E se a discussão política está acalorada e passando dos limites nas redes sociais, o discurso de ódio chega também nos checadores de notícias de todas as agências.

“A pressão e a crítica é imensa e colossal. Os checadores profissionais do Brasil estão ameaçados de morte. E não é só por um lado, é por todos os lados. Isso é extremamente grave”, diz. “As pessoas não vão parar de mentir. A checagem veio para ficar e precisamos de mais checadores, ainda mais profissionalizados”, encerrou.

A alfabetização midiática ✍️

Marco Túlio Pires, executivo de News Iniciative do YouTube, trouxe mais uma discussão importante: a chamada media literacy. “Não existe solução que não passe também pela alfabetização midiática”, defendeu. Para o executivo, a internet deu poder de comunicação às pessoas, o que trouxe também responsabilidade. “O conteúdo enganoso já existia antes e o que mudou hoje é a velocidade e a escala com que essas notícias se propagam. Estamos observando efeitos disso em processos democráticos”.

A saída, de acordo com Marco Túlio, é a porta da sala de aula. Mas, na visão do Google, algoritmo, engenharia e ações em escolas só fazem real efeito quando coordenados.

“A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deste ano, já tem, entre o oitavo e nono ano, diretrizes que falam especificamente sobre checagem de fatos, inclusive uma delas é uma aula de checagem”, conta. O Google está criando iniciativas para alunos do ensino médio de alfabetização midiática em busca de formar internautas conscientes.

Não existe bala de prata 

“Mas não existe solução que não seja multissetorial. As plataformas, os governos, o jornalismo, os pais, ninguém vai resolver esse problema sozinho, é todo mundo junto. Não se observa uma saída viável sem o envolvimento de todo mundo”, defendeu.

Esse envolvimento de todos os setores ajuda a inundar o ecossistema de notícias com conteúdo verdadeiro que vai disputar a atenção daqueles que estão dispostos a um debate de alta qualidade, com informações que agregam e ajudam a forma opinião.

“Mas existe também toda uma conversa que passa por pessoas que não estão dispostas e que só querem reforçar suas visões de mundo (mesmo equivocadas)”, diz.

Público idoso e WhatsApp

O Tecnoblog estava presente e um questionamento que fizemos foi sobre públicos que vão além daqueles que estão diariamente no Facebook ou no YouTube. Os idosos, que muitas vezes têm acesso às notícia falsas por WhatsApp e e-mail, nem sempre são impactados pelas checagens e alertas dessas plataformas, por não fazerem parte dessas comunidades.

A Agência Lupa já está pensando em  usar o braço “Lupa Educação” para essa faixa etária, a partir de uma experiência familiar da própria Cristina Tardáguila, cuja mãe organizou o “Café da Mentira” para disseminar sete dicas contra notícias falsas. Assim como cuidar dos jovens, cuidar dos idosos é urgente e é tão importante quanto.

WhatsApp - Gif

“Contamos muito com os jovens para serem replicadores dessa educação. Não estamos nos furtando disso e rodar campanhas de dicas para identificar notícias falsas em jornais e revistas de grande circulação é uma forma de olhar para essa questão”, explicou Mônica Rosina, do Facebook. Mas a decisão de acreditar e confiar nas plataformas e veículos, como finalizou Marco Túlio, é privada. “Em última instância, vai ser decisão delas [das pessoas impactadas], é uma decisão pessoal”, completa.

Por fim, um questionamento feito por Cristina ainda martela a minha cabeça e acho que não vai se dissolver tão cedo: as pessoas recebem a notificação de que o conteúdo é falso (nas redes sociais), recebem a checagem detalhada, mas mantém o post no ar.

“Quem são essas pessoas tão estranhas e que bem elas estão fazendo ao Brasil?”, perguntou.

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Melissa Cruz Cossetti

Melissa Cruz Cossetti

Ex-editora

Melissa Cruz Cossetti é jornalista formada pela UERJ, professora de marketing digital e especialista em SEO. Em 2016 recebeu o prêmio de Segurança da Informação da ESET, em 2017 foi vencedora do prêmio Comunique-se de Tecnologia. No Tecnoblog, foi editora do TB Responde entre 2018 e 2021, orientando a produção de conteúdo e coordenando a equipe de analistas, autores e colaboradores.

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