Um estudo indica: os pais precisam ter mais cuidado com fotos dos filhos na internet

A pesquisa mostra que as crianças podem ficar incomodadas com essas imagens e com a forma como os pais usam a tecnologia

Emerson Alecrim
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• Atualizado há 1 ano
Criança no laptop

Além de selfies, fotos de comida, “bons drink” (sic) e gatos. Creio que esses sãos os tipos de imagens que mais postamos nas redes sociais. Na verdade, há outra categoria bastante popular: fotos de crianças. Muitos pais adoram postar fotos dos filhos em todas as fases de crescimento, nas mais diversas situações. Um hábito inocente e cercado de graciosidade, certo? Normalmente, sim. Só que é bom saber dosar: um estudo aponta que as crianças podem acabar não gostando dessas imagens no futuro.

A combinação de fotografia digital com redes sociais apenas reforçou um comportamento típico dos pais, sejam eles marinheiros de primeira viagem ou não. Os álbuns de fotos da minha família guardam dezenas de imagens de várias fases da minha infância feitas, na maioria das vezes, com filmes fotográficos de 12, 24 ou 36 poses, o mesmo valendo para meus irmãos e primos. Se você tem mais de 20 anos, provavelmente também possui um bocado de fotografias assim.

Eu nunca me incomodei com essas fotos e até hoje guardo muitas delas com cuidado. Mas lembro de uma fase de exceção na minha adolescência: eu não conseguia esconder meu constrangimento quando minha mãe mostrava os álbuns para as visitas. Em 99% das fotos não havia nada de especial. Mas aquele 1% em que eu apareço, por exemplo, com uns cinco anos de idade tentando imitar o Superman com uma toalha sem me dar conta de que eu deveria estar vestindo pelo menos uma peça de roupa…

De certa forma, publicar fotos das crianças nas redes sociais é uma extensão desse hábito de mostrar álbuns de fotos para as visitas em casa, mas com um alcance várias vezes maior: em questão de segundos você pode fazer aquela imagem recém-tirada chegar a parentes, amigos ou meros conhecidos, não importa onde eles estão.

Garota com tablet

É agradável registrar os momentos graciosos ou divertidos dos filhos e compartilhar isso com nossos círculos de amizades. Mas mesmo com esse hábito sendo totalmente desprovido de intenções nocivas, não cabe refletir sobre o que as crianças acharão dessas imagens quando elas tiverem idade para discernir sobre as coisas com mais clareza?

O estudo

Esse tipo de questionamento levou um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington e da Universidade de Michigan a investigar o assunto. Eles entrevistaram 249 famílias norte-americanas que têm filhos com idade entre 10 e 17 anos para tentar entender como a junção de redes sociais com tecnologia interfere nas relações deles com os pais. Os resultados trouxeram revelações surpreendentes.

Basicamente, as entrevistas giraram em torno de uma única pergunta às crianças: que regras ligadas ao uso da tecnologia elas queriam que seus pais seguissem?

Note que, obviamente, crianças muito novas não entendem o que está acontecendo, mas aquelas com mais de dez anos que têm acesso a computadores e dispositivos móveis compreendem o ritual: aquela foto que acabou de ser tirada com o celular vai para um lugar que pode ser acessado por outras pessoas.

Mas, muito mais do que isso, essas crianças conseguem identificar comportamentos associados ao uso da tecnologia, tanto que os pesquisadores puderam dividir as respostas ou percepções delas acerca do assunto em sete categorias principais:

– Estar presente: para muitas crianças, há determinadas situações em que a tecnologia não deveria estar presente, como quando elas tentam conversar com os pais;

– Autonomia para elas: os pais deveriam permitir que as crianças tomem suas próprias decisões quanto ao uso da tecnologia;

– Usar com moderação: os pais deveriam moderar o uso de dispositivos eletrônicos, equilibrando essa prática com outras atividades;

– Supervisionar as crianças: regras relacionadas ao uso da tecnologia precisam ser criadas com os pais devendo zelar para que as crianças as cumpram para a segurança delas mesmas;

– Em frente ao volante, não: as crianças são ótimas observadoras. Elas reparam quando o pai ou a mãe pega o celular enquanto dirige ou aguarda o semáforo ficar verde e acham que eles não deveriam fazer isso;

– Sem hipocrisia: os pais deveriam dar o exemplo cumprindo as ordens que dão aos filhos, por exemplo, evitando de olhar o smartphone enquanto almoçam;

– Sem excesso de compartilhamento: em relação a fotos e outras informações pessoais, muitas crianças acham que os pais não deveriam compartilhá-las sem o consentimento delas.

