Sem busão: as entrevistas de emprego online na pandemia

Com a pandemia, empresas que continuaram contratando tiveram que se adaptar para processos seletivos e entrevistas 100% online

Darlan Helder
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• Atualizado há 11 meses

Se arruma, pega o ônibus, o metrô e chega à empresa na qual você foi chamado para uma entrevista de emprego. De repente, a pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) quebrou todo esse ciclo tradicional pela busca de uma oportunidade, fazendo empresas e candidatos se prepararem para seleções e entrevistas totalmente remotas com plataformas como Zoom, Google Meet, Skype e até WhatsApp.

Diante desse desafio global sem precedentes, que acarretou num isolamento social, a modalidade acabou crescendo exponencialmente. Dados da Revelo, uma startup de tecnologia do setor de Recursos Humanos, mostrou, em maio deste ano, que as entrevistas de emprego online cresceram 40% durante a pandemia.

Apesar disso, a geração de novos empregos não cresceu no mesmo ritmo. A pesquisa Pnad Covid-19, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), expôs que a taxa de desemprego no país, registrada na penúltima semana de julho, estava em 13,7%. Ainda há 12,9 milhões de desocupados no Brasil, revelam os dados.

Mesmo com o crescimento e ascensão nos últimos meses, o processo seletivo online não necessariamente surgiu durante o período de pandemia. “As empresas costumavam abordar esse modelo somente em uma das etapas do processo seletivo e não todo ele, como está comum agora”, explica Lachlan de Crespigny, Co-Founder da Revelo.

XP, Nubank e iFood contratam centenas na pandemia

Em especial, as organizações que atuam no setor de tecnologia já abraçaram as seleções remotas muito antes da crise global.

“Quando falamos em empresas de base tecnológica, as entrevistas online sempre se fizeram presentes, principalmente no início do processo seletivo, o primeiro contato”, lembra Ana Laura Schmidt, psicóloga e Estrategista de Produtos de Recrutamento da XP Investimentos, em entrevista ao Tecnoblog.

Na contratação da crise, empresas como Nubank, XP Investimentos, iFood, Mercado Livre e Stone contrataram durante a pandemia, trabalhando com seleções remotos. Silvia Kihara, gerente de recrutamento do Nubank, conta ao Tecnoblog que as entrevistas virtuais já fazem parte do dia a dia da fintech — hoje com bem mais força, em virtude do distanciamento social.

Nubank

“Fora dessa situação sem precedentes que estamos vivendo, geralmente levamos os candidatos ao escritório para entrevistas presenciais pelo menos uma vez, mas não é incomum que os candidatos passem por todas as fases online”, explica Kihara.

O Nubank vem trabalhando de forma remota desde 12 de março. A empresa dos cartões roxos já contratou mais de 200 pessoas ao longo da crise em diversas regiões, como Dubai, Hong Kong e Vale do Silício. A empresa revela ao Tecnoblog que cerca de 170 desses mais de 200 passaram por etapas 100% remotas. Atualmente, há 250 vagas abertas que devem ser preenchidas até o final deste ano.

O iFood, que é controlado pela Movile, também abriu suas portas enquanto outras companhias dispensavam. Desde o agravamento da crise, 274 pessoas foram contratadas e, atualmente, há 183 vagas abertas; 116 são para áreas de tecnologia.

A gigante do delivery já trabalhava com a modalidade virtual e conta que recorreu a outras tecnologias para viabilizar as seleções e contratações 100% à distância.

Escritório do iFood / Foto: Luiza Florenzano

“Os processos seletivos continuaram, inicialmente, para as vagas que requeriam urgência na contratação, com todas as entrevistas feitas de maneira remota”, conta Thais Vicente, Gerente de People Attraction do iFood.

“Já era comum tocarmos processos seletivos online, mas não para 100% das vagas como estamos fazendo hoje. Tivemos que buscar rapidamente ferramentas e recursos para garantir uma melhor experiência tanto dos candidatos quanto dos gestores”, completa.

