A crise da WeWork: como uma IPO de US$ 47 bilhões virou um fiasco

A IPO da WeWork (estreia na bolsa) deu tão errado que acabou se transformando em escândalo

Emerson Alecrim
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• Atualizado há 11 meses
WeWork no Japão

Nenhum setor se compara ao de tecnologia no que diz respeito a permitir que empresas se tornem gigantes em pouco tempo. Mas, mesmo em uma indústria que admite pressa, é preciso manter o bom senso e não confundir sonho com utopia. Ao que tudo indica, foi a falta desses cuidados que fez a IPO da WeWork se transformar em vexame internacional.

Com um ritmo frenético de crescimento — a empresa faturou US$ 75 milhões em 2014; em 2018, a receita foi de US$ 1,8 bilhão — o CEO e cofundador Adam Neumann almejou levar a WeWork para a Bolsa de Valores de Nova York. Nesse processo, a companhia chegou a ser avaliada em US$ 47 bilhões.

Mas algo deu tão errado que a IPO — quando uma empresa realiza venda pública de ações pela primeira vez — acabou não acontecendo. As explicações para isso trazem revelações perturbadoras.

O que é a WeWork?

A WeWork não é exatamente uma empresa de tecnologia, mas a casa de muitas delas. A empresa surgiu nos Estados Unidos em 2010 e cresceu rapidamente graças à proposta de alugar imóveis em várias cidades ao redor do mundo e convertê-los em espaços de coworking modernos e convidativos, principalmente a empreendedores.

Hoje, a companhia está presente em mais de 100 cidades de cerca de 30 países, incluindo o Brasil — por aqui, a maior parte dos espaços está em São Paulo (cerca de 20 escritórios), mas também há unidades no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília.

WeWork JK Iguatemi, em São Paulo
WeWork JK Iguatemi, em São Paulo

Mas as operações em território brasileiro ainda são tímidas se comparadas a outros países. Nos Estados Unidos, são tantos imóveis alugados que a WeWork se tornou o maior inquilino de Manhattan com mais de 50 escritórios nessa parte de Nova York; em Londres, a companhia só perde para o governo britânico.

A partir de 2017, duas outras iniciativas surgiram para complementar as operações da WeWork: a WeGrow, uma espécie de “escola do futuro” voltada a crianças; e a WeLive, que explora o conceito de coliving (espaços de moradia que têm cozinha, sala de convivência e outras áreas compartilhadas).

Tudo isso só foi possível porque a We Company, como o conglomerado WeWork, WeGrow e WeLive agora se chama, captou muito dinheiro nos últimos anos, com destaque para a gigante japonesa SoftBank, que já investiu US$ 7,5 bilhões no grupo. E olha que esse montante não considera um aporte de US$ 1,5 bilhão programado para o próximo ano e outro de US$ 1,6 bilhão já investido em subsidiárias da WeWork.

Startup: valorizar para atrair dinheiro

Além de toda a atmosfera de inovação, o que torna o universo das startups singular são os mecanismos de investimentos: por padrão, a prioridade dessas empresas é buscar aportes para crescer rápido; a busca por lucro fica para depois.

À medida que uma empresa recebe investimentos e cresce, mais investimentos ela consegue. Com efeito, o seu valor de mercado aumenta. Uber, Spotify e Nubank (para citar uma empresa brasileira) são exemplos notáveis: todas cresceram substancialmente em pouco de tempo e são bastante valorizadas, mas nenhuma é efetivamente lucrativa (ainda não).

Ninguém quer perder a chance de fazer um grande negócio, por isso, quanto maior a percepção de valor de uma empresa, mais investidores apostam nela. Percebe como isso é um ciclo? O segredo do sucesso parece estar em fazer o negócio se valorizar bastante para atrair cada vez mais dinheiro.

É aí, nos esforços de valorização, que a derrocada da WeWork começa.

Adam Neumann, o cofundador da WeWork

A história está repleta de empreendedores que alcançaram o sucesso ao vislumbrar oportunidades em momentos de crise. Parece ser o caso do israelense Adam Neumann e do americano Miguel McKelvey.

Em 2008, a dupla sublocou parte do prédio de uma empresa que eles mantinham justamente para ter menos despesas com aluguel. A partir daí, eles tiveram a ideia de alugar um novo espaço e dividí-lo em escritórios pequenos — naquela época, a ideia do coworking já ganhava força.

Nascia a GreenDesk, fruto de uma parceria com o proprietário do prédio. O negócio deu tão certo que Neumann e McKelvey venderam a sua parte e, em 2010, deram início à WeWork.

Havia uma oportunidade de ouro ali: além do espírito empreendedor que leva universitários ou recém-formados para coworkings, a crise de 2008 deixou um exército de pessoas sem emprego e elas precisavam de espaço físico para ingressar em uma carreira de autônomo ou abrir um pequeno negócio.

Adam Neumann (Foto: TechCrunch)
Adam Neumann (Foto: TechCrunch)

Funcionou de novo. A expansão começou sem demora, quase sempre seguindo o esquema de alugar espaços em grandes centros urbanos — a WeWork tem poucos imóveis próprios.

Mas, para expandir, é necessário dinheiro, muito dinheiro. Foi aqui que o carismático Adam Neumann mostrou as suas garras: com o seu discurso cativante, ele conseguiu atrair mais de US$ 12 bilhões em capital de risco.

