E se roubassem o seu salário com um clique?

Caso do Megaupload evidencia problemas históricos de uma indústria que não aprendeu a usar a internet.

Thássius Veloso
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• Atualizado há 1 semana

Todo mundo sabia. Quem nunca foi ao Megaupload para baixar conteúdo pelo qual não pagou pode atirar a primeira pedra nos comentários. Sei que algumas boas almas nunca entraram no site, mas também posso apostar que pelo menos entre os leitores do Tecnoblog  essa era uma atividade recorrente. Enfim, não vai mais acontecer.

Como tem todo tipo de opinião na rede, há de se considerar algumas delas e descartar as menos inteligentes. Dentre os argumentos plausíveis, o menos interessante deles defende que a ação do FBI foi contra a liberdade de expressão.

Pode ser, mas não totalmente. Com certeza havia pessoas que usavam o Megaupload para armazenar seus arquivos próprios. Documentos de trabalho, monografias de faculdade, fotos diversas. Tudo isso foi para o limbo e é uma pena avistar no horizonte a perspectiva de que tais arquivos nunca mais serão recuperados. Aqui mesmo a gente bate na tecla de que backup é importante e a computação na nuvem está aí para isso. Quem seguiu a cartilha do backup online mas apostou nos serviços do Megaupload se deu mal.

Há quem diga que o FBI decidiu mostrar ao mundo como vai ser caso o projeto de lei SOPA entre em vigor. É o contrário. A operação da polícia federal americana com a colaboração de oficiais neozelandeses prova que não há necessidade de SOPA nem PIPA para ir atrás de pessoas que possibilitam a pirataria. Embora em outra jurisdição, o processo contra o Pirate Bay corre por anos e a possibilidade de os responsáveis pelo site irem para a cadeia permanece latente.

“Querem proibir o compartilhamento livre de informação.” Agora sim começamos um diálogo mais acirrado. A internet foi pensada essencialmente para que pessoas do mundo inteiro colaborem entre si, troquem ideias, construam conhecimento. Não há limites para o tráfego dos bits e bytes. Como diz o ditado, “caiu na rede é peixe”. O problema é que as empresas que produzem conteúdo, muitas vezes custando bem caro, ainda não aprenderam a lidar com isso. Se o grupo Warner gasta US$ 100 milhões para colocar um filme nos cinemas, é natural que eles esperem o retorno desse investimento. Quando compartilhamos um filme deles, a boa verdade é que estamos roubando o conteúdo pelo qual não pagamos. Está na lei.

A indústria de conteúdo não soube se reinventar para combater a pirataria. Tudo bem, a Apple veio com seu iTunes para se tornar a maior loja de música do mundo. Muita gente compra música por lá, de modo que passaram o Wal-Mart (maior varejista do mundo) em venda de canções. Não basta.

Ainda faltam meios de distribuir conteúdo de maneira legal que esteja em consonância com o que as empresas querem e os consumidores também. Não sou tolo de dizer que os conglomerados de mídia são os heróis da história. Muito pelo contrário, por décadas exploraram os artistas. E agora parcela do público os explora economicamente ao não pagar pelo conteúdo que escuta, assiste, lê, joga etc. Há de se chegar numa relação equilibrada nessa história, sem extremismo para nenhum dos lados. Há de se pagar pelo conteúdo.

Estudiosos do mundo inteiro buscam uma solução para esse impasse. Já vi quem recomende micropagamentos; já vi quem apoie que as operadoras de banda larga repassem parte de sua receita para as empresas de conteúdo — como o ECAD repassa os direitos autorais para execuções de música no Brasil. Tem de tudo.

Duas coisas são certas.

O trabalho do artista ou produtor de conteúdo deve ser remunerado. Não é justo que a pessoa se envolva na gravação de um álbum ou o que quer que seja para, no fim das contas, descobrir que seu trabalho não foi comercializado e, devido a isso, ele não vai receber um tostão furado pela obra.

E os sites que se dedicam basicamente a isso, ao compartilhamento de conteúdo sem fazer o menor esforço para manter nos servidores somente o que é do próprio do usuário, tendem a desaparecer com o tempo. Novos vão surgir. É natural que aconteça dessa forma, está no DNA da internet. Mas eu torço mesmo para que as pessoas envolvidas na questão dediquem seus esforços a pensar em novas maneiras de comercializar o conteúdo. Isso faz falta nessa economia globalizada, conectada e imaterial na qual nos encontramos atualmente.

Quanto ao Megaupload, já vai tarde. Como eu disse, todo mundo sabia o que se passava naqueles servidores. Qual será o próximo alvo do FBI?

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Thássius Veloso

Thássius Veloso

Editor

Thássius Veloso é jornalista especializado em tecnologia e editor do Tecnoblog. Desde 2008, participa das principais feiras de eletrônicos, TI e inovação. Também atua como comentarista da GloboNews, palestrante, mediador e apresentador de eventos. Tem passagem pela CBN e pelo TechTudo. Já apareceu no Jornal Nacional, da TV Globo, e publicou artigos na Galileu e no jornal O Globo. Ganhou o Prêmio Especialistas em duas ocasiões e foi indicado diversas vezes ao Prêmio Comunique-se.

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