Chama a atenção a grande oferta de vagas relacionadas à tecnologia. De acordo com dados da Revelo, as oportunidades em tech cresceram 25%. Para Schmidt, “essa é uma área que está sempre na contramão. Muitas empresas passaram a investir em transformação digital. Além disso, novos produtos que visam simplificar as nossas vidas estão surgindo”.

Há mais vantagens do que desvantagens

A modalidade de recrutamento inteiramente virtual reúne vantagens, desvantagens, críticas e elogios. Para especialistas, os pontos positivos conseguem superar os negativos. Um dos benefícios mais evidenciados é o fim do deslocamento que, no modelo tradicional, requer uma organização prévia, sobretudo para quem vive em cidades grandes.

Já para os tímidos, mais uma vantagem, tendo em vista que, muitas vezes, o nervosismo não fica tão visível durante a conversa em vídeo.

E sobre a tensão, Schmidt diz que “continua sendo extremamente importante o time de recrutamento quebrar o gelo da entrevista e guiar os próximos passos para tentar trazer a proximidade e o cuidado que tínhamos no escritório ao receber as pessoas”.

Homem entrevistando outro

As contratações também ficaram mais rápidas. Sem os trâmites de preparação de uma conversa presencial, como deslocamento do candidato, agendamento de sala, organização de agendas e outros possíveis imprevistos, o processo ficou ainda mais ágil. E é exatamente nesse ponto que entra a tecnologia como parceira em ambos os lados.

Contudo, existem outros desafios que podem surgir no momento da entrevista, tais como falta de conexão de internet, dificuldade para acessar o programa, microfone desligado ou com problema, e outros contratempos. Para evitar tudo isso, há boas recomendações que podem ser praticadas minutos antes da entrevista. Falaremos adiante.

Com relação ao futuro dessa modalidade, os especialistas em Recursos Humanos apostam no crescimento mesmo após a crise. “A pandemia trouxe muitas mudanças de comportamentos e as empresas que não se adaptarem perderão competitividade. Por isso, temos observado uma movimentação no universo corporativo para aderir ao que está sendo chamado de novo normal”, analisa Lachlan.

Mas nem todas as empresas estão preparadas

Wanessa Maris, 26, é formada em hotelaria e tem MBA em Gestão de Negócios, está desempregada desde novembro de 2019 e a pandemia atrapalhou ainda mais os planos para a busca de uma nova oportunidade. Ao Tecnoblog, ela conta que nunca participou de uma entrevista online e teve a primeira experiência em agosto, mas de forma negativa, já que a empresa não entrou em contato no horário combinado.

“Fui convocada para uma entrevista às 11h30 através do Skype. Dez minutos antes eu já estava sentada preparada para receber a chamada, o tempo foi passando… Até que deu meio-dia, entrei em contato com a recrutadora para saber o que houve, ela simplesmente me disse: ‘agora eu não consigo, pode ser às 16h?’. Ou seja, nem um pedido de desculpas recebi, na verdade, nem retorno eu teria, se eu não tivesse entrado em contato, provavelmente”, desabafou a jovem em seu perfil no LinkedIn, onde recebeu o apoio de outros usuários. A entrevista, por fim, não aconteceu.

Assinante da Catho, Wanessa recebeu o convite de entrevista através da plataforma de classificados de empregos.

Como essa seria sua primeira experiência num processo totalmente online, Maris ficou em dúvida do que fazer quando deu o horário marcado e sem o retorno da entrevistadora. Resolveu, então, enviar mensagem na Catho, mandou e-mail e chamou a recrutadora no Skype, que sugeriu a remarcação, sem pedir desculpas ou explicar o motivo do atraso.

“Eu acho que [entrevista de emprego] é uma via de mão dupla, o recrutador avalia o candidato, mas o candidato também avalia a empresa e os recrutados”, conta Maris. “Desde então ficou essa impressão [negativa]. Foi tudo muito seco, não teve diálogo e eu já perdi todo o encantamento de participar da entrevista. Me senti desrespeitada. Eu já recrutei na minha antiga empresa e a primeira impressão é a que fica”.

