Anime nos anos 90: não, não temos saudade dessa época

Ver anime nos anos 90 era realmente melhor? Que tal esperar um mês para receber uma fita com novos episódios por correio?

Felipe Vinha
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• Atualizado há 11 meses
Animes nos anos 90 X Animes de hoje em dia (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)
Animes nos anos 90 X Animes de hoje em dia (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

O ato de pegar o controle remoto, ligar seu serviço de streaming favorito e decidir qual filme quer ver já é corriqueiro. Mas nem sempre foi assim. A tecnologia facilitou bastante o acesso, a quem pode pagar, mas certos tipos de entretenimento percorreram um caminho mais tortuoso na evolução da tecnologia – animes, por exemplo, ainda são muito “jovens” em termos de expansão e acessibilidade. E há um longo caminho pela frente.

Ver anime antigamente podia ser uma missão difícil. Internet não existia, ao menos não de forma ampla. Tentar baixar qualquer coisa poderia levar dias e serviços de streaming eram realidade distante, bem distante. Então como podemos ter saudades desta época? Peraí, você se lembra mesmo dos animes que vinham em VHS e legendados por fãs?

Lembra quando os animes vinham em VHS de fãs? Pois é... (Imagem: Reprodução)
Lembra quando os animes vinham em VHS de fãs? Pois é… (Imagem: Reprodução)

Falaremos mais deles, já, já…

É muito comum ver posts nostálgicos na Internet, falando sobre como era bom o tempo em que íamos na locadora e passávamos horas escolhendo o filme do final do semana, ou quando alugávamos um jogo de videogame para devolver só na segunda-feira. E… Bem, na verdade isso não era tão legal, não. Ao menos não como imaginamos. Sempre faltam detalhes inoportunos, graças à nossa memória afetiva.

O sentimento nostálgico pode ser algo que nos agrade e nos dê algum conforto de “épocas mais simples”, mas na verdade, naquela época antiga, muitas coisas eram mais difíceis e inacessíveis para quem gostava de desenhos japoneses. E é essa a ótica que quero trazer para toda a discussão envolvendo o “antigamente era melhor”.

Quando isso aqui tudo era mato

Falar sobre essas experiências mais antigas pode nos levar a um tentador caminho de só ficar divagando sobre como era nossa realidade. Mas este texto também serve para apresentar a realidade de que animes, por mais que sejam um mercado de entretenimento como qualquer outro, vivem sua própria realidade comercial.

Os animes e programas japoneses em geral chegaram por aqui nos anos 60, com séries como Homem de Aço – não confundir com um certo super-herói de cueca vermelha –, Oitavo Homem e Ás do Espaço. Ao longo dos anos, muitos sucessos eram exibidos na TV, em preto e branco mesmo, a exemplo de Speed Racer e o seriado live-action National Kid.

Speed Racer foi um dos primeiros grandes sucessos no Brasil (Imagem: Divulgação/Tatsunoko)
Speed Racer foi um dos primeiros grandes sucessos no Brasil (Imagem: Divulgação/Tatsunoko)

O “grande momento” dos animes se deu apenas entre os anos 80 e 90, quando a antiga TV Manchete resolveu investir neste tipo de entretenimento de maneira ampla, trazendo alguns dos principais sucessos do Japão e alguns ilustres desconhecidos, que se tornariam hits no Brasil por motivos diversos.

Neste mesmo período, começaram a nascer algumas das primeiras iniciativas de fãs para fomentar a criação de uma comunidade em torno dos desenhos japoneses, ainda que o termo “otaku”, que no Brasil é o equivalente a um fanático por cultura japonesa, só viria a ser usado bem mais para frente. Mas eu já retorno a isto.

Mas, com a ascensão da Manchete, tivemos, por exemplo, a estreia de Os Cavaleiros do Zodíaco, em 1994. Ao lado dos defensores de Atena, diversos outros programas estrearam ou acompanharam o sucesso que já tinham anteriormente, incrementando a audiência e servindo para alavancar venda de brinquedos e produtos licenciados. O mercado parecia lindo e promissor. Já a emissora, com o tempo, definharia.

Com a falência da Rede Manchete, em 1999, muitos espectadores ficaram quase órfãos. Já naquela época a emissora não era mais o bastião dos animes como antigamente. Depois disso, muitas outras tentaram emplacar alguns sucessos e até conseguiram, mas nada foi comparado ao enorme acesso multimarketing que o antigo “canal 6” do Rio de Janeiro obteve.