O otimismo e a paixão que Neumann transmitia ao falar da WeWork e dos planos para o futuro do negócio também ajudaram a empresa a atrair uma mão de obra relativamente barata e, o mais importante, uma clientela que, não raramente, lota os seus espaços de coworking.

Com Neumann elevado a status de visionário e a WeWork fincando a sua marca em cada vez mais prédios, levar a companhia para a bolsa parecia uma caminho natural. Parecia.

A IPO que nunca veio

Quando a WeWork fez o seu pedido de abertura de capital, as entranhas da companhia passaram a ser analisadas de perto. Foi aí que ficou claro que o crescimento rápido da empresa não era acompanhado de expectativa de lucro.

Pelo contrário. Não demorou para o mercado perceber que, primeiro, a companhia gasta demais — só em 2018, o prejuízo foi de US$ 1,9 bilhão contra o US$ 1,8 bilhão de receita. Segundo, o negócio foi avaliado em US$ 47 bilhões pela SoftBank (que desde 2016 é praticamente o único investidor da We Company), mas esse valor foi considerado superestimado.

Como a SoftBank fez uma aposta tão arriscada? Masayoshi Son, fundador e CEO do grupo japonês, teria ficado tão empolgado com os rumos da WeWork que ignorou os alertas. Nos bastidores do mercado financeiro, a conversa é a de que o estrago poderia até ter sido evitado se o executivo tivesse considerado a rede de coworking um negócio imobiliário, não uma empresa de tecnologia em franco crescimento.

Quanto aos gastos, vários fatores os explicam. Para começar, boa parte dos espaços da WeWork está localizada em pontos que têm aluguel alto. Em seguida, vem o fato de os contratos de arrendamento terem, em média, prazo de 15 anos — se por um lado isso reduz o valor de cada pagamento, por outro, faz a empresa assumir compromissos de longo prazo.

WeWork em Bogotá
WeWork em Bogotá

Mas as ações questionáveis de Adam Neumann provavelmente são a pior parte. Sabe-se que o empresário é proprietário de alguns prédios que alugam espaço para a WeWork e que a companhia fez empréstimos pessoais a ele com juros abaixo de 1%. Pasme: esses valores foram usados para comprar imóveis que, posteriormente, foram alugados para a… WeWork.

Tem mais. Em um movimento bizarro, Neumann cobrou a WeWork em cerca de US$ 6 milhões em ações pelo uso da marca “We”, que está em nome de outra de suas empresas. Essa manobra teve uma repercussão tão negativa que, mais tarde, o próprio empresário cancelou o negócio.

Para piorar, há relatos que de Neumann promovia festas no ambiente de trabalho que chegavam a durar dias e que álcool ou drogas não eram incomuns em seu escritório, inclusive durante atividades profissionais, como reuniões. Em várias ocasiões, funcionários teriam sido demitidos simplesmente porque Neumann não gostava da “energia” deles.

De modo geral, as investigações sugerem que Neumann e pessoas próximas estavam usando os planos da IPO para obter recursos financeiros próprios, daí os seus esforços para promover a WeWork como uma empresa que vale quase US$ 50 bilhões.

Quando questionado pela Forbes sobre as discrepâncias entre o valor estimado da companhia e o dinheiro que ela movimenta, Neumann respondeu que a avaliação da empresa tem mais a ver com o tamanho e espiritualidade da empresa do que com suas receitas.

O mercado não engoliu os argumentos. Pressionado, principalmente por executivos da SoftBank, Neumann abandonou o cargo de CEO em 24 de setembro. Uma semana depois, a WeWork cancelou o pedido de IPO que havia registrado em agosto.

O que vai acontecer com a WeWork?

Para o mercado financeiro, esse foi um dos pedidos de IPO mais bizarros e vergonhosos dos últimos tempos. Apesar disso, a WeWork continua viva: dois veteranos de casa, Artie Minson e Sebastian Gunningham, assumiram as funções de CEO da companhia.

Eles têm muito trabalho pela frente, começando pelo desafio de conter o sangramento de dinheiro. Sob a nova liderança, a companhia já suspendeu novos contratos de locação (o que deve congelar o movimento de expansão) e vem se desfazendo de alguns bens, inclusive de um jatinho que era usado por Neumann — um Gulfstream G650 avaliado em US$ 60 milhões.

Uma das unidades da WeWork em Nova York
Uma das unidades da WeWork em Nova York

Infelizmente, um plano de demissão também pode estar a caminho: fala-se que entre 10% e 25% dos 12.500 funcionários da WeWork podem perder o emprego nos próximos meses.

É mandatório que mudanças profundas sejam promovidas. Analistas apontam que, se as excentricidades forem mantidas, a WeWork ficará completamente sem dinheiro já no começo de 2020.

Além de salvar a empresa, Minson e Gunningham também teriam planos de fazer outra tentativa de IPO, talvez no fim ano. Essa, porém, seria mais “pé no chão”: analistas estimam que o valor da WeWork para a estreia na bolsa não deve passar de US$ 10 bilhões. E olha que essa é uma estimativa deveras otimista.

Com informações: New York Magazine, Business Insider, BBC, Forbes, Fortune, CNBC, New York Times, Wall Street Journal, Nikkei.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

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