Counter-Strike quase foi meu trabalho e criava discórdia até com meu chefe

Conheci Counter-Strike em um ambiente improvável, fora das lan houses, mas não consegui escapar do fenômeno do FPS nos anos 2000

Felipe Vinha
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• Atualizado há 11 meses
Como conheci Counter-Strike fora das lan houses e vivi o fenômeno (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Nem todo mundo tem a mesma experiência com jogos famosos. Um mesmo game pode representar uma infinidade de variações e sentimentos mistos com seu público. No meu caso, o exemplo é Counter-Strike. Sim, aquele mesmo, o clássico 1.6, com “gráficos ruins” se comparado a outros mais modernos. Vivi uma história própria com o título derivado de Half-Life, antes mesmo de explodir internacionalmente com seus torneios mundiais de Counter-Strike: Global Offensive, que hoje rendem milhões. Não fui uma “criança das lan houses” e nem tive um computador disponível na época em que o game de tiro da Valve explodia. Só fui ser engolido pelo fenômeno anos depois, mas com a mesma intensidade de quem viveu seu auge.

Surgimentos inesperados

Antes de tudo, vale explicar o que é Counter-Strike, porque nem todo mundo conhece.

O jogo nasceu em 1999. Ele nem era um game. Era uma modificação de Half-Life, da Valve, criada por fãs. Saíam de cena o cenário de ficção científica e alienígenas. Entravam em cena terroristas e agentes da lei, em mapas urbanos diversos, com a missão de plantar ou desarmar bombas, o que levava a uma vitória ou derrota nas partidas.

Com o sucesso, “CS”, como é normalmente chamado, se tornou jogo oficial, quando a Valve resolveu comprar os direitos dos seus criadores originais Minh “Gooseman” e Jess “Cliffe”, já enxergando a possibilidade de ali ter um enorme sucesso em mãos. A decisão foi mais do que acertada, já que este se tornou, após um tempo, um dos títulos mais jogados do Steam, incluindo variantes.

Quando foi lançado, CS era um mod de Half-Life (Imagem: Reprodução/Steam)

Hoje Counter-Strike é um fenômeno. Ele rendeu expansões e pequenas “continuações”, com foco em conteúdo e mais opções de jogo. Tivemos Counter-Strike: Condition Zero, Counter-Strike: Source, Counter-Strike: Neo, e até a continuação definitiva, Counter-Strike: Global Offensive, que hoje é protagonista de torneios milionários pelo mundo.

Na verdade, a influência de CS é tanta que ele chegou a gerar vários clones em seu auge e até mesmo hoje em dia. Valorant, da Riot Games, é um bom exemplo de como o título da Valve continua relevante e inspirando derivados, por conta de suas mecânicas básicas bem parecidas, no geral.

“Que jogo feio! Isso é sucesso?”

É verdade que Counter-Strike 1.6 envelheceu mal, mas tem seu charme, sabe? Ainda é um game muito jogado no Steam e possivelmente entre amigos, em seus servidores privados online. Ele não requer uma placa de vídeo de mais de 128 MB e um processador de 800 MHz. Isso é um configuração de muitos anos atrás e roda bem em qualquer PC hoje em dia, mesmo em Mac ou Linux.

No geral é um game acessível, leve e com controles muito bons. Pode-se dizer que Counter-Strike é um dos poucos jogos que atingiram o status de “perfeição”, pois pouca coisa foi mudada desde seu lançamento original, tirando pequenas melhorias gráficas até onde deu e correções de eventuais bugs que surgiam aqui ou ali.

Ser leve também contou bastante para sua popularidade. Mesmo no auge ele rodava em qualquer máquina mais modesta. Hoje a mesma lógica se aplica, por exemplo, ao Free Fire, que é um título de Battle Royale, compatível com qualquer celular mais fraquinho e barato. Isso permite que mais pessoas possam jogar e uma comunidade gigante se forme ao redor.

