Como o grande marketplace salvou o pequeno negócio

A pandemia fechou as portas do pequeno e médio negócio, enquanto o grande marketplace cresceu mais e salvou estes lojistas

André Fogaça
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• Atualizado há 11 meses
Como o grande marketplace salvou o pequeno negócio (imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)
Como o grande marketplace salvou o pequeno negócio (imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Convenhamos, o ano de 2020 não foi exatamente como grande parte dos humanos esperava e a mudança de rumos ameaçou sonhos, junto de qualquer planejamento de pequenos, médios e grandes negócios. As maiores empresas do varejo já presentes na internet foram afetadas com menor intensidade, mas se tem um segmento responsável por uma revolução no e-commerce foi o das lojas menores, juntas.

Antes da pandemia acertar em cheio o planeta inteiro, a loja do seu quarteirão vendia suas mercadorias para moradores dos entornos. Quando muito aceitava uma ligação para alguém passar por lá e levar o que escolheu pelo telefone – ou e-mail. O mesmo cenário existe para comida, mesmo durante o começo da escalada de acessos com aplicativos de entrega, como iFood, Rappi, Uber Eats e outros.

A partir de março de 2020 muitas destas lojas fecharam, os comerciantes viram suas portas baixarem e o faturamento até poderia segurar os poucos dias sem a freguesia, mas eles viraram semanas, meses e já estamos há mais de um ano sem o mesmo movimento. Não deu certo para uma quantidade grande de negócios, mas outros conseguiram olhar para a internet e encontraram no marketplace uma forma de ter a entrada aberta mais uma vez, indo até para um mercado muito maior e espalhado pelo país inteiro.

Lojas fechadas (Imagem: André Fogaça/Tecnoblog)
Lojas fechadas (Imagem: André Fogaça/Tecnoblog)

A Ebit/Nielsen notou este movimento já no primeiro semestre de 2020, quando mais de sete milhões de usuários fizeram sua primeira compra em varejo online. Trazendo para um momento anterior, essa quantidade de pessoas comprando online é quase o somatório de 2019 inteiro.

“O pequeno varejista foi pego de surpresa (…), em um momento de crise onde ele estava fragilizado financeiramente. Num momento de desespero, onde seu principal canal deixa de existir, obviamente o menor (negócio) vai procurar qual é o elo mais rápido e mais fácil. É aí onde vem o marketplace e foi por isso que grande parte deles, no ano de 2020, registrou crescimento maior que 100%”, comenta Felipe Dellacqua, sócio e vice-presidente de vendas da VTEX, ao Tecnoblog

Em alguns destes negócios o WhatsApp chegou a ser ferramenta para o atendimento, mas não com a mesma eficácia e alcance do marketplace oferecidos por grandes players por aqui, como Magazine Luiza, Amazon, Via (antes como Via Varejo), B2W e Mercado Livre. Para Gastão Mattos, conselheiro da Câmara Brasileira de Economia Digital, estes grandes grupos também funcionaram como divulgadores da pequena loja para outros públicos.

Diáspora para o marketplace

O marketplace funciona como terceirização da parte “vou vender na internet”, integrando até mesmo soluções de logística em uma única plataforma. Se você viveu os momentos anteriores aos da internet no Brasil, essa experiência seria como uma evolução para os comércios com anúncios em jornais de bairro ou mesmo da cidade. A diferença por aqui é que este jornal da analogia também processa o pagamento e faz parte ou todo o envio, com alguns trabalhando também com os produtos dentro do próprio centro de distribuição.

Centro de distribuição (Imagem: Divulgação/Amazon)
Centro de distribuição (Imagem: Divulgação/Amazon)

Desta forma é mais fácil para o pequeno negócio entrar em um marketplace, mesmo que concorrente de seu próprio produto, do que tentar brigar com ele na venda online. “Antigamente não tinha como você vender televisor e brigar com a Magalu, ou então ter uma loja de confecção e disputar espaço com a Dafiti ou com a C&A”, comenta Gastão Mattos.

A Amazon expandiu seu negócio no Brasil apostando inicialmente somente neste modelo, que passou a ser mais apreciado por outros concorrentes como o grupo B2W, Via e mais recentemente o Magazine Luiza. Outras plataformas mais nichadas também notaram este crescimento, como é o caso do Elo7, para artesãos.

“Você acessa um mercado que se você estivesse em um mercado físico, você não alcançaria. As fronteiras geográficas são quebradas. O vendedor vai encontrando o lugar dele sem o comprometimento de um custo fixo mensal”, diz Carlos Curioni, CEO do Elo7.

Durante o ano de 2020 as grandes redes também perceberam o crescimento deste mercado. É o caso da Via, que reportou um aumento de mais de cinco vezes no número de vendedores cadastrados em sua plataforma. O grupo responsável por Casas Bahia, Extra e Ponto passou de 5 mil lojas em sua plataforma de marketplace ao final de 2019 para 26 mil no primeiro trimestre de 2021.

