Racismo no Airbnb: alguns hosts no Brasil cancelam reservas para negros

Clientes negros relatam problemas em suas locações, como verificações e cancelamentos atípicos; Airbnb diz que vai investigar casos

Giovanni Santa Rosa
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• Atualizado há 2 anos
Airbnb/Pexels/cottonbro

O produtor audiovisual Jonas Silva reservou uma casa no Airbnb para passar um fim de semana com seus amigos. No entanto, a tentativa da administradora do local de cancelar a reserva de última hora — alegando problemas na documentação dos dois únicos negros do grupo — atrapalhou o que deveria ser um momento de reencontro. Ele considera que houve racismo.

A história que Jonas compartilhou em seu Twitter não é a única do tipo — também na rede social, outro cliente negro contou que sua reserva foi cancelada alegando problemas no imóvel, mas o proprietário continuou negociando locações para outros hóspedes. A questão no Airbnb não vem de hoje: em 2016, um estudo mostrou que afro-americanos tinham menos chances de conseguir locações, e uma hashtag sobre o tema reuniu relatos que reforçavam que problemas assim aconteciam com frequência. A plataforma tomou medidas, como excluir 1,4 milhão de proprietários que não se comprometeram a não cometer discriminação, mas os casos continuam.

Administradora tenta cancelar na véspera

Jonas reservou um sobrado no Morumbi, em São Paulo (SP), para o fim de semana do dia 8 de outubro. O plano era encontrar quatro amigos de longa data que não se viam desde antes da pandemia. Na noite da véspera, a administradora do local entrou em contato com ele por WhatsApp e pediu fotos dos documentos.

Ao verificar que era a primeira vez do cliente na plataforma, ela questionou qual seria a intenção da locação e reforçou as regras: festas e barulho eram proibidos, assim como fumar no local. O produtor disse que já havia lido essas condições no site do Airbnb e concordado com tudo — o plano era só mesmo passar um fim de semana com os amigos.

A administradora, então, pediu fotos de outros documentos dos hóspedes. Por fim, informou que ele precisaria cancelar a reserva porque, ao consultar todos os RGs no site da Polícia Civil, haviam sido encontradas restrições ao dele e ao de um amigo, ambos negros. Ao verificar essa informação, porém, Jonas descobriu que o documento de seu amigo não possuía restrições, mas sim o de outra integrante do grupo, branca.

Após ser questionada quanto a essa diferença nas verificações, a anfitriã voltou atrás e disse não ter checado os documentos de todos do grupo no site. Ela ponderou que a checagem do site não estava fazendo sentido, por causa das inconsistências, e prosseguiu com a reserva. Jonas também decidiu não cancelar, porque seria difícil organizar novamente o encontro.

O produtor conta ao Tecnoblog que, enquanto a administradora fazia questionamentos e pedia mais documentos, seus amigos já esperavam que haveria alguma alegação contra os únicos negros do grupo. Ele considera que houve racismo por parte da anfitriã.

A consulta ao RG não informa exatamente qual é o problema quando há restrições. A página da Polícia Civil diz apenas que os motivos mais comuns são falecimento, desaparecimento ou registro de um boletim de ocorrência de perda, furto ou roubo do documento. Jonas diz que nenhum dos dois documentos se encaixavam nesses casos.

O Tecnoblog procurou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que explicou que documentos emitidos em outros estados ou com mais de uma via solicitada também recebem são marcados como restritos pelo sistema.

Quando a consulta diz que há restrições, a recomendação da Polícia Civil é procurar o Poupatempo (serviço paulista que reúne diversas instâncias burocráticas) para emitir uma nova via.

Pessoa usando o site do Airbnb
Pessoa usando o site do Airbnb (Imagem: cottonbro/Pexels)

Jonas contou seu caso no Twitter na segunda-feira (11), e seu relato viralizou na rede. Em seu tweet, ele pergunta se outras pessoas já haviam passado por isso. Em conversa com o Tecnoblog, ele diz que acreditava que talvez pudesse ser um procedimento padrão. Nas respostas à publicação, outros usuários disseram que suas reservas não tiveram tantas exigências.

