Bolsonaristas usam Telegram para impulsionar vídeos ocultados no YouTube

Em alta entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, Telegram é usado para que canais do YouTube com vídeos ocultados do público continuem a ganhar dinheiro

Pedro Knoth
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App do Telegram (Imagem: Ivan Radic/Flickr)

Um estudo publicado pelo jornal O Globo revela que a rede bolsonarista no Telegram, principal concorrente do WhatsApp, usa o mensageiro para impulsionar canais de YouTube alinhados ao presidente da República que ocultaram vídeos. Isso ocorre quando o autor do conteúdo teme uma sanção da plataforma.

Os pesquisadores reuniram 4 milhões de mensagens de 150 grupos considerados como alinhados ao presidente Jair Bolsonaro no Telegram, entre janeiro e outubro deste ano. O grupo identificou uma grande onda de compartilhamento de links para canais bolsonaristas no YouTube.

Bolsonaristas usam Telegram para driblar YouTube

Segundo o levantamento do estudo divulgado pelo O Globo, o YouTube apresentou a maior quantidade de compartilhamento de links, com 440.756 URLs transmitidas pelo Telegram. “O coração do bolsonarismo está no YouTube, porque é onde está o dinheiro, é onde eles conseguem se remunerar”, destaca Leonardo Nascimento, pesquisador da UFBA. Nascimento é coordenador da pesquisa ao lado de Letícia Cesarino (UFSC) e Paulo Fonseca (UFBA).

Uma das hipóteses dos pesquisadores é de que o Telegram, que ganhou ainda mais usuários brasileiros — especialmente depois que o WhatsApp sofreu o apagão de outubro —, tem sido usado por bolsonaristas para impulsionar vídeos que foram ocultados por apoiadores do presidente no YouTube. Ocultar um conteúdo significa “escondê-lo” do público geral, o que restringe, por sua vez, sua circulação.

Isso significa que o vídeo gera menos receita a seu criador. Nesse sentido, o Telegram entra como uma forma de tentar driblar o sistema: o compartilhamento do link permite que o conteúdo continue a circular e gerar dinheiro por meio de anúncios. O mensageiro permite que sejam criados grupos com até 200 mil membros, além de canais com número ilimitado de inscritos. A página de Jair Bolsonaro, por exemplo, tem mais de 1 milhão de inscritos.

O principal meio de remuneração pelo YouTube são as visualizações: a plataforma do Google paga entre US$ 0,25 e US$ 4,50 a cada mil views alcançadas. Há cinco outras formas de receber por conteúdo, sendo elas receita com publicidade, superchat, inscrições pelo Premium — serviço de assinatura do site —, programa de membros e merchandising.

De acordo com o estudo dos pesquisadores da UFBA e UFSC, o link mais popular compartilhado por bolsonaristas no Telegram foi de um vídeo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No conteúdo, o ministro e presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, fala em inglês e defende o processo eleitoral brasileiro, alvo de ataques de Jair Bolsonaro. O vídeo foi publicado em junho.

Mas calma. Não é bem o que você está pensando. A mobilização da base bolsonarista no Telegram foi para dar dislike na peça do TSE. O link para o vídeo foi compartilhado 576 vezes, no total. Uma das mensagens dizia o seguinte:

Urgente. Barroso gravou mais 3 vídeos defendendo as urnas eletrônicas. Quem puder, dê o dislike nos 3. Divulguem (sic)

O segundo vídeo mais compartilhado por bolsonaristas no Telegram — com 535 envios — chama-se “Edge of Corruption”. Em inglês, o conteúdo lança ataques ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, possível adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022. Além disso, a gravação descreve o atual presidente da República como “democrático, honesto, humilde e corajoso”, acrescentando que ele livrou o Brasil da corrupção.

Outro vídeo, que pedia uma intervenção militar coordenada por Bolsonaro, ficou na terceira posição, com 455 compartilhamentos.

Em seguida, no ranking, a peça publicitária do Burger King sobre o mês do Orgulho LGBT+ foi alvo de uma campanha de dislikes dos apoiadores do presidente, e teve 419 compartilhamentos. Por último, a estreia do programa 4 em 4, dos influenciadores bolsonaristas Rodrigo Constantino, Guilherme Constantino, Ana Paula Henkel e Luís Ernesto Lacombe, teve 278 envios.

Sites como Terça Livre são mais compartilhados

Guilherme Felitti, dono da Novelo Data, afirma ao O Globo que o atalho encontrado para impulsionar vídeos só funciona devido à não interferência da plataforma do Google sobre o conteúdo que é produzido. Felitti monitora a atividade de canais bolsonaristas no YouTube, e reúne informações sobre vídeos apagados, ocultos e não-listados.

Felliti completa:

Quando não está na mira do YouTube (por violações de conteúdo), uma das melhores estratégias é colocar o vídeo como não-listado. O vídeo continua rodando anúncios e sendo mandado para comunidades. A pessoa continua ganhando dinheiro de maneira “protegida”

Isso já aconteceu quando um vídeo derrubado pelo YouTube foi “não-listado” pela *Jovem Pan* para tentar driblar o sistema de detecção da plataforma.

Ainda de acordo com o estudo, todos os sites mais compartilhados por apoiadores de Jair Bolsonaro no Telegram são hiperpartidários. São páginas conhecidas por espalhar desinformação, como o Jornal da Cidade Online — ele é o mais popular, com 56,7 mil links enviados.

Em seguida, vêm o Conexão Política (12,3 mil). O Terça Livre, que teve seu canal de YouTube suspenso pela Justiça. O fundador da página, Allan dos Santos, é investigado em dois inquéritos diferentes pelo Supremo Tribunal Federal.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou que o Google forneça o endereço de IP de todos os doadores que depositaram ao canal do Terça Livre no YouTube.

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.

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