Por que eu voltei a fazer listas de tarefas no papel

Soa como uma afronta à tecnologia que temos hoje, mas às vezes a solução mais simples é a melhor

Emerson Alecrim
Por
• Atualizado há 9 meses
Papel e caneta

No Tecnocast 048, eu comentei que consegui melhorar a minha organização anotando os compromissos da semana em um caderno. Algumas pessoas, surpresas, entraram em contato comigo: por que usar papel e caneta se estamos tão bem servidos de ferramentas de gerenciamento de tarefas? E estamos mesmo. Por isso, achei que seria uma boa ideia explicar melhor essa história.

Lembre-se do leite

Por um bom tempo, eu resisti à ideia de usar agenda ou caderno. Mas a vida tentava me tornar adulto de todas as formas: com deveres da faculdade, compromissos do trabalho, contas para pagar, enfim. Eu precisava dar conta de tudo e mais um pouco.

Por volta de 2008, eu usava o Elefante (lembra dele?), depois passei para o Remember the Milk (e esse?). Ao menos para a época, esses serviços funcionavam bem, mas eu não tinha acesso à internet a todo momento, então tive que manter uma agenda de papel (um caderninho bem simples, na verdade) por perto para consultar os compromissos quando eu estava na rua.

Funcionava bem. A parte mais interessante é que, depois de anotar as tarefas à mão, eu as memorizava facilmente. Na maioria das vezes, eu não tinha que consultar o caderninho novamente. O problema é que, por conta disso, eu comecei a achar que não precisava de uma agenda.

O caderninho acabou ficando de lado, afinal, eu não poderia desperdiçar essa bela memória (quanta inocência). De fato, mesmo sem agenda, eu me lembrava de quase todos os compromissos. O problema é que lembrar deles não implicava diretamente em cumprí-los. Não era incomum eu executar tarefas em cima da hora ou mesmo pedir mais prazo. Assim como meus amigos, joguei a culpa por essa atribulação toda no “caos da vida moderna”.

Remember the Milk em meados de 2012
Remember the Milk em meados de 2012

A situação melhorou um pouco com o meu primeiro smartphone, um Nokia E71. O aparelho não fazia milagres e, pensando bem, não era tão prático assim. Mas era tão legal ter um dispositivo que funcionava melhor que agendas eletrônicas e PDAs que eu anotava coisas nele com afinco.

Bom, pelo menos por um tempo. Sabe quando a criança ganha um brinquedo bem bacana, fica toda empolgada, mas depois deixa o presente de lado? Aconteceu algo mais ou menos assim. Eu continuava usando o E71 para tudo, menos para listar tarefas e agendar compromissos, olha só.

Aí veio a primeira troca de smartphone. Eu cheguei chegando no mundo do Android. Mais ou menos naquela época, eu também comecei a usar o Evernote. Até então, eu fazia anotações no Google Notebook (no Brasil, Google Notas), mas o serviço tinha sido descontinuado. Tive que mudar para o Evernote. Ao fazê-lo, finalmente passei a usar sincronização: que maravilha fazer uma nota no smartphone e acessá-la mais tarde no PC (e vice-versa).

Uso o Evernote até hoje, mas não mais para listar tarefas. Eu estava me atrapalhando porque não conseguia definir prioridades, então resolvi recorrer a uma ferramenta especializada. Testei algumas opções bem interessantes: Any.do, Astrid (legalzinho, mas foi comprado pelo Yahoo e descontinuado em 2013), GTasks, TickTick (dos criadores do GTasks), até que parei no Wunderlist.

Leve, fácil de usar, multiplataforma, notificações, organização por hashtags, prioridades, funções de compartilhamento, enfim, eu havia encontrado a ferramenta perfeita. Tão perfeita que eu passei a usar o Wunderlist demais.

Wunderlist
Wunderlist

A bola de neve vai te pegar

Eis o resultado: mesmo realizando várias atividades por dia, sempre sobravam tarefas. Eu estava cada vez mais ocupado. Virei o cara da produtividade como religião, mesmo assim não conseguia dar conta de tudo. Chegou uma hora em que eu até evitava abrir o Wunderlist, tamanha era a frustração de encontrar tantos itens pendentes.

Para piorar a situação, eu comecei a procrastinar. A gente sempre enrola um pouco, mas ali a coisa estava tomando proporções sérias. Não era preguiça ou desânimo: era o cérebro tentando me proteger. Se uma bola de neve que não para de crescer está rolando na sua direção, você corre.

Mais cedo ou mais tarde aquela bola te pega, por isso, eu tinha que descobrir como destruí-la. Pesquisando sobre o assunto, percebi que eu estava usando o Wunderlist de maneira errada. Não era um problema de ordem tecnológica, como eu pensava.

