Lembra de quando estar conectado era uma escolha?

Num mundo onde tudo acontece na internet, a linha que divide a vida online da offline se torna cada vez mais difícil de traçar

Josué de Oliveira
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Lembra de quando estar conectado era uma escolha? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)
Lembra de quando estar conectado era uma escolha? (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Entrar na internet na época da conexão discada era uma espécie de ritual.

Você esperava dar meia-noite, se sentava na frente do computador, iniciava o processo de conexão — que envolvia um som bizarro emitido pela placa de Fax Modem — e, somente após isso, estava de fato na rede mundial de computadores (lembra de quando falávamos assim?).

Havia pouca coisa para fazer nessa época. O número de sites era bem pequeno se comparado a hoje, assim como as formas de interagir com outras pessoas.

A popularização da banda larga tornou o ato de acessar a web algo mais corriqueiro. O menu de coisas a se fazer na internet também aumentou, assim como o tempo que passávamos conectados. Mas a condição de internauta continuava sendo inteiramente contextual; durava o tempo da permanência online.

Havia uma escolha: agora vou me conectar à internet. E agora vou sair dela. A separação entre estar ou não na web era clara, e nosso tempo online tinha começo, meio e fim.

Já faz anos que essa dinâmica mudou. A tecnologia nos permite conexão ininterrupta, o que obviamente traz muitas comodidades. Mas também existem consequências danosas nessa história de estar conectado o tempo todo.

Mais de quarenta anos online

Estar conectado é a regra. Não apenas porque há mais sites para acessar, mas porque algumas de nossas principais formas de interação e entretenimento só são acessíveis por aplicativos, plataformas de streaming e redes sociais.

As ferramentas digitais também são essenciais para muitas profissões. Não teria sido possível mover milhões de trabalhadores dos escritórios para o home office sem soluções como Zoom, Google Meet, Slack e Microsoft Teams. O mesmo vale para educação à distância.

Não apenas passamos mais tempo na internet, como nosso tempo na internet passou a englobar mais e mais contextos. Não se trata mais da simples escolha de se sentar na frente do computador e bater papo com amigos no MSN. É muito maior do que isso.

Estar conectado não é mais uma escolha (Pexels / Foto de Andrea Piacquadio)
Estar conectado não é mais uma escolha (Pexels / Foto de Andrea Piacquadio)

Tanto que, segundo um estudo da NordVPN voltado para o público brasileiro, é estimado que passaremos mais da metade de nossas vidas online. A conclusão foi que, somadas todas as atividades que requerem conexão, o tempo online seria de pouco mais de 41 anos.

Compare isto à expectativa de vida dos brasileiros, que, segundo o IBGE, é de 77 anos. Como comentamos no Tecnocast 278, é como se os momentos offline fossem reservados ao sono. Estar acordado é estar conectado.

O fardo da disponibilidade

Uma consequência particularmente grave da conexão contínua é uma sensação de disponibilidade permanente. Como se, por termos acesso ininterrupto à internet, devêssemos responder imediatamente aos vários estímulos que chegam através dela.

É fácil perceber isso com aplicativos de comunicação instantânea, como WhatsApp e Telegram. A chegada de uma nova mensagem traz consigo o impulso de lê-la em tempo real, como aponta o psiquiatra Elias Aboujaoude em matéria da BBC. E não responder imediatamente pode nos dar a “sensação de ter ficado para trás e quebrado uma regra importante das comunicações online”.

Já quando deixamos de responder, forma-se uma pilha de mensagens não lidas. Isto, por sua vez, pode gerar uma “dívida de comunicação”, nas palavras do Bernie Hogan, pesquisador sênior no Internet Institute da Universidade de Oxford (à mesma matéria da BBC). Um peso psicológico nascido do acúmulo de comunicações assíncronas.

Mensagens do iPhone (Imagem: Brett Jordan/Unsplash)
Mensagens do iPhone (Imagem: Brett Jordan/Unsplash)

O fato é que estar conectado o tempo todo cria dinâmicas potencialmente nocivas à saúde mental, desde uma dose maior de estresse no dia a dia até casos mais sérios, como a fadiga de disponibilidade. Este é um estado de exaustão provocado por nos vermos à disposição de demandas que chegam a todo hora por e-mail, mensagens e outras formas de comunicação.

E o quadro se agrava quando notamos que muitas das ferramentas que utilizamos para comunicação não são exclusivas da “vida pessoal” ou do “vida profissional”. Afinal, o mesmo aplicativo pode ser usado para ambas. Num mundo de conexão ininterrupta, os limites entre elas acabam sabotados.

Como ficar conectado sem perder a cabeça?

Estar conectado a maior parte do tempo não é mais uma escolha, como já foi um dia. Mas isso não significa que escolhas não podem ser feitas a respeito de como gerenciamos essa conexão.

Uma das mais básicas é quais notificações receber. Notificações podem nos colocar num estado de alerta, além de provocar reações de ansiedade e estresse. Nesse sentido, ativar o modo Não Perturbe de tempos em tempos pode ser produtivo para se manter mais calmo e focado. Usar o modo Foco também é uma boa opção.

Para lidar com as distrações trazidas pelas redes sociais, pode fazer sentido deletar, mesmo que temporariamente, os apps do celular. Acrescentar a fricção de acessar somente pelo computador pode ser uma arma para controlar o tempo gasto zanzando por timelines.

Outra estratégia para estabelecer controle sobre os estímulos é determinar horários específicos para olhar e responder mensagens. Assim, limitamos o esforço intelectual e emocional de mexer nos comunicadores instantâneos a momentos específicos, com início e fim.

Há ainda várias outras estratégias para gerenciar nossas conexões, discutidas no Tecnocast 278. O ponto central é que elas envolvem escolhas deliberadas, passos objetivos no sentido de tomar de volta pelo menos parte do controle do qual abrimos mão por viver num mundo hiperconectado.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.

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