Em nota à reportagem, a Catho lamentou o ocorrido com a assinante e disse que não “compactua com a prática descrita pela profissional”. A plataforma explicou que não intervém nos contatos entre empresa e candidato. Como os currículos ficam em um banco de dados, as companhias cadastradas podem entrar em contato sem intervenções da Catho.

“Durante a pandemia, a Catho lançou uma série de lives e conteúdos sobre boas práticas e como as empresas poderiam conduzir seus processos seletivos durante esse novo formato”, conclui a nota.

Ana Laura Schmidt salienta que as empresas precisam ter empatia no decorrer das conversas, levando em conta a preparação do candidato que se dedicou para a oportunidade oferecida.

“Sem dúvida é algo que fica marcado. A empresa tem um papel importantíssimo de manter o cuidado com a pessoa candidata que tinha quando era presencial. Entendo que imprevistos acontecem. Sempre que preciso desmarcar mando um e-mail para a pessoa explicando a situação, pedindo desculpas e já remarco uma nova conversa”, afirma.

Para as empresas que estão aderindo à modalidade, Schmidt recomenda a transparência durante a comunicação. “É importante nos colocarmos no lugar das pessoas, entendendo que ela se preparou para esse momento, gerou uma expectativa enorme”.

Dicas para se sair bem na primeira entrevista online

Para os candidatos que nunca tiveram a experiência de participar de uma entrevista de emprego online, as dicas são as mesmas de um processo presencial. O grande desafio, porém, são as dificuldades técnicas, que podem surgir durante a conversa. Portanto, após receber o convite, não deixe de perguntar ao recrutador o programa utilizado para a entrevista.

Existem vários: Google Hangouts (ou Meet), Google Duo, Zoom, Skype, Cisco Webex, Microsoft Teams, WhatsApp, dentre outros.

Zoom / Unsplash / James Yarema

“É muito importante testar a ferramenta que será utilizada para fazer a videochamada para evitar imprevistos com a internet, isso acontece e está tudo bem, mas mitigar os riscos é importante”, orienta Schmidt.

Se estiver usando um notebook, verifique se há bateria suficiente e deixe o carregador próximo. Especialistas ainda orientam evitar a conexão Wi-Fi, recomendando, então, o uso do cabo LAN, o que nos lembra de mais um fator importante: testar a internet antes de falar com o recrutador.

Na hora da entrevista, olho para a câmera ou para a tela? Com a pandemia e o boom das plataformas de videochamadas, essa pergunta passou a ser recorrente, bem como toda a discussão em torno do assunto.

Homem usando notebook

Especialistas ouvidos pelo Los Angeles Times aconselham sempre olhar para a câmera quando o profissional do RH estiver falando com você, mesmo que o “olhar nos olhos” — tão recomendado numa entrevista de emprego — seja na tela nestes novos tempos. Checar o funcionamento do microfone também é importante.

Já o ambiente deve ser favorável para o momento. O local deve estar organizado, bem iluminado e sem muitas distrações visuais. Por falar nisso, uma das maiores distrações pode estar nas suas mãos neste exato momento. Esqueça o seu celular durante a entrevista; deixe-o no modo não perturbe para evitar notificações ou ligações inesperadas.

“Por fim, algumas dicas se mantêm de quando era presencial: pesquisar sobre a empresa (história, business, mercado), além disso, buscar entender sobre o perfil da posição, rotina, atividades para que a pessoa possa se preparar para direcionar as suas respostas/experiências de acordo com o que está sendo pedido para a posição”, conclui Schmidt.

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Darlan Helder

Darlan Helder

Ex-autor

Darlan Helder é jornalista e escreve sobre tecnologia desde 2019. Já analisou mais de 200 produtos, de smartphones e TVs a fones de ouvido e lâmpadas inteligentes. Também cobriu eventos de gigantes do setor, como Apple, Samsung, Motorola, LG, Xiaomi, Google, MediaTek, dentre outras. No Tecnoblog, foi autor entre 2020 e 2022. Ganhou menção honrosa no 15º Prêmio SAE de Jornalismo 2021 com a reportagem "Onde estão os carros autônomos que nos prometeram?", publicada no Tecnoblog. 

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