Mercado Livre exige RG em compras e cria conta no Mercado Pago sem avisar

Ao criar uma conta no Mercado Livre, cliente abre, sem saber, uma conta bancária na fintech Mercado Pago; prática fere LGPD

Pedro Knoth
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• Atualizado há 2 anos

À medida em que empresas brasileiras se adaptam para cumprir com a Lei Geral de Proteção de Dados, o Mercado Livre exige documento com foto para cadastro de usuário e acesso ao marketplace. O que o app não diz é que, ao submeter o RG ou CNH, a pessoa cria outra conta no serviço de fintech da empresa, o Mercado Pago; prática fere LGPD segundo especialista ouvido pelo UOL.

Mercado Livre

Pacote do Mercado Livre (Imagem: Divulgação)

Usuários registram queixas contra exigência de RG e CNH

São serviços separados: o Mercado Livre é a plataforma de varejo e o Mercado Pago funciona como uma carteira digital do cliente, usada para receber ou enviar pagamentos e obter linha de crédito. Apesar de diferentes, o usuário cria conta no segundo só por se cadastrar no primeiro. Desde 2020, reclamações infestam a página da empresa no site especializado ReclameAqui.

“Fiz uma busca por controles de portões, encontrei no Mercado Livre. Para minha surpresa, ao tentar entrar na minha conta para efetuar a compra, o site pediu foto da minha CHN ou RG para validar minha identidade. Não vejo porque um site de compras precisa da foto do meu documento” diz uma usuária de Blumenau (SC).

Outra cliente de Belo Horizonte (MG) se espanta com a exigência de documento: “Hoje, ao tentar acessar minha conta para realizar uma compra, mesmo após digitar o código recebido por SMS, ainda me pediu para enviar uma foto na minha CNH, o que já ridículo, até hoje não vi nenhum site pedindo isso”.

No ano passado, o Mercado Pago recebeu autorização do Banco Central (BC) para atuar como uma instituição financeira regulamentada. Ou seja, a companhia pode agir como um banco, o que a permite fazer empréstimos para outras empresas. Uma das exigências do BC é que a companhia precisa fornecer documentos de seus clientes.

Pessoas ouvidas pelo Uol Tilt notaram que também estavam criando uma conta bancária somente quando o Mercado Livre pediu as chaves do Pix. Muitas registraram queixas no ReclameAqui mencionando que a plataforma de varejo bloqueou as contas com base nas CNHs e RGs.

Em resposta a um usuário no site, o Mercado Livre afirma:

“Quando você abre a sua conta no Mercado Livre, automaticamente você já tem uma conta no Mercado Pago. Isso acontece porque sempre que faz uma compra pelo Mercado Livre, por mais que use o seu cartão de crédito como meio de pagamento, a transação é processada pelo Mercado Pago ele é a nossa plataforma de pagamentos. Hoje, o Mercado Pago, além de plataforma de pagamento do Mercado Livre, atua como uma instituição financeira, por isso, cada vez mais precisamos garantir a veracidade de todas as informações e nos certificarmos de que é você quem está tomando ações na conta, independente do tipo da transação.”

Para especialista, ML pratica “consentimento viciado”

Abrir uma conta no Mercado Pago é gratuito. Mas, mesmo assim, forçar o cliente a abrir uma conta bancária para acessar o marketplace pode configurar como uma violação à LGPD. Os dados tratados pela empresa são de natureza pessoal e sensível segundo a lei porque, além de dispor de informações de identificação pessoal, infere na etnia dos cadastrado.

Em entrevista ao UOL, o pesquisador de programas digitais do Idec (Instituto de defesa do consumidor) Luã Cruz, diz que as práticas do Mercado Livre ferem o Art. 5º da LGPD e o Art 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC); que o instituto chama de “consentimento viciado”.

“Esse tipo de exigência induz à obtenção de um consentimento forçado, impondo condições abusivas, já que é uma política de ‘pegar ou largar’, não havendo granularidade nem direito de escolha”, afirma o pesquisador. Ele pontua àqueles que se sentirem lesados pelo Mercado Livre, ou outras empresas com exigências parecidas, podem fazer denúncias na ANDP (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). Basta preencher um formulário e enviá-lo ao site de petições eletrônicas do Governo Federal.

LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) (Arte: Henrique Pochmann/Tecnoblog)

LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) (Arte: Henrique Pochmann/Tecnoblog)

O consumidor pode procurar o Idec ou o Procon antes de adotar medidas jurídicas contra empresas que ferem a LGPD e o CDC. Alguns apps de transporte, como Uber e 99, exigem fotos na hora do cadastro, mas apenas para usuários que não registram cartão de crédito e optam por pagar em dinheiro vivo.

Mercado Livre responde

O Mercado Livre diz ao Tecnoblog que a abertura de conta no Marketplace “não representa a abertura automática de uma conta de pagamento no Mercado Pago”.

A varejista afirma que segue estritamente a regulamentação aplicável e se mantém em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados:

“Uma vez que todas as compras realizadas no Mercado Livre são processadas pelo Mercado Pago, ao se cadastrar no marketplace, o usuário apenas aceita utilizar o Mercado Pago como meio de pagamento, na qualidade de Usuário Visitante, conforme definido nas regras dos Arranjos de Pagamento do Mercado Pago, sem a abertura de qualquer conta de pagamento. Assim, nossos usuários podem realizar compras de forma mais conveniente e segura, além de ter acesso ao Programa Compra Garantida. No entanto, esse cadastro não implica na abertura de uma conta de pagamento.

Caso um usuário queira abrir uma conta no Mercado Pago, ele deve consentir aos Termos e Condições e Declaração de Privacidade da fintech; ao aceitar, ele tem acesso aos meios de pagamento, mas precisa fornecer todas as informações necessárias para cadastro, conforme a regulamentação do BC. Isso inclui o registro de identificação.

“Já no Mercado Livre, a solicitação do documento de identificação do cliente ocorre somente quando é necessária uma verificação de dados para garantir a segurança de todos os entes do ecossistema”, conclui a varejista.

Com informações: Uol Tilt e Reclame Aqui. Atualizado em 22/06.

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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