Para começar, eu não criava tarefas demais. Acontece que eu definia muitas atividades para serem executadas em poucos dias. Eu achava que, por estar listando tudo em uma ferramenta moderna e inteligente, estava ganhando tempo. Na verdade, a minha preocupação em organizar tudo com auxílio da tecnologia tomava boa parte do meu tempo sem eu perceber.

OH GOD
OH GOD

Outro erro grave: eu criava um item só para uma tarefa grande. Não foi o meu caso, mas, para facilitar a compreensão, imagine como exemplo organizar uma viagem. É necessário procurar passagens, definir roteiro, reservar hospedagem e por aí vai. São várias tarefas, logo, o ideal é criar um item na lista para cada uma delas, não colocar tudo dentro de “organizar viagem”.

A merda de agir assim é que você acaba executando atividades pequenas para evitar as grandes. Não raramente, essas tarefas menores são menos importantes, mas como elas também exigem dedicação, você fica com a impressão de que está muito ocupado, mesmo porque as atividades grandes ainda estão lá, pendentes. Não é que faltavam horas no meu dia. Esse exercício inconsciente de autossabotagem é que me fazia gastar o tempo de modo ineficiente.

Volta aqui, caderno

Eu tive então que rever toda a minha lista de tarefas. Isso tem cerca de um ano. Naquela época, por coincidência, o jornalista Seth Porges publicou uma matéria no Bloomberg dizendo que as listas de tarefas estão matando a nossa produtividade. Ali, encontrei algumas recomendações, como dividir itens grandes em tarefas menores. Bingo! Outra: escreva a lista à mão. Como é?!

O texto cita o professor de ciências psicológicas Bennett Bertenthal, da Universidade de Indiana, que explica que a escrita manual envolve várias áreas do cérebro, o que acaba reforçando a memória. Resolvi testar, até porque, nas coletivas de imprensa, eu anoto tudo em papel. Sempre funcionou melhor do que criar notas no Evernote.

Peguei um caderninho, mas passei a escrever nele só as tarefas mais importantes. Levei algumas semanas para transformar isso em hábito, mas deu certo. Eu não precisava do papel para lembrar da tarefa, mas quando eu a colocava lá, a executava. Não deixava atividades menos relevantes entrarem na frente.

A letra não precisa ser bonita, mas você deve entender o que escreve, é lógico
A letra não precisa ser bonita, mas você deve entender o que escreve, é lógico

Esse “retorno” ao papel e caneta tem sido alvo de vários estudos, tanto que eu escrevi sobre o assunto aqui no Tecnoblog mais tarde. Embora o texto trate da escrita à mão como prática importante para o aprendizado, depois da publicação, eu resolvi reforçar o uso do caderno para as tarefas importantes, mas com duas diferenças: passei, de fato, a dividir as atividades grandes e a só marcar aquelas que devem ser realizadas durante a semana.

Funciona bem até hoje. Para o cérebro, o presente é o que interessa. Se a mente entender que algo é importante de verdade, você sentirá o ímpeto de resolver aquele assunto agora. Às vezes esse agora é um momento bem inconveniente: quem nunca ficou acordado de madrugada pensando em alguma ideia ou pendência?

Escrevendo à mão, de alguma forma o cérebro entende que aquela tarefa é realmente importante, o que te fará tratar do assunto com a devida prioridade. Não nego que às vezes bate uma preguiça, mas, de modo geral, eu já acordo sabendo o que fazer e, o mais importante, com vontade de fazer. Mó legal a sensação de dever cumprido.

Nesse ponto, trabalhar com uma quantidade pequena de deveres faz diferença. Se houver atividades demais, provavelmente você entrará em parafuso, pois o cérebro entenderá que tudo ali deve ser resolvido o quanto antes. Daí bate aquele desespero.

Se o app funciona, continue com ele

Ainda uso o Wunderlist, mas para listar ideias e tarefas não muito importantes
Ainda uso o Wunderlist, mas para listar ideias e tarefas não muito importantes

Pelamor, não pense que estou dizendo que todo mundo deve voltar ao papel. Para muita gente, os apps de tarefas são a melhor invenção do mundo. Aqui no Tecnoblog, por exemplo, o Paulo Higa e o Thiago Mobilon se dão bem com o Todoist. De fato, a ferramenta tem recursos para projetos, metas, monitoramento e afins que não só funcionam como servem de estímulo. Eu mesmo continuo com o Wunderlist, só que para tarefas pouco importantes ou com prazo grande.

Se os aplicativos especializados estão funcionando bem para você, ótimo. Se não, tente o papel antes de voltar à busca do app perfeito. Não há garantias de que vai dar certo, mas tente. Teste pra valer. Eu aprendi do jeito mais difícil que, às vezes, a solução mais simples é a mais eficiente.

Para quem quiser algo um pouquinho mais funcional, fica a dica: pesquise por bullet journal. Trata-se de uma técnica bem simples que usa símbolos para organizar as tarefas no papel (também há apps baseados no método). Tem gente se virando muito bem com essa ideia.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

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