Maior popularização dos animes veio com a Manchete e Cavaleiros do Zodíaco (Imagem: Divulgação/Toei Animation)
Maior popularização dos animes veio com a Manchete e Cavaleiros do Zodíaco (Imagem: Divulgação/Toei Animation)

E dá para citar aqui: Globo e sua TV Globinho, o BandKids na Bandeirantes, animes na TV fechada, em blocos no Cartoon Network ou no antigo canal Locomotion, que era praticamente só dedicado a isso. Porém, estava tudo no mesmo lugar: a TV. Era preciso estar na hora certa e no lugar certo para ver seu programa favorito e, além de tudo, em alguns casos, pagar a mais para isso.

O lado social do otaku

Foi na década de 60 que um jovem Sérgio Peixoto, hoje com 57, começou a ter contato com os primeiros animes no Brasil, mas sem saber ainda do que se tratava. Anos mais tarde, depois de se formar e conseguir o primeiro emprego, ele conheceria pessoas que mudariam sua vida e transformariam seus círculos sociais, formando talvez o primeiro grupo de “otakus” do país.

Quem não se envolve muito com este tipo de mídia no Brasil com certeza não reconheceu o nome de Peixoto, mas sua história se confunde com a popularização de animes e da cultura otaku no país. Foi ele o criador de uma das principais publicações especializadas da época, a revista Animax, e depois a Anime EX – que, aliás, atualmente está de volta em um financiamento coletivo no Catarse, em formato digital e e semanal.

Clássica Anime EX: no passado e no presente, hoje disponível em formatos digitais (Imagem: Reprodução)
Clássica Anime EX: no passado e no presente, hoje disponível em formatos digitais (Imagem: Reprodução)

“Eu fui o criador do primeiro evento de anime do Brasil e tenho como provar”, me contou, eufórico, em nossa conversa. E de fato tinha mesmo. Peixoto mantém um blog com alguns arquivos, memórias e textos bem informativos sobre desenhos animados japoneses. Lá ele expõe ainda materiais raros, como acetatos originais usados na animação de Cavaleiros do Zodíaco ou uma cópia de documentos de referência da mesma produção, com mais de 20 anos de idade.

Peixoto estudou em um colégio no bairro da Liberdade, em São Paulo, lá por 1975. Naquela época, o bairro japonês era ainda mais japonês, segundo o próprio, com lojas exibindo cartazes totalmente no idioma nipônico, pessoas falando fluentemente pelas ruas. “Era literalmente nossa ‘Japantown’ e eu passava por lá todo dia, na volta da escola”, lembrou.

Depois de formado, trabalhando de office boy pela região, conheceu os principais pontos comerciais e começou a consumir os mangás, que são os quadrinhos japoneses, de onde muitos animes são adaptados. Lá por volta de 1985 teve contato com a Abrademi, Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações, formada dois anos antes e que existe até hoje.

“Nas reuniões da Abrademi eu sugeri fazer uma exibição de vídeos de anime e isso foi acontecer em junho de 86. Organizei e selecionei os desenhos a serem exibidos e tivemos umas 60 pessoas presentes. Foi a primeira exibição oficial pública de anime no Brasil e eu fui o organizador dela”, contou.

A iniciativa de Peixoto foi bem recebida. Ele repetiu a dose em julho do mesmo ano e, depois disso, só aumentou sua participação dentro da Abrademi e promoveu uma série de outras exibições, conforme os anos se passavam. O primeiro grande evento, porém, veio em 1988.

No Sesc Pompeia, iniciativa de Peixoto se concretizou (Imagem: Reprodução/Acervo Pessoal)
No Sesc Pompeia, iniciativa de Peixoto se concretizou (Imagem: Reprodução/Acervo Pessoal)

Depois de sair da Abrademi, Peixoto realizou a Primeira Mostra de Desenhos Animados Japoneses, no Sesc Pompeia, em São Paulo, durando 30 dias. “Este foi o primeiro grande evento no Brasil. Fiz exposição de pôster, tinha exibição de model kit, todos os ingredientes que você tem em um evento”, disse. E claro, entre os ingredientes, as famigeradas exibições de animes.

Exibições públicas: a tecnologia antiga

Da mesma forma que Peixoto, quem era mais bem informado ou tinha algum pouco dinheiro e um círculo social, sabia que existiam as “segundas vias” para ver anime há 20 ou 30 anos. Os eventos eram alguns dos principais acessos, inclusive. Quem tinha acesso a fitas e videocassetes extras para cópias, fazia o serviço em nome da paixão pela socialização e expansão do público.

