Atlas Quantum: o drama de quem negociou bitcoin e ficou de mãos vazias

Muita gente investiu em bitcoin via Atlas Quantum e agora não consegue sacar os valores

Emerson Alecrim
Por
• Atualizado há 11 meses
Atlas Quantum

Em um comercial de TV, Rapha, uma garotinha de oito anos, explica o que é bitcoin. No final do vídeo, o recado: “não arrisque ficar para trás, invista em atlasquantum.com“. Mas muita gente arriscou e se deu mal: o Atlas Quantum não tem atendido às solicitações de saques de seus clientes e, agora, eles enfrentam a incerteza sobre o que vai acontecer com esse dinheiro.

O gatilho para essa crise parece estar no olhar rigoroso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM): o órgão entende que o Atlas Quantum oferece contratos de investimento coletivo, mas não tem autorização para isso.

No meio dessa confusão sobra raiva, frustração e desespero: são numerosos os relatos de pessoas que confiaram nas palavras de lucratividade da empresa e, agora, tentam de todas as formas recuperar as somas investidas.

A pior parte é que, pelo andar da carruagem, esse problema não será resolvido tão cedo. Se é que será.

O que o Atlas Quantum faz?

Ao entrar no site do Atlas Quantum, você encontrará uma aviso dizendo que a plataforma é “o jeito mais fácil e seguro de comprar Bitcoin”. Mas os serviços da companhia vão além da simples venda de moedas digitais: até pouco tempo atrás, a própria empresa dizia oferecer um serviço de arbitragem de criptomoedas.

De modo simplificado, a arbitragem funciona assim: o investidor compra certa quantia de uma criptomoeda em uma corretora (ou exchange) que cobra determinado preço por ela e depois a vende para outra instituição do tipo que trabalha com um valor maior para a mesma moeda; a diferença entre os valores das duas corretoras corresponde ao ganho da operação.

Um exemplo hipotético: um investidor compra uma moeda digital que vale R$ 1.000 na corretora A, paga uma taxa de R$ 20 para transferí-la à corretora B e, nesta, vende a moeda por R$ 1.100; o seu lucro é de R$ 80, portanto.

O diferencial oferecido pelo Atlas era justamente a sua tecnologia de arbitragem. A startup surgiu em 2015 sob o nome Atlas Project e começou a operar em 2016 promovendo o Quantum, algoritmo que automatiza as operações de arbitragem.

Via de regra, a empresa fica com 50% dos rendimentos obtidos com as operações de arbitragem. Mesmo assim, esse parece um bom negócio à primeira vista: ao promover a plataforma, a companhia dizia que seus clientes vinham registrando ganhos de 2%, 3% ao mês, às vezes mais, apesar de não garantir lucratividade.

Neste post no Facebook, por exemplo, o Atlas diz que os “investidores do Quantum tiveram um rendimento de 3,99% no mês [maio de 2019]”:

Atlas Quantum: rendimento de 3,99% em maio de 2019
Atlas Quantum: rendimento de 3,99% em maio de 2019

A CVM entra em cena

No dia 13 de agosto, a CVM liberou uma nota (Deliberação CVM 826) para comunicar que o Atlas Quantum e Rodrigo Marques dos Santos (CEO e cofundador da companhia) não estão autorizados pelo órgão a oferecer títulos ou Contratos de Investimento Coletivo (CIC).

E o que isso quer dizer? No entendimento da CVM, a atuação do Atlas nas operações de arbitragem automatizada é baseada em uma espécie de fundo que investe em criptomoedas, não na negociação direta de moedas digitais.

Isso é um CIC. Uma empresa só pode oferecer CICs públicas mediante registro ou dispensa por parte da CVM, coisa que o Atlas Quantum não obteve. É por isso que a empresa parou de promover operações de arbitragem em seu site. Se continuasse, ela poderia ser multada pelo órgão em R$ 100 mil por dia.

Pouco mais de um mês depois, em 20 de setembro, Rodrigo Marques publicou um vídeo com o qual atribui as dificuldades de resgate de valores à notificação da CVM: o executivo diz que a atuação do órgão desencadeou uma onde de saques na plataforma. Os transtornos para os clientes teriam começado aí.

Atlas: valores estão retidos nas corretoras

Em agosto de 2018, dados de quase 265 mil clientes do Atlas Quantum vazaram e ficaram disponíveis com certa facilidade na internet. Por conta disso, a startup chegou a ser processada em R$ 10 milhões pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

O que ninguém esperava é que, um ano depois, o Atlas fosse se envolver em um problema tão ou mais grave: de fato, na segunda quinzena de agosto de 2019, logo depois da notificação da CVM, relatos de clientes que solicitavam saques em suas contas, mas não conseguiam ter acesso aos recursos investidos passaram a surgir massivamente.

Essa situação gerou uma série de especulações, como a de que a empresa não teria as criptomoedas que afirma movimentar nos investimentos ou a de que a plataforma seria uma espécie de pirâmide financeira.

O Atlas nega as acusações. Em mais de uma ocasião, inclusive no vídeo de Rodrigo Marques, a empresa argumenta que os valores foram bloqueados nas corretoras com as quais o Atlas trabalha por conta da quantidade atípica de solicitações de saques. Esse bloqueio estaria perdurando até hoje.

