O levante das gigantes de tecnologia contra a política de Trump para refugiados

Trump assinou um decreto que impede a entrada de refugiados e imigrantes de alguns países muçulmanos nos Estados Unidos. Mas o Vale do Silício está disposto a combater a medida.

Emerson Alecrim
Por
• Atualizado há 11 meses
Protesto - aeroporto

Em uma de suas primeiras ações como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump decretou, na última sexta-feira (27), o bloqueio das fronteiras do país para imigrantes de sete nações de maioria muçulmana e para refugiados do mundo todo. Como esperado, manifestações contrárias à decisão não tardaram a surgir. Chama atenção, porém, o fato de boa parte delas vir de gigantes de tecnologia.

O bloqueio passou a vigorar imediatamente após o anúncio e vale por 120 dias para todos os refugiados — ou, se estes forem sírios, por tempo indeterminado. Para qualquer cidadão dos seguintes países, a proibição é de 90 dias: Iêmen, Iraque, Irã, Líbia, Síria, Somália e Sudão.

A medida faz parte das promessas eleitorais de Trump, que a defende sob o argumento da segurança. O texto do decreto afirma que o objetivo é proteger os cidadãos dos Estados Unidos de ataques de estrangeiros admitidos no país. O texto lembra até que parte dos terroristas dos atendados de 11 de Setembro tinha vistos legítimos.

Para Trump, a melhor forma de evitar ataques perpetrados por estrangeiros que não simpatizam com os Estados Unidos é aperfeiçoando os processos e os sistemas de admissão. O bloqueio temporário é apontado pela Casa Branca como uma solução até os ajustes necessários para isso serem concluídos.

Donald Trump

Mas não é tão simples assim. Para muita gente, incluindo norte-americanos, essa decisão tem contexto preconceituoso e discriminatório, e pode ser, junto com o decreto que determina a construção de um muro na fronteira com o México, o início de uma série de ações que visa deixar os Estados Unidos menos receptivos a estrangeiros. Com efeito, isso pode fortalecer a intolerância.

Para as empresas de tecnologia norte-americanas, esse problema é particularmente preocupante. A maioria esmagadora delas tem funcionários estrangeiros, inclusive em cargos de liderança.

O cenário em que estrangeiros são impedidos de ingressar ou mesmo de permanecer nos Estados Unidos sob justificativas questionáveis pode afetar seriamente as operações dessas companhias. Há também o lado humano, é claro, mesmo porque valores ligados à não discriminação por aspectos religiosos, sexuais, raça ou origem fazem parte da cultura de muitas dessas empresas.

Não é por acaso que os líderes de várias das gigantes da tecnologia se manifestaram a respeito.

Facebook

Um dos primeiros foi Mark Zuckerberg. Em post publicado no Facebook na quinta-feira, ele ressalta que seus avós vieram da Alemanha, da Áustria e da Polônia, e que os pais de sua esposa (Priscilla Chan) chegaram aos Estados Unidos como refugiados da China e do Vietnã.

Priscilla Chan e Mark Zuckerberg

Priscilla Chan e Mark Zuckerberg

Para Zuckerberg, os esforços para manter a segurança dos Estados Unidos são válidos, desde que sejam concentrados em quem realmente representa ameaça. “Os Estados Unidos são uma nação de imigrantes e devemos nos orgulhar disso”, ressalta.

Google

Sundar Pichai, atual CEO da Google, foi outro que não tardou a se manifestar. Ele é de origem indiana. Em carta enviada aos funcionários da companhia, o executivo pede que aqueles que estiverem no exterior voltem imediatamente aos Estados Unidos.

Sundar Pichai

Sundar Pichai

Publicamente, o Google afirma: “estamos preocupados com o impacto dessa medida e de qualquer outra proposta que possa impor restrições aos trabalhadores do Google e suas famílias, assim como criar barreiras para a vinda de grandes talentos para os Estados Unidos”. Pelo menos 100 funcionários podem ser afetados diretamente, segundo as estimativas da companhia.

Sergey Brin, um dos fundadores do Google, também se manifestou. Pegando todo mundo de surpresa, ele compareceu brevemente a um protesto realizado no aeroporto de San Francisco, no sábado. “Estou aqui porque sou um refugiado a mais”, disse. Brin nasceu na Rússia.

Sergey Brin em protesto

Microsoft

O CEO da Microsoft Satya Nadella, também um imigrante de origem indiana, prometeu em comunicado interno dar a todos os funcionários estrangeiros prejudicados pela medida de Trump apoio financeiro, jurídico e moral.

Brad Smith, líder da área de assuntos corporativos, externos e jurídicos da Microsoft, estima que 76 empregados podem ser afetados diretamente. Todos eles têm origem em algum dos países restringidos (Iêmen, Iraque, Irã, Líbia, Síria, Somália e Sudão, relembrando).