Tanto que exibições foram um grande filão para atrair público durante anos. De 1999 até 2013, Peixoto e um grupo de amigos realizaram exibições de anime na Gibiteca de SP. “Fiz acho que mais de 600 exibições… Na verdade 600 é um número bem modesto. No começo davam umas 20 ou 30 pessoas, depois comecei a divulgar nas revistas Animax e Anime EX, aí encheu de verdade. Começarmos a ter uma média de 100 pessoas, em alguns casos até 300. Tivemos uns 60 mil visitantes, ao longo de 13 anos”, recordou.

Sérgio Peixoto foi o responsável pelo primeiro evento de anime no Brasil e também pelas primeiras exibições (Imagem: Reprodução)
Sérgio Peixoto foi o responsável pelo primeiro evento de anime no Brasil e também pelas primeiras exibições (Imagem: Reprodução/Acervo Pessoal)

As pessoas saíam de suas casas para aproveitar eventos e encontros e, por muitas vezes, ficavam sentadas o dia inteiro, junto de um monte de desconhecidos, para conferir aquela estreia aguardada ou capítulos inéditos de algum anime que passou no Brasil, mas que jamais chegou na fase mais avançada.

Foi assim também que Peixoto criou o Animecon, a primeira grande iniciativa de evento de anime realmente comercial, igualmente em 1999. Claro que com outros objetivos e atrações, em especial concursos de cosplay e venda de produtos, entre eles fitas VHS, e posteriormente DVDs, com episódios e filmes gravados.

Mas na época o mercado de anime no Brasil, fora das TVs, simplesmente não existia. De onde vinha o material? Era legendado? É aí que entram os fansubbers.

Anime via correios

Fansubber” é o termo usado para grupos de fãs que legendam programas e lançam para outros fãs, normalmente sem fins lucrativos. Existem Fansubbers de séries de todos os tipos, inclusive norte-americanas, mas o termo sempre foi muito associado a desenhos japoneses. E nesta “época áurea” o trabalho dos fansubbers era feito com fitas VHS, mas vinham de fontes diversas.

Áreas cinzas sobre este tipo de produção à parte, eles eram um outro meio de consumo durante a era pré-internet ampla e “pré-pré-pré-pré-streaming”. Grupos como Shin Seiki, Lums-Club e BaC eram alguns dos mais famosos e em plena atividade ali pelo final dos anos 90 e início dos anos 2000, ganhando força a cada novo anime do momento a ser lançado.

Fansubs vendiam fitas em VHS com cópias legendadas dos animes (Imagem: Reprodução)
Fansubs vendiam fitas em VHS com cópias legendadas dos animes (Imagem: Reprodução)

Era uma prática colaborativa, “de fã para fã”, como o jargão comum dizia, totalmente na informalidade. Funcionava da seguinte forma:

  • O grupo tinha acesso ao material original do Japão, com mídias importadas ou revendidas em lojas (normalmente em São Paulo, no bairro da Liberdade, ou vindas diretamente de importadores diversos);
  • As fitas eram reproduzidas, uma legenda era embutida, traduzindo o conteúdo do material;
  • Depois, estas mesmas fitas eram oferecidas em catálogos distribuídos em eventos ou lojas, comercializadas no local ou enviadas via correio.

Dois pontos importantes a se ressaltar: o papo de “fã para fã” era real, na maioria dos casos. Não existia um sistema de monetização. Os Fansubbers cobravam apenas pelo material usado na produção das fitas e custos de envio, sem lucro em cima. Em alguns casos, as pessoas enviavam suas próprias fitas “virgens” para que o clube ou organização realizasse a gravação do anime.

Além disso, dentro do grupo, em outros casos existiam funções bem divididas: o caçador de material, o tradutor de japonês, a pessoa que criava as legendas, o reprodutor de fitas, o criador do karaokê para cada abertura e encerramento, e por aí vai. Em algumas exceções, uma única pessoa ou um grupo menor fazia tudo, mas a tarefa era sempre difícil – tanto de acesso, quanto de reprodução.

Sérgio Peixoto não trabalhou diretamente em um fansubber da época, mas conheceu muita gente que sim, por isso pôde contar alguns detalhes do que viveu de perto no fim dos anos 90 e início dos 2000. “O sonho dourado de todo fansub era ter um aparelho de Laserdisc. Era a primeira meta de qualquer fansub, facilitava muito o trabalho”, relatou.