O famoso mapa cs_rio em Counter-Strike (Imagem: Reprodução/CSMaps)

A popularidade só aumentou com a participação da comunidade. Alguns dos principais mapas de CS foram criados por usuários. Um dos mais famosos, claro, é o “cs_rio”, que se passa dentro de uma favela no Rio de Janeiro, com direito a Cristo Redentor no fundo, bar tocando sambinha raiz de Bezerra da Silva e um campo de futebol de areia. Aquilo ali era um paraíso para qualquer brasileiro se sentir em casa, abraçado por um jogo que tinha bastante violência – o que, curiosamente, levou Counter-Strike a ser banido temporariamente por aqui, em 2008, graças a uma decisão da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, como conta aqui o G1.

Foi dessa forma, inclusive, que Counter-Strike formou seu enorme império, somando a popularidade do game a algo que hoje em dia é um tesouro do passado: as lan houses.

A casa do jogador

Muito populares nos anos 2000 e quase inexistentes, no Brasil, hoje em dia, as lan houses foram verdadeiros templos de jogadores de PC. Estabelecimentos com vários computadores ligados à Internet e com alguns games populares pré-instalados, para quem quiser jogar e usar, normalmente pagando por hora.

Elas serviam para muita coisa: mandar um e-mail, imprimir documentos, conversar com pessoas no MSN… Mas era com os jogos que elas faturavam muito – e com razão. Mesmo quem tinha PC em casa e conseguia rodar todos os games, às vezes, preferia joga na lan house com amigos presencialmente, em rede local. E Counter-Strike foi uma das principais vertentes nesta época.

Cena comum no Brasil de Counter-Strike lá pelos anos 2000 (Imagem: Reprodução/YouTube)

Era comum, por exemplo, que um grupo de amigos fechasse a lan house inteiro para ficar durante toda a madrugada, pagando um pacote especial chamado de “Corujão”. Começava meia-noite e ia até o sol raiar, com direito a cafezinho servido aos participantes em alguns casos. Era nessas horas que a conexão real entre os amigos e amigas acontecia, pois não havia compromissos ou outras interrupções durante a madrugada – eram partidas e mais partidas de seus games favoritos, sem se preocupar com a hora, ao menos enquanto ainda era “noite”.

E isso resume a história de quase todo jogador de CS do Brasil. Quase. Ao menos a minha não foi assim.

Eu Vinha jogar CS…

No início dos anos 2000 foi mais ou menos a época que comecei a trabalhar, ou estagiar, na verdade. Ganhava muito pouco e não tinha dinheiro o suficiente para ter os videogames de geração mais avançada, apenas alguns antigos, e nem um PC muito potente. Para piorar, meu primeiro computador, que ganhei dos meus pais ali por 2001, pifou após uma tempestade e um raio que queimou quase todo o seu interior.

Não havia dinheiro para consertar e fiquei alguns bons meses, talvez anos, sem acesso a computador. Se muito conseguia fazer algumas coisas no trabalho e, eventualmente, visitava algumas lan houses para verificar assuntos mais urgentes ou falar com amigos. Foi mais ou menos nessa mesma época em que a ascensão de Counter-Strike acontecia no Brasil a largos passos, mas eu observava apenas de maneira distante.

Não tenho registro meu em lan houses, mas eram mais ou menos assim… (Imagem: Reprodução/OLX)

Como era frequentador casual de lan houses, e meus amigos mais próximos preferiam jogar em casa, entre si, não tive coragem de me juntar a desconhecidos e arriscar algumas partidas. Fiz isso uma vez, na verdade, em um “cyber café” dentro de um grande shopping. Arrisquei alguns embates e possivelmente fui xingado mentalmente por todos os participantes, ao menos aqueles que faziam parte do meu time.

