Japoneses publicam resultados de estudo de sinestesia com humanos e chimpanzés

San Picciarelli
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• Atualizado há 1 semana

A Universidade de Kyoto, no Japão, publicou os resultados de um estudo bastante interessante envolvendo chimpanzés e humanos. Na busca constante por entender de fato como funciona o cérebro, os cientistas procuraram descobrir se os nossos primos têm conexões neurais o bastante para serem capazes de cruzar seus sentidos, assim como alguns de nós também o podem.

Esse fenômeno sensorial é conhecido como sinestesia (não confundir com cinestesia), onde existe uma relação de planos sensoriais distintos que se sobrepõem sem uma razão aparente.

Ilustração synestesia
Ilustração: sinestesia

Explicando o fenômeno de modo mais simples, trata-se de quando uma pessoa percebe o exterior por meio de um canal de percepção sensorial e interpreta-o por outro. O que torna a sinestesia uma condição incrível para se explorar é o fato de que a mesma dinâmica sensorial vale não só para captação de informações externas aos nossos sentidos, mas também para coisas em nossa mente também, como emoções, memórias, sentimentos e especialmente sensações.

Esse era um dos temas em aula que sempre mais gostei e a razão para isso está no fato de que o comportamento sinestético funciona como uma impressão digital de preferências sensoriais. Cada pessoa sinestésica tem um comportamento diferente que pode variar por conta de uma miríade de fatores. Se o assunto interessar, um bom ponto de partida é o trabalho de Howard Gardner e sua proposição e hipóteses para as ‘Inteligências Múltiplas’.

Eis um bom exemplo: alguém pode olhar para uma folha em branco com um círculo vermelho (visual) e entender ou explicá-lo como sendo uma sensação (cinestésico) ou som (auditivo), sem que assim indique que aquilo que está sendo processado é de fato uma imagem. Embora conscientemente ela possa reconhecer que o círculo vermelho no papel é de uma propriedade visual, sua experiência é descrita através de outro canal sensorial, ou sentido. Em suma, é quando um sentido cruza o caminho de experiência do outro.

A compreensão deste fenômeno só se deu anos depois com o advento da neurologia moderna, onde seria então um pouco mais possível compreender porque alguns de nós tinha uma inclinação espontânea para definir “a doçura da música”, “a leveza da cor” ou a “profundidade do som” de maneira literal para os sentidos e não meramente metafórica.

Esse é um assunto fascinante e eu adoraria me estender mais do que isso, mas já aí nos escaparíamos do ponto em questão para o leitor: o aspecto tecnológico do estudo e as possíveis respostas (ou novas perguntas) que ele foi capaz de produzir.

No caso do estudo recente dos japoneses, um programa de computador foi utilizado para comparar com que nível de habilidades ambos homem e chimpanzés estabeleceriam as associações entre sentidos cruzados, nesse caso, imagem e som.

Aparentemente temos uma predileção natural, inata, por correlacionar de maneira mais eficiente a cor ou outros estímulos visuais quando eles estão associados a sons que se intercorrespondem. Há um consenso que assume que sons mais altos e agudos estariam associados à imagens e tonalidades mais claras, enquanto que sons mais baixos e graves, respectivamente, ligados à nuances mais escuras das cores e objetos.

O programa utilizado para a experiência mostra um pequeno quadrado com a cor branca/preta deveria ser rapidamente correspondido com seu equivalente (outros dois quadrados branco/preto maiores) um pouco acima. Foram associados então ruídos altos e baixos, agudos e graves a ambos os quadrados, branco e preto.

Abaixo, um pequeno vídeo dos experimentos:

Após a consecução de todos os testes, os resultados mostraram que os chimpanzés foram um pouco melhores do que nós na tarefa, 93% contra nossos 90%, embora a diferença seja bastante baixa e o nível de sucesso possa ser considerado alto em ambos os lados. As primeiras conclusões implicam que os chimpanzés também detenham uma capacidade inata – ou seja, não adquirida – de combinar diferentes canais sensoriais durante a percepção.

Portanto, a pesquisa pode não ser exatamente um ponto conclusivo a respeito do porque nascemos com certas habilidades, até mesmo porque essa seara já bastante avançada de estudos ainda é jovem, mesmo sendo a sinestesia algo já considerado inclusive como uma “obra do demônio” em um passado não tão distante assim.

O fato é que, quase que como de maneira colateral, a pesquisa japonesa terminou por reforçar uma outra corrente científica que apregoa que nós processamos e interpretamos melhor a informação quando de uma maneira múltipla, mais eficientemente do que quando o input é processado de maneira mais lenta e individualizada.

Embora ainda tenhamos limitações em nosso ‘processamento’ – mesmo possuindo talvez o mais poderoso entre todos os outros processadores da cadeia genética e cibernética que já existiu – nós ainda procuramos das maneiras mais bizarras possíveis um meio para compreendermos porque a informação entra aos montes em nossos cérebros, toda de uma vez, e porque processamos apenas uma pequena parte tantas vezes tão pequena dela.

Com informações: PNAS.ORG.

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San Picciarelli

San Picciarelli

Ex-redator

San Picciarelli é gerente de projetos e mestre em biotecnologia. Fez parte da equipe de redatores do Tecnoblog entre 2011 e 2012, produzindo artigos de assuntos relacionados à tecnologia, inovação e empreendedorismo. Trabalha com esse assunto desde 2006, mas também tem experiência em design e construção de sites.

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