Uma semana antes, outro usuário negro compartilhou na mesma rede social que o anfitrião havia recusado uma reserva sua, que já havia sido paga, alegando problemas no imóvel. Ao tentar alugar o mesmo local com um perfil de pessoa branca, a negociação correu normalmente. Vale lembrar que a foto do hóspede só é compartilhada depois a reserva ser feita, uma das políticas do Airbnb para evitar discriminação. A suspeita, portanto, vem do fato de o proprietário se dispor a alugar para outra pessoa.

Relatos de discriminação têm até hashtag

Não é a primeira vez que hosts da plataforma de aluguel de quartos, apartamentos e casas são acusados de racismo. Em 2016, um experimento feito por estudantes de Harvard descobriu que hóspedes com “nomes que soavam afro-americanos” tinham 16% menos chance de conseguir uma reserva, e que anfitriões negros também sofriam preconceito — eles cobravam em média 12% a menos do que proprietários não-negros de casas equivalentes devido à menor procura.

Relatos de discriminação no Airbnb ganharam até uma hashtag própria, #AirbnbWhileBlack, em que usuários compartilham suas histórias desse tipo.

Advogado recomenda procurar a polícia

Em conversa com o Tecnoblog, o advogado Adriano Mendes recomenda que pessoas que passem por situações em que se sentem vítimas de discriminação procurem a polícia e registrem um boletim de ocorrência. Ele enfatiza: racismo é crime no Brasil.

Como o Airbnb atua apenas como intermediário entre proprietários e interessados em alugar, ele se isenta de responsabilidade legal nesses casos. Mesmo assim, um B.O. pode ajudar a plataforma a tomar medidas cabíveis contra quem pratica discriminação.

Mendes também considera que é recomendável entrar com uma ação penal em casos desse tipo, para que os acusados prestem explicações e o caso seja investigado. Caso a Justiça considere que houve mesmo um crime, eles podem ser condenados.

Airbnb investiga denúncias de racismo

Procurado pelo Tecnoblog, o Airbnb enviou a seguinte nota:

Não há espaço para preconceito e discriminação no Airbnb. Inclusão e respeito são princípios fundamentais que se aplicam tanto aos anfitriões quanto aos hóspedes. Em relação aos relatos de incidentes discriminatórios em reservas, o Airbnb está conduzindo uma investigação detalhada sobre o que aconteceu em cada caso e tomará as medidas apropriadas e necessárias de acordo com nossas políticas.

A empresa também enviou informações complementares sobre suas políticas contra discriminação:

Para combater o preconceito e a discriminação na plataforma, O Airbnb implementou diversas medidas, entre elas:

– Em 2016, desenvolveu uma rigorosa Política de Não Discriminação. Desde então, mais de 1,4 milhão de pessoas se recusaram a concordar com essa política e, por isso, tiveram o uso da plataforma negado ou suas contas canceladas.

– A partir de 2018, a foto de perfil do hóspede só é exibida ao anfitrião, como parte do processo de reserva, após a sua confirmação.

– Além disso, o Airbnb conta com o Programa Portas Abertas, caso um hóspede sentir que sofreu qualquer tipo de discriminação que desrespeite a política do Airbnb — seja tentando reservar um espaço, tendo uma reserva cancelada ou em qualquer outra interação com um anfitrião — o Airbnb encontrará um lugar equivalente para esse hóspede ficar se existir um espaço disponível no plataforma. Caso não exista, encontraremos uma acomodação alternativa para ele em outro lugar. Esse programa também será aplicado retroativamente a qualquer hóspede que tenha nos comunicado casos de discriminação no passado.

Em entrevista ao Axios, Brian Chesky, CEO da empresa, disse que as mudanças que vem sendo feitas desde 2016 vieram após a companhia tomar ciência da hashtag #AirbnbWhileBlack e do experimento feito em Harvard.

O Airbnb também entrou em contato com Jonas na terça-feira (12), mencionando a investigação e as possíveis punições à anfitriã. O produtor, porém, diz que não pretende mais usar a plataforma.

Atualizado às 21h40 com a resposta da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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