Não foi só o iFood que fez o Uber Eats encerrar delivery de comida no Brasil

Uber Eats diz que barreiras impostas pelo iFood atrapalharam seus planos, mas restaurantes e especialistas apontam outros motivos

Giovanni Santa Rosa
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• Atualizado há 11 meses
Uber Eats saiu do setor de entrega de comida do Brasil
Uber Eats saiu do setor de entrega de comida do Brasil (Imagem: Guilherme Reis / Tecnoblog)

Desde o último dia 7 de março, o Uber Eats não faz mais delivery de pedidos de restaurantes. A empresa deixou o segmento para se dedicar aos supermercados e a outros tipos de entrega. Ao encerrar a atividade, a Uber apontou o domínio do iFood e seus contratos de exclusividade como fator importante para a decisão. No entanto, parece que não foi só isso. O Tecnoblog conversou com restaurantes e especialistas para entender por que uma gigante da tecnologia não conseguiu se firmar por aqui.

A Uber não falou abertamente sobre os motivos da saída do ramo de delivery de restaurantes quando anunciou sua partida. Porém, um dia antes do adeus, a companhia deu mais explicações ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Uma manifestação enviada à Superintendência Geral (SG) do órgão fala em “barreiras artificiais impostas pelo iFood com sua conduta exclusionária” e cita a prática como um dos motivos para sair do mercado.

Por “barreiras artificiais” e “conduta exclusionária”, dá para entender que a Uber fala dos contratos de exclusividade feitos pelo iFood com os restaurantes. A empresa está proibida de celebrar novos acordos desse tipo desde março de 2021, mas os antigos continuam valendo.

Concorrer com uma empresa que detém contratos de exclusividade e domina 80% do mercado, como é o caso do iFood, certamente é um motivo forte para deixar o setor. Isso, porém, não explica tudo.

Uber Eats não se adaptou ao mercado local

A falta de adequação ao mercado local é um dos motivos que podem estar envolvidos na saída do Uber Eats do setor de restaurantes. A avaliação de Dennis Nakamura, sócio do O Board, mentor de startups e ex-gestor do iFood.

Em conversa por e-mail com o Tecnoblog, Nakamura lembra que a Uber é uma empresa maior que Rappi e iFood. Ela tem presença global e seus negócios com transportes fazem com que ela supere em muito suas concorrentes em tamanho e em valor de mercado.

Só que isso não é necessariamente uma vantagem.

“Como grande parte das empresas globais, o Uber Eats possui uma série de regras de governança para manter a casa organizada. Já tive a oportunidade de contribuir com startups globais e pedir customização de plataformas e políticas, por exemplo, não é nada agradável. E para essas empresas inovadoras, agilidade, flexibilidade e customização é essencial para que ela se misture com a cultura e crenças locais ficando mais atrativa aos parceiros e consumidores regionais.”

Dennis Nakamura, sócio do O Board, mentor de startups e ex-gestor do iFood.

Outro fator é que o Uber Eats tinha menor flexibilidade de negociação em relação a fornecedores e parceiros.

“Isso faz com que sua governança também seja mais rígida dando menos flexibilidade e adaptabilidade para o mercado local e regional, e um exemplo disso é suas taxas serem as mais altas, 35% do valor do pedido”, explica Nakamura. “Para uma empresa que não oferece tudo o que seus demais concorrentes oferecem, ser visto como o aplicativo mais caro não ajuda.”

O consultor também destaca que a Uber não aproveitou a estadia do Uber Eats no Brasil para desenvolver novos negócios, como fez o iFood, que entrou em mercados como o de insumos para restaurantes e de intermediação para pagamentos, por exemplo.

Além disso, o fato de a Uber ser uma empresa com ações listadas na bolsa de valores também não ajuda.

Entregador do Uber Eats
Entregador do Uber Eats (Imagem: Robert Anasch / Unsplash)

“A pressão dos acionistas e sócios é sempre um grande fator para decisões estratégicas como essa”, explica Nakamura. “Nós usávamos essa pressão de forma inteligente para sobressair à concorrência quando ainda era um dos gestores do iFood.”