Como que para provar a existência das criptomoedas — pouco mais de 15 mil bitcoins —, o Atlas Quantum liberou outro vídeo, este em 18 de setembro, com gravações de telas que mostram os recursos investidos em três exchanges.

Porém, no dia 2 de outubro, a HitBTC, uma das corretoras que aparecem no vídeo, usou o Twitter para dizer que os dados mostrados ali foram manipulados — note que a mensagem tem um comparativo de telas que aponta as supostas alterações. A empresa também afirma não ter sido procurada pelo Atlas para realização de saques e nega ter bloqueado recursos.

As we have stated we do not confirm claims of Atlas Quantum: https://t.co/zVSjiD1qx8
Moreover, the HitBTC interface in the video has been forged, as detailed here: pic.twitter.com/9VgTUBYNJE

— HitBTC (@hitbtc) October 3, 2019

Um dia depois, foi a vez da Gate.io, também mostrada no vídeo, se manifestar. A corretora declarou no Twitter que não tem nenhuma conta com saldo similar ao mostrado na gravação e que não recebeu nenhuma solicitação por parte do Atlas Quantum.

Além de publicar os vídeos, o Atlas Quantum afirma ter contratado a empresa de auditoria Grant Thornton para verificação da titularidade das contas, dos valores em criptomoeda sob custódia e das transações realizadas nas corretoras.

Porém, para ter acesso ao relatório da Grant Thornton, os clientes interessados devem entrar em contato com o Atlas Quantum para agendar uma visita à sede da empresa na capital paulista. O documento não é disponibilizado online.

Clientes não conseguem sacar os investimentos em bitcoin

Enquanto isso, clientes do Atlas Quantum se desesperam. Os relatos de saques em atraso ou não atendidos se multiplicam no Facebook, Twitter e afins. No Reclame Aqui, o número de queixas relacionadas ao problema disparou — ironicamente, a startup destaca em seu site ter recebido o Selo RA1000, dado às empresas que registram excelentes índices de atendimento no serviço de reclamações.

Nos relatos, percebe-se que boa parte dos clientes investiu valores relativamente baixos no Atlas. Mas não são poucos os casos de pessoas que confiaram grandes somas à plataforma e, agora, enfrentam problemas financeiros sérios por conta do imbróglio.

A BBC Brasil relata o caso de um empresário de 35 anos que investiu o equivalente a cerca de R$ 580 mil em bitcoin via Atlas Quantum e não conseguiu sacar os valores mesmo acionando a Justiça — sem nenhuma surpresa, processos judiciais contra o Atlas também têm surgido aos montes.

Ainda de acordo com a BBC, a Polícia Militar chegou a ser chamada duas vezes em setembro por clientes que compareçam à sede da empresa: em ambas as ocasiões, funcionários do Atlas teriam se recusado a receber ofícios sobre decisões judiciais ordenando o pagamento dos valores devidos.

De modo geral, as reclamações começam da mesma forma: o cliente faz uma solicitação de saque, não é atendido, reclama e recebe um prazo maior que também não é cumprido. Há relatos sobre prazos de quatro, sete e, mais recentemente, 30 dias. Também há casos de pessoas que fizeram a solicitação de retirada de valores e não receberam nenhum prazo.

Muitos clientes se queixam de receber informações vagas ou imprecisas ao acionar o suporte da empresa, o que só serve para aumentar a angústia em torno da situação.

O que o Atlas Quantum diz?

Atlas Quantum - quiosque

Em seus comunicados, o Atlas Quantum vem reiterando que tem enfrentado bloqueios de saques e que tenta resolver o problema junto às corretoras. O mais recente, liberado na última segunda-feira (14), veio com uma nova promessa: a startup divulgou nas redes sociais que irá disponibilizar resgates em reais a partir do próximo dia 21. Em nota enviada ao Tecnoblog, a companhia transmitiu a mesma informação:

“O Atlas Quantum informa que, a partir do dia 21 de outubro (segunda-feira), os investidores poderão solicitar resgates em reais pela plataforma Quantum. Os procedimentos serão informados na própria data.”

Ainda no contato com a assessoria de imprensa do Atlas Quantum, perguntei se a empresa continua realizando operações de arbitragem, o que ela tem a dizer sobre a suposta manipulação do vídeo sobre as corretoras e o que tem sido feito, na atual fase, para o problema dos saques atrasados ser resolvido. A companhia respondeu o seguinte:

O Atlas Quantum continua operando com arbitragem automatizada normalmente. A resolução da CVM se referia à proibição da propaganda para investidores, a qual foi interrompida.

Com relação ao vídeo, o Atlas Quantum reafirma a sua veracidade assim como a dos documentos apresentados.

A empresa está trabalhando em duas frentes: a normalização de contas nas exchanges e a normalização dos pagamentos aos investidores que solicitaram saques.

Se a promessa da disponibilização de recursos em reais for cumprida, isso não implicará, necessariamente, no fim da confusão: no Facebook e Twitter, muitos clientes solicitaram resgate em bitcoins. A companhia ainda não se manifestou sobre essa possibilidade.

Receba mais notícias do Tecnoblog na sua caixa de entrada

* ao se inscrever você aceita a nossa política de privacidade
Newsletter
Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

Relacionados