Satya Nadella

Satya Nadella

A nota também foi publicada no LinkedIn. Ali, Nadella explica que, como estrangeiro e líder da companhia, “viu o impacto positivo que a imigração tem sobre nossa empresa, para o país e para o mundo”.

LinkedIn

Falando em LinkedIn, a rede social divulgou no domingo (29) a abertura do Welcome Talent nos Estados Unidos. Trata-se de um programa criado no ano passado para ajudar refugiados e estrangeiros recém-chegados a encontrarem oportunidades de estágio ou emprego no novo país.

O LinkedIn afirma ainda que os seus mais de 30 escritórios nos Estados Unidos desenvolverão programas que ajudarão refugiados a obterem treinamento e as ferramentas necessárias para encontrarem empregos que amam.

É uma resposta à Trump na forma de serviço.

Airbnb

Também na oferta de serviços vem a reação do Airbnb. Brian Chesky, cofundador e CEO da empresa, disse no Twitter que “portas abertas unem a todos nos Estados Unidos e que o fechamento delas divide o país”.

Em seu perfil no Facebook, Chesky completou o seu posicionamento dizendo que o Airbnb vai ajudar residentes nos Estados Unidos que, após visitarem seu país de origem, forem impedidos de retornar. “Temos três milhões de casas à disposição. Alguma coisa podemos fazer”.

Aqueles que quiserem ajudar a oferecer acomodação gratuita a refugiados e outras pessoas afetadas pelo decreto podem encontrar orientação nesta página.

Netflix

A Netflix é uma empresa que se tornou mundial não tem muito tempo. Faz parte da estratégia da companhia até mesmo promover a produção de conteúdo original em diversos países. É uma forma de se regionalizar e, ao mesmo tempo, aumentar o seu acervo exclusivo. Para Reed Hastings, porém, a medida pode prejudicar seriamente esse modus operandi.

Em uma curta nota em seu perfil no Facebook, o fundador da Netflix disse que as ações de Trump estrão afetando funcionários da empresa em todo o mundo. “Isso é tão antiamericano que dói em todos nós”.

Apple

Tim Cook, como CEO da Apple, também optou por enviar um comunicado aos funcionários da companhia. Na nota, ele diz que compartilha das preocupações sobre o assunto e que a decisão de Trump não é uma política que a empresa apoia.

Mas, em relação à Apple, é a divulgação massiva de fotos de Steve Jobs nas redes sociais que mais tem chamado atenção — as imagens reforçam que os Estados Unidos são um país de misturas. Junto às fotos está a explicação: o pai biológico de Jobs, Abdulfattah John Jandali, chegou aos Estados Unidos como refugiado da Síria (olha só) na década de 1950.

Jobs - syrian immigrant

#DeleteUber

Várias outras companhias do setor estão se manifestando, como Twitter, Amazon e Uber. Mas, no caso desta última, há uma controvérsia (para variar). Travis Kalanick, CEO da empresa, disse que a decisão pode afetar muitos motoristas do serviço e que, por isso, está considerando compensar financeiramente aqueles que tiverem algum tipo de transtorno por conta disso.

Até aí, tudo bem. Só que, durante os protestos contra a medida no aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, o Uber continuou funcionando — inclusive com desativação do preço dinâmico para estimular o uso — enquanto taxistas permaneciam de braços cruzados para apoiar o movimento.

Muita gente viu a decisão de continuar as atividades como oportunismo, razão pela qual o Uber está sendo bastante criticado. Há até uma campanha de boicote à empresa que está sendo promovida nas redes sociais com a hashtag #DeleteUber.

DeleteUber

O fato de Kalanick fazer parte do grupo de empresários que está assessorando Trump é outra razão para a campanha contra a empresa.

* * *

É claro que não são só empresas de tecnologia que estão se manifestando sobre o assunto. Indivíduos, grupos e instituições ligadas aos mais diversos ramos de atividade também estão protestando contra a medida de Trump.

Veja também: Um mundo sem imigrantes, sem refugiados e… sem inovações na ciência e tecnologia

Mas as companhias de tecnologia, pela forte atuação que possuem na internet, conseguem expor as consequências de uma decisão como essa de uma maneira mais eficiente, digamos assim — o recado chega a mais gente e em grande velocidade.

Está certo que para a maioria dessas gigantes há grande preocupação com a continuidade de suas operações. Mas isso não invalida as suas reações. A tecnologia tem sido uma importante arma de inclusão social e política, por isso, é mais do que razoável que players que respondem por esse ecossistema se posicionem sobre algo que pode afetar a vida de tantas pessoas que eles alcançam, entre usuários e funcionários.

Receba mais sobre Donald Trump na sua caixa de entrada

* ao se inscrever você aceita a nossa política de privacidade
Newsletter
Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.

Canal Exclusivo

Relacionados