Laserdisc era o "sonho dourado" de todo fansub (Imagem: Reprodução)
Laserdisc era o “sonho dourado” de todo fansub (Imagem: Reprodução)

O Laserdisc, ou simplesmente LD, foi o primeiro formato de armazenamento com disco óptico para áudio e vídeo que foi lançado ao grande público, ainda no final da década de 70. Eram discos gigantes, que lembravam Vinis, mas que tinham aparência de CD e DVD.

O formato foi extremamente popular na Ásia, o que fez com que quase todos os animes das décadas de 80 ou 90 fossem lançados em LD. Assim, pela qualidade e por uma certa facilidade de acesso, a despeito do aparelho caríssimo, esta mídia era a principal opção dos fansubbers para converter seus vídeos, gravar em VHS e depois distribuir ao público.

“Uma vez, fui na casa de um amigo que trabalhava com fansub. Ele mostrou torres de videocassetes, mas comprou um aparelho de Laserdisc e comprava LDs do Japão”, lembrou Peixoto. O processo, ainda que “mais simples”, era ao mesmo tempo complicado. Era necessário passar do LD para Super VHS, depois gravar/regravar e, após inúmeros pormenores do processo, chegar ao formato caseiro, na casa do fã.

O amigo que Peixoto cita é César Ikko, fundador do Lums Club, já citado na matéria. “Naquela época o César vendeu fita pra caramba. Chegou a ter um catálogo com quase 100 títulos de anime. No Animecon a gente exibia fitas dele, mas não havia ganho comercial, fazia para dar uma força, na parceria”, disse.

A demanda era alta. Segundo o relato do organizador de eventos, uma pessoa podia chegar a encomendar quatro ou cinco fitas por mês, para no mês seguinte encomendar mais. “O problema é que o cidadão às vezes podia demorar até um mês pra receber uma única fita, já que tinha que esperar o tempo da encomenda e os correios”, complementou Peixoto.

É claro que, quanto mais a tecnologia avança, mais os formatos mudavam. Com a popularização da Internet banda larga, os fansubbers de fita VHS migraram para o digital. Haviam aqueles que predavam em cima de trabalhos já existentes e simplesmente gravavam DVDs com o conteúdo já existente e já legendado por estes grupos, para depois revender em feiras e encontros.

Uma das atrações do Animecon era a exibição de VHS dos fansub (Imagem: Reprodução/Acervo Pessoal)
Uma das atrações do Animecon era a exibição de VHS dos fansub (Imagem: Reprodução/Acervo Pessoal)

Depois disso vieram os sites especializados em animes, que não eram streamings, ainda, mas que ofereciam downloads de capítulos de séries legendados, sem cobrar nada. Feitos por fãs sem fins lucrativos, mas sempre beirando a área cinza da pirataria pura e simples. Havia uma espécie de “acordo de cavalheiros”, onde os fansubbers digitais retiravam do ar um anime, quando este era licenciado oficialmente para o público brasileiro.

É verdade que os fansubbers ainda existem, mas o passar dos anos tivemos a introdução dos serviços de streaming. Aí sim, plataformas que cobram mensalidades, ou pagamentos sob demanda, para dar acesso a um catálogo ou a determinado vídeo para seu usuário. Mas no que difere o consume de anime no streaming, em relação a outras mídias?

A Era Moderna

Para entender o porquê de o mercado de anime se diferencia dos demais mercados de entretenimento, é necessário compreender como funciona lá do início, no Japão.

Os desenhos japoneses ganham novas temporadas e séries a cada início de nova estação do ano, ou seja, de três em três meses. Estações de primavera, verão, outono e inverno trazem mais de 50 animes cada, totalizando dezenas de novas estreias todo ano, para vários gostos e público. Ao contrário de produções ocidentais, como seriados norte-americanos ou europeus, existe um “número certo”, ou melhor, aproximado, de produções que o mercado de lá comporta. E elas estreiam de maneira cadenciada e “fixa”.

O público brasileiro era acostumado a consumir apenas uma parcela ínfima disso, com o que chegava na TV, dublado e com reprises eternas. Ver todo o resto, ou ao menos o que interessava, demandava uma caça aos fansubbers e ao conteúdo digital que era lançado na Internet após os anos 2000 e popularização da banda larga.

Hoje, existem alternativas facilitadas e os animes chegam via streaming, com transmissão simulcast, ou seja, ao mesmo tempo em que os programas são exibidos no Japão.

