Youtubers fazem crianças de Portugal falarem “brasileiro” e irritam adultos

Reportagem de jornal português trata influência de youtubers brasileiros na fala de crianças lusitanas como um problema alarmante

Giovanni Santa Rosa
Por
• Atualizado há 2 anos e 4 meses
Youtuber Luccas Neto prestes a deturpar o português lusitano

Em tempos de pandemia, muitas crianças ficaram mais tempo em casa, e o consumo de conteúdo em vídeos explodiu. Em Portugal, isso levou a um fenômeno inusitado: as crianças passaram a usar expressões e até mesmo o sotaque do português brasileiro, já que há muito mais conteúdo feito por youtubers daqui do que de lá. E aparentemente os lusitanos estão muito preocupados com este problema extremamente gravíssimo.

No Twitter, o assunto viralizou a partir de uma thread de Adriano Brandão, com destaques da reportagem do Diário de Notícias sobre o assunto e comentários irônicos sobre a abordagem.

De fato, o tom do texto é bem alarmista, tanto que chega a ser engraçado — parece que estão tratando de vícios, drogas, crimes…

Era o caso de Laura, agora com três anos, dois na altura do primeiro confinamento. “Ela chegou lá muito facilmente. Primeiro foi ver o Panda e os Caricas, o Ruca e coisas do género. Mas há muito mais conteúdos brasileiros do que portugueses. Ora, quando acaba o vídeo do Panda, aparece logo outro desses, que é muito mais apelativo para os miúdos. A partir daí é viciante para eles”, conta ao DN o pai, Jaime Pessoa, locutor numa rádio local em Pombal.

…mas o grande problema é a criança usar a expressão “trolar”, chamar a relva de “grama” ou não pronunciar o “R” e o “L” como os portugueses:

Laura não diz que vê um polícia na rua mas sim um policial, a relva é grama. Come tudinho. Já Iara pediu à mãe uma bala no supermercado e “isso foi um sinal de alarme”, conta ao DN Ana Marques, que no mesmo dia percebeu que “não podia deixá-la sozinha com o tablet, porque apesar de ser muito autónoma, só tinha quatro anos”.

A matéria usa como gancho um show do youtuber Luccas Neto, sucesso também em Portugal, para mostrar a influência do português brasileiro nas crianças lusitanas.

Os pais falam muito de vício em YouTube, e alguns comparam até com videogames — lembra quando eles eram apontados como os culpados por todos os males da infância e da juventude?

YouTube (Imagem: Christian Wiediger/ Unsplash)
YouTube (Imagem: Christian Wiediger/ Unsplash)

Aliás, entre todos os problemas de deixar uma criança de quatro anos com livre acesso à plataforma de vídeos, chega a ser hilário que o mais preocupante seja falar com sotaque e expressões do português brasileiro.

Entre as medidas adotadas, estão terapias de fala, limites ao tempo na internet e bloqueios a alguns tipos de conteúdo. Alguns pais chegaram a explicar para os filhos que esse tipo de vídeo é prejudicial (epa, peraí, como assim?) e deixaram apenas a Netflix com filmes, séries e desenhos falados no português de Portugal.

A matéria traz um contraponto da professora de linguística Catarina Menezes. Ela lembra que as telenovelas brasileiras e os gibis do Tio Patinhas, traduzidos para o português brasileiro, também tinham influência sobre as crianças e os jovens portugueses em outros tempos. Aparentemente, tudo ficou bem por lá. Ufa.

Influência de youtubers também acontece dentro do Brasil

Não é a primeira vez que uma reportagem aborda a influência do YouTube sobre a fala das crianças. Em abril, a BBC Brasil tocou em um tema parecido: elas passam a usar termos mais comuns em outros estados por influência de youtubers e streamers.

Os exemplos são bem mais variados: termos do interior de São Paulo usados por pequenos no Rio Grande do Norte, expressões nordestinas na boca de jovens do Sul e Sudeste e até o caso de uma criança que mora na Finlândia e é filha de uma maranhense, mas usa expressões incomuns para a família, como “deu ruim”.

A reportagem também explica que usar termos de outros lugares é mais simples e comum do que reproduzir o sotaque falado em vídeos de diferentes regiões. Mesmo assim, especialistas ouvidos destacam que o impacto do YouTube é maior que o observado na relação com a televisão, por exemplo.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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