Ecommerce com marketplace (Imagem: coffeebeanworks/Pixabay)
Ecommerce com marketplace (Imagem: coffeebeanworks/Pixabay)

O número maior de vendedores dentro da plataforma não significou saturação em oferta, já que a demanda seguiu no mesmo passo e resultou em crescimento de 124% no total de vendas online entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período deste ano na Via. Só no primeiro semestre, o dinheiro circulando pelos marketplaces aumentou em 56%, para R$ 30 bilhões, quando comparado com o mesmo período de 2019.

Ao Tecnoblog, Helisson Lemos, CDO da Via, pontua: “Nosso marketplace tem crescido em nível de três dígitos tanto em qualidade quanto em quantidade. Empreendedores de vários segmentos, mesmo de varejo offline, começaram a vender em marketplace para manter suas operações e passar por essa fase complicada”.

O Elo7, mesmo sendo menor, também viu seu número de artesãos subir durante a pandemia. “Em alguns meses a gente quase dobrou o número de novos vendedores. O crescimento médio era de 40%, passando a ser um crescimento desproporcional comparando o período de maio a maio do ano anterior”, diz Carlos Curioni.

Tanto Carlos Curioni quanto Helisson Lemos acreditam que este crescimento seguirá existindo de alguma forma, mesmo sem o catalisador representado pelos picos da pandemia de COVID-19. A comodidade para o comprador, aliada ao custo baixo e maior possibilidade de venda para o pequeno e médio negócios, são motivos suficientes para que em um momento de reabertura de lojas as vendas em marketplace continuem presentes nestes locais.

Esperança para crescer mais em 2021

Ecommerce deve crescer mais em 2021 (Imagem: Megan_Rexazin/Pixabay)
Ecommerce deve crescer mais em 2021 (Imagem: Megan_Rexazin/Pixabay)

O ano de 2021 começou e, ao menos até o fim do segundo trimestre, a situação no Brasil não melhorou de verdade, o comércio não reabriu como poderia e a internet continua permitindo esse avanço do marketplace, mas até que ponto?

“A gente ainda não tem um grande líder dominador como a Amazon nos Estados Unidos (…) pelos próximos cinco anos, nós teremos algum movimento de consolidação e junção destes grandes grupos de cinco (grupos grandes de marketplace) para três”, diz Felipe Dellacqua, da VTEX.

O executivo também acredita que um passo seguinte no marketplace é a inserção de produtos do cotidiano, como mercado para itens não perecíveis e farmácias. A ideia é fazer o cliente continuar circulando dentro da plataforma em compras recorrentes, principalmente gerando mais tráfego para a empresa.

Além disso, uma grande parte dos consumidores utiliza o marketplace como forma de compra para retirar o produto no comércio. Dellacqua aponta este movimento como o futuro em um cenário sem a pandemia, com os grandes grupos de marketplace aproveitando os pequenos negócios para aumentar o tráfego dentro da loja, como vem fazendo o Mercado Livre.

“Esse é um caminho sem volta. Digamos que a COVID-19 acabe, eu acho que o canal físico vai voltar a ser importante, mas parte do consumidor dele vai continuar percebendo a conveniência de comprar no celular ou aplicativo. Essas coisas vão se juntar cada vez mais misturada”, acredita Gastão Mattos, da Câmara Brasileira de Economia Digital.

Já o CEO do Elo7 aposta no compartilhamento de experiências entre os próprios usuários para manter o crescimento do marketplace, mesmo após o período de isolamento. “Quanto mais pessoas numericamente tendo essa experiência legal no online, acaba gerando um crescimento ainda maior quando comparado ao que a gente já tinha antes [da pandemia]”, comenta Curioni. . “A maturidade das pessoas e do serviço das empresas, a capacidade de volume, logística com investimento pesado nos últimos anos, tudo isso ajuda para que a experiência do comprador seja boa para ele voltar ao canal”, acrescenta.

Marketplace (Imagem: Mohamed Hassan/Pixabay)
Marketplace (Imagem: Mohamed Hassan/Pixabay)

Algumas plataformas utilizam meios próprios para ajudar para este crescimento continuar acontecendo por 2021 e adiante. O Elo7 aposta na capacitação dos vendedores com cursos mais complexos, evoluindo para além das cartilhas e ebooks já oferecidos pela plataforma de artesãos. Já a Via passou a incluir seu crediário (o carnê) dentro deste tipo de negócio, além de incluir bônus aos funcionários de acordo com o volume de vendas online.

Se o marketplace foi lembrado como forma de salvar o pequeno e médio negócio, está claro que a presença dele será ainda mais difundida dentro do lojista mais tradicional, seja pelo uso de tantos metros quadrados de endereços com uma espécie de inventário de todo o sistema, seja pelo fim da divisão entre a parte virtual e a física da própria loja.

Este cenário parece muito para frente, mas já está nos planos da Via, que já planeja inserir os dados do lojista do marketplace dentro do sistema das lojas físicas Casas Bahia e Ponto.

O marketplace fez o grande lojista crescer e este grande fez o pequeno sobreviver.

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André Fogaça

André Fogaça

Ex-autor

André Fogaça é jornalista e escreve sobre tecnologia há mais de uma década. Cobriu grandes eventos nacionais e internacionais neste período, como CES, Computex, MWC e WWDC. Foi autor no Tecnoblog entre 2018 e 2021, e editor do Meio Bit, além de colecionar passagens por outros veículos especializados.

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