Ele explica que o crescimento do Uber Eats no Brasil era bem aquém do que se viu em algumas regiões da Ásia. O que houve, portanto, foi também uma decisão de retirar investimentos daqui para levar para lá, visando um resultado global melhor.

O fato de a Uber ser uma empresa global não pode ser ignorado. A decisão pode muito bem ter vindo de fora do País, e há indícios disso.

Uma das pessoas surpresas com a saída foi Renato Almeida. Ele é CEO da Consumer, empresa que desenvolve sistemas de gestão para restaurantes.

Desde 2017, a Consumer dispõe de uma ferramenta para que os estabelecimentos criem seus próprios aplicativos de delivery, o MenuDino.

Almeida conta ao Tecnoblog que, nos últimos meses de 2021, ele e sua equipe fizeram reuniões com a Uber Eats. O objetivo era encontrar pontos em comum nas duas plataformas para futuras parcerias.

O tempo gasto, o esforço feito e os planos criados não deram em nada, obviamente. Para o executivo, isso mostra que nem a equipe local da empresa estava ciente do que viria em 2022.

O Tecnoblog entrou em contato com a Uber, mas não obteve resposta.

Restaurantes tinham queixas sobre a plataforma

Problemas com restaurantes também mostram que a passagem do Uber Eats pelo Brasil ficou longe de agradar todo mundo.

Luíse Macedo é dona da Buena Onda Burritos, burriteria que ela abriu em Ponta Grossa (PR) há mais de três anos.

Ela conta ao Tecnoblog que chegou a vender seus pratos pelo Uber Eats, mas teve problemas.

Uma das queixas era que, após o entregador retirar o pedido, o cliente não podia entrar em contato com o restaurante. Isso atrapalhava a solução de problemas.

“Muita coisa que eu poderia resolver se o cliente falasse comigo ficava sem solução, e eu recebia avaliação ruim”, comenta.

Por fim, o Buena Onda saiu do Uber Eats.

Luíse diz que seu restaurante não foi o único da cidade a deixar a plataforma. A empresa, segundo ela, chegou em Ponta Grossa fazendo grandes promessas aos estabelecimentos da cidade.

Entregador do Uber Eats de moto
Entregador do Uber Eats de moto (Imagem: Szymon Fischer / Unsplash)

Entre os diferenciais, estavam cupons de desconto para serem dados aos clientes sem custo para restaurantes, além de embalagens, adesivos, caixas e demais materiais para entrega.

De tudo que prometeu, a empresa só teria cumprido mesmo a taxa: 30% sobre cada venda.

Já o Generoso Burger nunca entrou no Uber Eats. Mário Rabelo, um dos sócios da hamburgueria paulistana fundada em 2019, conta que a empresa chegou a procurá-lo, mas ele não viu sentido para seu negócio.

“Já estávamos com iFood e Rappi e não estávamos satisfeitos com os dois. A gente preferiu não ter uma terceira empresa que provavelmente não deixaria a gente satisfeito em troca de alguns pedidos a mais.”

Ele diz não estar surpreso com a saída da Uber do setor de entregas de restaurantes.

“Eu achei natural, honestamente. Se chegar daqui a algum tempo a notícia de que o Rappi também vai encerrar as atividades, eu também vou achar natural. O iFood monopolizou tudo e engoliu essas empresas. Eu conheço pouquíssimas pessoas, uma ou duas, que eram usuárias do Uber Eats. A maioria é usuário do iFood. Eu acho que o impacto [da saída do Uber Eats] no crescimento do iFood é pouco. O que eu tenho percebido é um movimento de algumas empresas para montar ferramentas parecidas, mas que oferecem condições um pouco melhores para o restaurante e para os entregadores.”

Mário Rabelo, sócio do Generoso Burger.

Agora, o mercado de delivery de restaurante por aplicativo não tem mais seu segundo colocado, deixando terreno livre para o iFood ir além em seu domínio — mas restaurantes não estão contentes, e outras empresas querem um pedacinho desse setor.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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