Animes como Dr. Stone estreiam em estações do ano (Imagem: Divulgação/TMS)
Animes como Dr. Stone estreiam em estações do ano (Imagem: Divulgação/TMS)

Até cerca de seis meses atrás, muitas séries ainda faltavam e jamais estreavam por aqui, por complicações de negociações e licenciamento mundial. Neste exato momento o Brasil conta com, pelo menos, três plataformas principais que possuem desenhos japoneses em seu catálogo: Netflix, Funimation e Crunchyroll. Existem outras de menor alcance, que passam alguns problemas mais antigos ou reprises, como Amazon Prime Video e Pluto TV, mas as três supracitadas são mais importantes neste sentido.

Netflix lança e produz animes todo ano, ainda que com um atraso de meses em poucos casos; a Funimation é a maior marca licenciadora de animes no mundo todo, mas chegou ao país há pouco tempo e ainda conta com alguns furos em seu catálogo; por fim, Crunchyroll está aqui há mais tempo, desde 2012, mas tem reduzido um pouco seu catálogo desde a chegada da Funi, que fica com algumas das principais séries da temporada.

O efeito Crunchyroll

A Crunchyroll nasceu em 2006, na Califórnia, EUA. A ideia de seus fundadores, um grupo de estudantes universitários, era criar uma plataforma online que hospedasse conteúdo em vídeo, com o objetivo de lucrar com isso.

O site se especializou em apresentar conteúdo asiático ao seu público, enviado por fansubbers e sem ter os direitos legais de exibição. Chamando a atenção do mercado, a Crunchyroll recebeu um aporte de US$ 4,5 milhões em 2008 da Venrock, para crescer e se tornar algo maior e de mais abrangência.

O investimento, claro, não deixou o restante do mercado oficial muito feliz. A Crunchyroll foi alvo de crítica de empresas que tinham os direitos de vários animes que estavam disponíveis por lá, e assim começou a remover qualquer conteúdo com direito autoral, caminhando para se tornar a gigante dos animes que é hoje.

Hoje a companhia está disponível em oito idiomas, incluindo português (do Brasil e de Portugal), além de ter publicação de mangás digitais, empresa de games, eventos, premiações e parcerias oficiais com os principais estúdios japoneses que lançam animes. O streaming também financia suas próprias animações, os Crunchyroll Originals, desde 2020 – e já conta com 10 produções lançadas neste sentido. Com seu formato atual, a Crunchyroll colabora todo ano com a indústria de animação no Japão. Só em 2018 isso representou uma contribuição de mais de US$ 100 milhões.

Crunchyroll chegou ao Brasil em 2012 e traz mais de 30 animes por temporada (Imagem: Divulgação/Crunchyroll)
Crunchyroll chegou ao Brasil em 2012 e traz mais de 30 animes por temporada (Imagem: Divulgação/Crunchyroll)

Para quem tem mais curiosidade de saber como funcionam as coisas por aqui, conversei com Yuri Petnys, de 33 anos, líder regional da plataforma para Brasil e Portugal. Ele que coordena tudo que acontece por aqui e por lá, tentando sempre fornecer a melhor experiência possível aos seus assinantes – ou aos usuários gratuitos, que o streaming também contempla.

Em média, mais de 30 séries estreiam na Crunchyroll a cada temporada. Algumas delas, atualmente, são dubladas em português, mas a maioria vem com legendas no nosso idioma. O trabalho para traduzir e lançar todo este conteúdo, segundo Yuri, é hercúleo.

“A maioria das séries de anime são produzidas e exibidas semanalmente, com grandes equipes trabalhando com prazos apertados. Não é como uma série tradicional de TV, que geralmente filma e edita uma temporada inteira antes de ir ao ar; é mais parecido com uma novela brasileira, que vai sendo escrita, filmada e editada enquanto a novela já está no ar”, disse.

“Dublagens são ainda mais trabalhosas, envolvendo diretores, técnicos e dezenas de dubladores para dublar um único episódio. Mas desde outubro de 2020, a Crunchyroll também tem investido nas Dublagens Expressas – para séries ainda em exibição no Japão, em até cinco línguas diferentes, publicadas apenas algumas semanas após o lançamento inicial. Como é de se esperar, isso requer bastante planejamento e coordenação”, complementou.

Alguns dos animes dublados mais recentes, populares e lançados por lá são Jujutsu Kaisen, Yashahime, Bungo Stray Dogs, Mob Psycho 100, Darling in The Franxx, Dr. Stone, Noblesse e Burn the Witch. No total, o site conta com mais de 750 séries, incluindo aí as legendadas.