Meu “despertar” para o CS foi em um ambiente inusitado, muitos anos após seu auge, em um escritório no Centro do Rio de Janeiro, ali por meados de 2008…

Eu matava meu chefe na faca

Trabalhei em uma redação jornalística entre 2008 e 2014. O site não existe mais, mas passei alguns bons momentos por lá ao lado de amigos e muita gente boa que conheci. Como o foco do trabalho era com games e entretenimento cultural geral em alguns casos, era comum que todos os participantes do ambiente de trabalho sejam jogadores. Isso levou a direção do site a criar um hábito: jogar CS após o expediente, para incrementar os laços de união – ou seria criar mais discórdia?

Brincadeiras à parte, era uma ideia até comum em alguns ambientes de trabalho, para a época. Novamente, por ser um jogo leve, CS rodava até mesmo em computadores velhos que escritórios costumam ter. Temos também o fato de que é relativamente fácil montar uma rede privada entre computadores interconectados e temos a receita de sucesso certa para algumas horas de diversão.

E não deu outra: era comum ficarmos até duras horas a mais após o expediente para aproveitar partidas de CS entre toda a equipe, incluindo os chefões da empresa. “Matar de faquinha” era o auge da partida. Bastava guardar a arma de fogo para puxar a famosa arma branca padrão do jogo e pegar alguém desprevenido pelo mapa. Quando acontecia, era uma vibração enorme em todo o escritório – que inclusive tinha dois andares e, mesmo assim, era possível ouvir a vibração geral de qualquer um deles.

A faquinha era um grande terror em Counter-Strike (Imagem: Reprodução/Game Modding)

A coisa chegou a ficar séria em algum momento, cum um troféu e um ranking pessoal que era resetado mensalmente, mas com registros anuais para dar a premiação, a estátua dourada, ao vencedor. Quem eliminava mais alvos, quem desarmava ou plantava mais bombas com sucesso, quem vencia mais partidas. Os programadores da equipe criaram um site só para isso, de acesso interno, que era capaz de calcular tudo apenas puxando do nosso servidor privado, sem a necessidade de entrar com valores manualmente. Profissionalismo é isso, até na diversão.

É assim que eu costumo dizer que eu não achei o CS, ele me achou. E deve ter sido mais ou menos assim com quase todo mundo que você conhece que joga ou já jogou Counter-Strike. Um game que se tornou tão popular que acabou entrando na realidade dos brasileiros quase que por osmose, mesmo sem querer, mesmo sem ir atrás, ele simplesmente estava ali, instalado em um computador modesto e ao alcance de um simples clique.

Já faz algum bom tempo que não trabalho mais nesta empresa – e, como disse, ela não existe mais – mas o CS ainda está na minha conta do Steam. Aliás, logo comprei todas as versões disponíveis na plataforma, pois vivem em promoção, mesmo as edições mais modernas. Para as gerações mais recentes que talvez estranhem os gráficos muito antigos, deixo o recado: não perca a chance de aproveitar este pedaço da história dos games no Brasil e no mundo, que fez a diversão de muita gente em computadores e outras plataformas. É um clássico que merece sua atenção, mesmo que por alguns minutos, para entender de onde surgiram sucessos recentes e mais atualizados.

CS ainda tá lá no Steam, não deixe de ir atrás (Imagem: Reprodução/Felipe Vinha)

Mal comparando, é como gostar de cinema sem assistir grandes clássicos do passado. Você não é obrigado, mas vai enriquecer sua bagagem cultural e melhorar sua experiência na hora de consumir algo mais novo. Ah, e quando for jogar, cuidado com a faquinha!

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Felipe Vinha

Felipe Vinha

Ex-autor

Felipe Vinha é jornalista com formação técnica em Informática. Já cobriu grandes eventos relacionados a jogos, como a E3, BlizzCon e finais mundiais de League of Legends. Em 2021, ganhou o Prêmio Microinfluenciadores Digitais na categoria entretenimento. Foi autor no Tecnoblog entre 2020 e 2022, escrevendo principalmente sobre games e entretenimento. Passou pelos principais veículos do ramo, e também é apresentador especializado em cultura pop.

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