Por que lojas da China enviam “sementes misteriosas” ao Brasil

Entenda como funciona o suposto esquema fraudulento de envio de sementes misteriosas e outros objetos aos consumidores brasileiros

Darlan Helder
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• Atualizado há 1 ano
Sementes misteriosas que chegaram ao Brasil (Imagem: Divulgação/Mapa)
Sementes misteriosas que chegaram ao Brasil (Imagem: Divulgação/Mapa)

Pacotes com sementes misteriosas têm chegado ao Brasil sozinhos ou acompanhados de outros produtos adquiridos em e-commerces chineses. Ao menos 258 casos de recebimentos não solicitados foram registrados em 24 estados brasileiros, mostra um recente levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A prática ganhou repercussão nos últimos dias e gerou um alerta para o risco de contaminação. Ainda não sabe o motivo pelo qual essas sementes têm chegado aos lares brasileiros, entretanto, autoridades já trabalham com a possibilidade de a prática fazer parte de um esquema fraudulento conhecido como brushing.

Brushing pode explicar o envio de sementes misteriosas

Funciona assim: um lojista de marketplace obtém — muitas vezes de forma ilegal — seus dados pessoais. Com essas informações em mãos, eles realizam compras falsas em seu nome e fazem o envio de sementes ou objetos de pouco valor. O objetivo deles é aumentar a reputação dentro de gigantes do comércio eletrônico, como Amazon, Alibaba, Ebay, entre outros, e, assim, ganhar mais visibilidade com novos clientes.

Ao enviar o produto, as lojas possuem o código de rastreio. Quando o suposto item consta como entregue ao destinatário, o lojista, então, faz a avaliação positiva e a empresa responsável pelo marketplace entende que está tudo certo.

“Ainda há outras variações envolvidas como enviar um produto adicional ao que o comprador pediu com o objetivo de obter uma melhor avaliação”, diz Arthur Igreja, professor convidado da FGV e especialista em Inovação e Tecnologia, em entrevista ao Tecnoblog.

“Um ponto negativo envolve consumidores que não pediram os produtos e estão recebendo. E é isso que está acontecendo no Brasil. Isso pode evidenciar um vazamento de dados, pois é possível conseguir endereço, nome completo e e-mail dos consumidores”.

Sementes (Imagem: Unsplash/Joshua Lanzarini)
Sementes (Imagem: Unsplash/Joshua Lanzarini)

As fraudes de brushing ganharam repercussão em 2015, quando o jornal norte-americano Wall Street Journal denunciou a ilegalidade dentro da gigante chinesa Alibaba.

No entanto, essa prática não surgiu recentemente. “Brushing existe há pelo menos 18 anos”, explica Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética (Abraseci), ao Tecnoblog.

“As técnicas de brushing vêm se atualizando, conforme os mecanismos de avaliação de lojistas avançam, buscando evitar novas fraudes: eleva-se o patamar de antifraude, e logo os fraudadores também elevam suas estratégias. É como neste mais recente caso das sementes, que, pelo baixo custo, peso e volume, conseguem oferecer uma boa versatilidade de postagem para que os lojistas fraudadores possam cumprir as exigências dos marketplaces”.

De acordo com o Ministério da Agricultura, quase 34 mil pacotes com sementes e outros itens foram interceptados no primeiro semestre deste ano. A pasta fala em 26.111 destruições, 2.383 devoluções/retornos ao remetente e 5.240 liberações.

Durante esse período em que sementes misteriosas ganharam ainda mais destaque no Brasil, um levantamento feito pelas autoridades brasileiras mostra que Santa Catarina é o estado com o maior número de casos (39), em seguida aparecem o Rio Grande do Sul (32), Paraná (32), Rio de Janeiro (28) e Goiás (18).

Além do Brasil, casos foram reportados nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Portugal.

O Brasil na mira dos e-commerces chineses

Porto com containers empilhados (Imagem: Pexels/Samuel Wölfl)
Porto com containers empilhados (Imagem: Pexels/Samuel Wölfl)

O Brasil desperta muito interesse de e-commerces chineses. Tanto é que, com a pandemia do coronavírus, muitas dessas empresas passaram a investir em logística mais ágil para reduzir o prazo de entrega. Em junho deste ano, os Correios do Brasil e da China fizeram um acordo para acelerar os envios mesmo durante a crise.

Um estudo do Ebanx revela que AliExpress e Wish são as plataformas preferidas dos brasileiros para compras internacionais. As categorias mais buscadas nesses sites são eletrônicos, vestuário e itens de beleza, respectivamente.

“O Brasil é um grande consumidor de produtos nessas plataformas, estando entre os países que mais compram. Muitas pessoas compram de site chinês e diversas plataformas precisam se posicionar melhor. E não por coincidência, mas o brushing tem acontecido em países que têm a maior massa de compradores no ambiente online”, afirma Igreja.

Cuidados ao receber os pacotes

As autoridades locais não recomendam o plantio dessas sementes nem o descarte no lixo comum. Caso receba pacotes com sementes, o consumidor deve encaminhá-los imediatamente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou em uma entidade estadual de agricultura.

Para evitar que os seus dados vazem na internet, é importante que o consumidor utilize sites confiáveis e não forneça os seus dados para qualquer site ou aplicativo, ou formulário eletrônico, mantendo assim o controle das suas informações. Caso seja possível identificar a plataforma responsável pela intermediação da compra realizada pelo praticante do brushing, é possível notificar essa plataforma e solicitar a exclusão de seus dados”, orienta Alan Thomaz, advogado especialista em Direito Digital.

O Tecnoblog procurou a Embaixada da China no Brasil, mas não obtivemos retorno até a publicação desta reportagem.

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Darlan Helder

Darlan Helder

Ex-autor

Darlan Helder é jornalista e escreve sobre tecnologia desde 2019. Já analisou mais de 200 produtos, de smartphones e TVs a fones de ouvido e lâmpadas inteligentes. Também cobriu eventos de gigantes do setor, como Apple, Samsung, Motorola, LG, Xiaomi, Google, MediaTek, dentre outras. No Tecnoblog, foi autor entre 2020 e 2022. Ganhou menção honrosa no 15º Prêmio SAE de Jornalismo 2021 com a reportagem "Onde estão os carros autônomos que nos prometeram?", publicada no Tecnoblog. 

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