Idec notifica Raia Drogasil, dono da Droga Raia, sobre biometria digital

Idec quer saber porque Droga Raia coleta biometria; especialista fala sobre como o consumidor pode proteger seus dados caso farmácias exijam CPF e digital

Pedro Knoth
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• Atualizado há 8 meses
Demanda da Droga Raia por digital de clientes fere a LGPD (Imagem: George Prentzas/ Unsplash)
Demanda da Droga Raia por digital de clientes fere a LGPD (Imagem: George Prentzas/ Unsplash)

O Instituto de Defesa do Consumidor – Idec – notificou nesta quinta-feira (24) o grupo Raia Drogasil, dono da rede Droga Raia, para explicar sobre a coleta e uso da biometria de clientes. Como contou o Tecnoblog, consumidores foram barrados de aproveitar promoções caso não cadastrassem a digital. O instituto também enviou uma carta à Associação Brasileira de Farmácias – a Abrafarma – para saber se outras empresas estão seguindo os passos da Droga Raia.

Idec questiona finalidade da Droga Raia ao coletar dados

A notificação de caráter extrajudicial à Raia Drogasil exige que a empresa pare com a coleta de digital e CPF e explique qual a finalidade de coleta de dados. As 12 perguntas feitas pelo Idec, contidas na advertência, fazem parte de uma investigação do instituto sobre as ações da rede de drogarias. Ele quer saber o porquê do cadastro da biometria de consumidores.

O que motiva o Idec são denúncias de membros cadastrados e relatos nas redes sociais de pessoas que foram impedidas de conseguir desconto em itens sob a condição de cadastrar o dado, que é sensível segundo a Lei Geral de Proteção de Dados. A notificação é um trabalho conjunto de dois programas da ONG pró-consumidor: as áreas de Saúde e de Telecomunicações e Direitos Digitais.

Matheus Falcão, analista de Saúde do Idec, afirma que não existe justificativa nítida para a coleta de digital da Droga Raia; também preocupa o uso do CPF pela farmacêutica. “Não temos nitidez dessa finalidade. A lei [LGPD] exige explicações do uso dos dados. Todo esse cenário bastante nebuloso aumenta nossas preocupações e leva à notificação”, disse Falcão ao Tecnoblog.

Matheus Falção, analista de Saúde do Idec (Imagem: Idec/Divulgação)
Matheus Falção, analista de Saúde do Idec (Imagem: Idec/Divulgação)

Além de notificar o grupo Raia Drogasil, o Idec escreveu uma carta à Abrafarma, para saber se a outras redes e farmacêuticas tem feito a coleta de biometria e CPF.

“Consentimento viciado” é aplicável ao caso, segundo Idec

O Idec faz coro a outros especialistas ouvidos pelo Tecnoblog de que há um “consentimento viciado”. O instituto vê que a exigência de biometria para aproveitar ofertas prejudica o consumidor, no caso dele não consentir com a demanda. A situação é ainda mais grave, porque as lojas podem estar praticando ofertas de preços inflacionados.

No Brasil, os preços de medicamentos são predefinidos pela Cmed, um colegiado composto pelos Ministérios da Justiça, Economia, Saúde e a Casa Civil. O órgão é responsável por regular o preço de remédios nas farmácias. Mas, segundo Matheus Falcão, o teto do valor estabelecido pela Cmed é “extremamente elevado” e distante dos custos praticados pelo mercado.

“Um desconto dado sobre o preço da Cmed é assim, um desconto falso, o que revela uma distorção econômica. Essa regulação de preços é problemática. Nós criticamos há anos e temos propostas para melhorá-la”, diz o analista do Idec.

E por que a Droga Raia coleta justo a biometria digital?

Além das promoções sobre preços exorbitantes, o instituto pró-consumidor tem algumas hipóteses do porquê a Droga Raia coleta a digital de clientes. Uma delas: a farmacêutica está praticando descriminação de preços. De acordo com o perfil de usuários, elas oferecem descontos diferentes – o uso da biometria é para fazer uma “seleção adversa” da base de consumidores.

Outra possível finalidade ao uso da digital, segundo Falcão, é ter um segundo mecanismo de identificação do consumidor para além da receita. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina que farmácias retenham receitas de quem pede por medicamentos de uso controlado. Mas a Raia Drogasil pode usar a biometria para ter uma “segunda opção” de manter a informação do cliente.

Em comunicado ao Tecnoblog, o Encarregado de Proteção de Dados Pessoais (PDO) do grupo Raia Drogasil, Bruno Eduardo Mizga da Silva, diz que os funcionários são instruídos a solicitar o cadastro da biometria “somente nas hipóteses definidas pela Companhia como necessárias ou cabíveis”. A rede diz que fornece treinamentos periódicos e orientações a funcionários para adequá-los à LGPD.

Unidade da Droga Raia na Vila Madalena (Imagem: RaiaDrogasil/ Divulgação)
Unidade da Droga Raia na Vila Madalena (Imagem: RaiaDrogasil/ Divulgação)

Nos casos relatados pelo Tecnoblog nesta quinta-feira (24), foram os próprios atendentes que justificaram que o cadastro da biometria era para atualização de cadastro devido à LGPD.

Mas o Idec afirma que esse argumento não é injustificado: “Nossa compreensão é de que o setor [farmacêutico] ainda não explicou muito bem nem a necessidade do CPF e muito menos da digital. Isso passa por explicar a finalidade precisa. Com quem eles são compartilhados?”

Idec já notificou empresas de Saúde por troca de dados

O grupo Raia Drogasil descreve em sua política de privacidade que a biometria é armazenada de forma criptografada e não é compartilhada com terceiros. Mas outras empresas do setor de Saúde, segundo Matheus Falcão, já confessaram a troca de dados sensíveis com empresas parceiras, como laboratórios.

A rede afirmou em comunicado ao Tecnoblog que não compartilha especificamente a biometria com terceiros: “Os dados biométricos captados pela Droga Raia não são utilizados para nenhuma finalidade diversa da inicial (confirmação de identidade do titular de dados) e não são comercializados e nem fornecidos a terceiros.”

Como se defender se farmácias exigirem sua digital?

Por fim, o analista de Saúde do Idec diz que para se defender, o consumidor tem o direito de saber qual o motivo da exigência de dados pessoais em farmácias:

“Ele pode questionar qual será o desconto antes de fornecer seu CPF e digital. É importante que o consumidor saiba seus direitos e a empresa tem o dever de fornecer as informações. Para onde vão? E por quem serão usados? Nós orientamos a não fornecer dados que não sejam necessários para a transação.”

O prazo dado pelo Idec para as respostas da Raia Drogasil e da Abrafarma é de 10 dias. A partir da devolutiva, o instituo pode confirmar algumas de suas hipóteses relacionadas a tratamento e uso de dados de clientes.

Sobre a notificação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, a Raia Drogasil respondeu ao contato do Tecnoblog com o seguinte posicionamento:

“A Raia Drogasil recebeu a solicitação do IDEC e prestará todas as informações pois está adequada aos princípios legais estipulados pela LGPD, tendo compromisso com a privacidade de seus clientes e a transparência em seus negócios.”

A reportagem procurou a Associação Brasileira de Farmácias — Abrafarma — mas não obteve resposta.

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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