Jujutsu Kaisen é um dos sucessos dublados da Crunchyroll (Imagem: Divulgação/Mappa)
Jujutsu Kaisen é um dos sucessos dublados da Crunchyroll (Imagem: Divulgação/Mappa)

Os esforços e as ofertas parecem valer a pena. O número de assinantes brasileiros da Crunchyroll não é de conhecimento público, mas o Yuri Petnys lembra dos números mundiais. “O Brasil representa uma porção significativa e importante da nossa base de usuários e assinantes. No mundo, nós temos mais de 4 milhões de assinantes e 100 milhões de usuários registrados”, apontou. Ele também lembra que o Sensor Tower aponta que o aplicativo da plataforma está sempre entre os mais bem colocados na categoria de entretenimento com mais faturamento.

Para expandir este alcance, a Crunchyroll também faz parcerias com emissoras de TV, como Rede Brasil, no passado, e Loading, no momento, onde exibe alguns de seus animes dublados. Ainda que seja um caminho na contra-mão do avanço natural que a mídia sofreu, parece servir mais como marketing indireto.

Porém, mesmo assim, com todo este acesso, não há 100% das ofertas japonesas disponíveis para o público brasileiro!

O que ainda precisa melhorar?

Em uma conversa que tive no Twitter com Laura Gassert, editora-chefe do site Jbox, notei que apenas cinco, das 57 estreias japonesas, não estão previstas para o Brasil. Não é perfeito, mas é quase tudo.

O que as plataformas não cobrem por aqui, porém, é a estreia de filmes, que também fazem parte dos lançamentos a cada nova estação. “O maior problema do mercado de agora em diante provavelmente vai ser com os filmes, que dificilmente chegam ao streaming tão rápido”, comentou Laura, o que é bem verdade. Longa-metragens animados também fazem parte do catálogo a cada estação do ano, mas ficam sujeitos a outros acordos comerciais e, quando acontece, chegam ao Brasil até um ano depois de sua estreia original e pelo cinema, não diretamente no streaming.

É possível reforçar esta afirmação de Gassert lembrando do filme Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba the Movie: Mugen Train, que não tinha previsão para estrear no país até mês passado, quando a rede de cinemas Cinemark confirmou sua chegada para breve. Gassert, aliás, é autora de um artigo bem completo sobre este nicho de estreia, ou falta de estreia, de animes no próprio Jbox, onde você pode conhecer ainda mais a respeito.

Filme de Demon Slayer chegará ao Brasil com bastante atraso (Imagem: Divulgação/Ufotable)
Filme de Demon Slayer chegará ao Brasil com bastante atraso (Imagem: Divulgação/Ufotable)

Outros problemas são mais inerentes à estrutura de Internet que o Brasil possui, claro. Em estudo publicado em maio de 2020 pela Agência Brasil, 26% dos brasileiros continuam desconectados, o que ainda é um número muito alto. E, uma vez conectados, os serviços nem sempre são baratos, de qualidade e com grande alcance de conectividade.

Há problemas de disponibilidade em algumas plataformas, como Funimation, que ainda não tem aplicativos em todos os dispositivos como no exterior, e de comunicação, como o Prime Video, que não informa sobre os animes que chegam ao catálogo – isso quando chegam.

Porém, o avanço em relação a uma década é vertiginoso. Mesmo com os impedimentos e barreiras, o mercado cresceu muito e o anime “despertou” no Brasil, tornando-se expressão cultural cada vez mais forte.

Hoje, sentar no sofá e ligar o aplicativo da Crunchyroll no videogame ou no Chromecast te dá acesso a praticamente qualquer um de seus animes, mesmo se você não for assinante pago.

Temos saudades da época de esperar um mês para ver um novo capítulo de Evangelion na fita VHS de fansub ou aguardar a uma semana na TV pelo episódio inédito? Tinha um senso de diversão, remete à infância mais inocente, mas a tecnologia tá aí, trabalhando em prol dos animes – e agora mais do que nunca.

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Felipe Vinha

Felipe Vinha

Ex-autor

Felipe Vinha é jornalista com formação técnica em Informática. Já cobriu grandes eventos relacionados a jogos, como a E3, BlizzCon e finais mundiais de League of Legends. Em 2021, ganhou o Prêmio Microinfluenciadores Digitais na categoria entretenimento. Foi autor no Tecnoblog entre 2020 e 2022, escrevendo principalmente sobre games e entretenimento. Passou pelos principais veículos do ramo, e também é apresentador especializado em cultura pop.

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