Mãe com smartphone

O ponto de vista de crianças e adolescentes

O último ponto é justamente o que mais chamou atenção dos pesquisadores. Alexis Hiniker, líder do estudo, disse ao New York Times que as respostas revelam uma “desconexão muito interessante”: os filhos com idade entre 10 e 17 anos estavam realmente preocupados sobre como seus pais compartilham detalhes de suas vidas nas redes sociais, enquanto que estes (os pais) não deram muita importância a esse aspecto.

Até que é fácil entender essa inquietação. À medida que as crianças crescem e desenvolvem traços sociais mais expressivos, a preocupação com a própria imagem aumenta. Hiniker cita o relato de uma garota de 15 anos sobre uma colega de escola: os pais desta menina postaram no YouTube um vídeo dela cantando quando ela era mais nova; alguém da turma encontrou a filmagem e, bom, mais tarde a sala toda riu histericamente da descoberta.

Não são muitos os casos que chegam a esse extremo, mesmo assim, Hiniker afirma ter obtido relatos de vários jovens na faixa dos 15 anos que guardam algum tipo de desconforto com fotos publicadas pelos pais em anos anteriores e que se sentem frustrados quando eles repetem essas ações nos dias atuais.

Garoto embaraçado

É óbvio que os pais não agiram — ou agem — com intenção de causa constrangimento ou qualquer outro tipo de aborrecimento aos filhos. O ponto é que o advento das redes sociais surgiu por volta de 2004 e, por isso, só agora é que podemos avaliar os efeitos das publicações de fotos de crianças no longo prazo.

Quando utilizamos as redes sociais, esperamos interações com nossos amigos e parentes na forma de comentários, curtidas, compartilhamentos e afins. Essas ações são recompensas imediatas. O fato de as redes sociais serem moldadas para gerar reações no presente somado à falta de parâmetros prévios de comportamento nesses serviços faz com que não tenhamos margem para pensar nas implicações futuras.

Mais cuidado

Bom, agora é diferente. Pesquisas como essa devem se intensificar, assim como os alertas de autoridades para problemas associados. Um exemplo recente: em fevereiro, a polícia nacional francesa usou o Facebook para orientar pais sobre a necessidade de cuidados sérios com a publicação de fotos dos filhos na internet.

O alerta diz respeito não só ao possível impacto psicológico que as imagens podem ter sobre as crianças no futuro, mas principalmente sobre os riscos de as fotos atraírem pedófilos e outros tipos de criminosos.

Pode parecer um alerta exagerado, mas as autoridades francesas decidiram liberar o alerta após um tipo de postagem ter ganhado bastante popularidade: pais (na maioria esmagadoras das vezes, as mães, na verdade) eram convidados a postar no Facebook três fotos que descrevem o orgulho que eles sentem dos filhos e convidar dez contatos para participar do mesmo “desafio”. Esse tipo de postagem, quando descuidado (mostrando o filho em um uniforme que identifica a sua escola, por exemplo), pode facilitar a localização da criança.

Criança / câmera

Pesquisadores e autoridades não querem interferir no dia a dia das famílias, muito menos usar uma postura acusadora para dizer o que os pais devem ou não fazer. O intuito é apenas alertar para a necessidade de cautela no uso das tecnologias e redes sociais.

Não é necessário, portanto, radicalizar, ou seja, parar de vez de postar fotos dos filhos. Mas convém se cercar de cuidados: restringir as imagens a membros da família ou amigos próximos, não compartilhar fotos demais (todo excesso é ruim, não?) e se perguntar se aquela publicação pode, de alguma forma, constranger a criança quando ela for mais velha são ótimas medidas.

Há ainda o aspecto educativo: se os pais demonstram cuidado desde cedo, a criança provavelmente aprenderá mais rapidamente a ser cautelosa nas redes sociais quando ela estiver acessando esses serviços sozinha.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

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