5G no Brasil: a saga até o leilão e tudo o que Claro, Vivo e TIM deverão fazer

Depois de muito atraso, leilão do 5G da Anatel aconteceu em novembro de 2021; entenda o caminho da licitação e as obrigações da Claro, TIM, Vivo e regionais

Lucas Braga
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• Atualizado há 11 meses
5G (Imagem: Apple)
5G (Imagem: Apple)

O leilão que permitirá a chegada do 5G virou uma novela: a gente já discute sobre essa licitação desde 2019, mas o evento finalmente aconteceu no dia 4 de novembro de 2021. Entre atrasos, discussões regulamentares e o lançamento do precoce 5G DSS, a chegada oficial da quinta geração no Brasil ainda é confusa. Entenda todo esse processo e quais os compromissos que as operadoras deverão cumprir.

Atrasou? Imagina…

Lá em 2019, quando o conselheiro Leonardo Euler de Morais assumiu a presidência da Anatel, houve o anúncio de que o leilão do 5G aconteceria em março de 2020. Já era tarde em comparação com o resto do mundo, mas o “atraso” era bem visto por Claro, Vivo e Oi, que ainda não conseguiam prever retorno financeiro para o novo padrão.

TCU aprovou edital do leilão, mas com ressalvas

Algo que atrasou o leilão do 5G era a avaliação do edital pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A área técnica do órgão apontou uma série de ilegalidades: o parecer afirma que a Anatel exagerou no número de antenas, não determinou a conectividade em escolas e superfaturou o custo para a migração da TV aberta via satélite para outra frequência.

Mesmo assim, os juízes do TCU aprovaram o edital, com apenas um voto contrário do ministro Aroldo Cedraz. Alguns ajustes foram demandados pelo órgão.

Edital do 5G foi finalizado em setembro de 2021

edital inicial da licitação foi aprovado pela Anatel em fevereiro de 2021, com um texto muito diferente do que era discutido anos atrás. Mas após o pedido de vistas do TCU, a agência precisou reformular algumas regras do documento, e em 24 de setembro de 2021 as regras do certame foram finalizadas.

Quase todas as sugestões do TCU foram aceitas. Se todas as frequências forem vendidas, o governo espera arrecadar pelo menos R$ 10 bilhões com o licenciamento das frequências, dos quais R$ 7 bilhões devem ser destinados a instalação de banda larga em escolas.

Outros R$ 40 bilhões devem ser movimentados pelas operadoras, e o valor compreende o investimento para instalar o 5G no Brasil e cumprimento das obrigações associadas com as frequências,

Veja os preços dos blocos de frequências que serão leiloados pela Anatel:

Frequência/LoteValores totais da frequênciaPreço mínimo do lote
700 MHzFaixa: R$ 2.300.737,539,06
Compromissos: R$ 3.837.440.315,12
R$ 157.628.411,47
2.3 GHz
Lote de 50 MHz
Faixa: R$ 4.875.339,17
Compromissos: R$ 5.883.937.064,89
R$ 409.145.283,92
2.3 GHz
Lote de 40 MHz
Faixa: R$ 3.900.269.239,33
Compromissos: R$ 4.707.419.651,91
R$ 327.316.227,13
3,5 GHz
Lote nacional
Faixa: R$ 6.040.372.468,08
Compromissos: R$ 5.219.862.372,40
R$ 321.350.881,84
3,5 GHz
Lote regional
Faixa: R$ 6.040.372.468,08
Compromissos: R$ 7.505.719.271,81
R$ 33.171.666,25
26 GHzFaixa: R$ 5.282.400.759,40
Compromissos: (não divulgado)
20 anos: R$ 528.240.075,94
10 anos: R$ 264.120.037,97

As teles que compraram no leilão do 5G

No dia 27 de outubro de 2021, a Anatel divulgou quais as empresas se inscreveram no leilão de frequências. Das grandes operadoras, Claro, TIM e Vivo já entregaram seus envelopes para disputar um pedaço de espectro. A Oi ficou de fora, o que já era esperado após a venda do negócio móvel para o trio de concorrentes.

No total, são 15 proponentes se inscreveram no leilão da Anatel, mas nem todas conseguiram comprar um lote de frequência. Veja como foi o resultado:

OperadoraFrequências arrematadas
Claro3,5 GHz: 100 MHz de capacidade para atuação nacional
2,3 GHz: 50 MHz de capacidade para atuar no Norte, Centro-Oeste, Sul e no estado de SP
26 GHz: 400 MHz de capacidade para atuação nacional
Vivo3,5 GHz: 100 MHz de capacidade para atuação nacional
2,3 GHz: 40 MHz de capacidade para atuar na região Norte, Centro-Oeste e estado de SP; 40 MHz para atuar no RJ, ES e MG
26 GHz: 600 MHz de capacidade para atuação nacional
TIM3,5 GHz: 100 MHz de capacidade para atuação nacional
2,3 GHz: 40 MHz de capacidade para atuar na região Sul e estados de RJ, ES e MG
26 GHz: 200 MHz de capacidade para atuação nacional e 200 MHz extras na região Sul e Sudeste
Winity II700 MHz: 10 MHz + 10 MHz de capacidade para atuação nacional
Algar3,5 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar na sua área de prestação em MG, SP, GO e MS
Brisanet3,5 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar nas regiões Nordeste e Centro-Oeste
– 2,3 GHz: 40 MHz de capacidade para atuar no Nordeste
Cloud2U3,5 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar no RJ, ES e MG
Consórcio 5G Sul– 3,5 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar na região Sul
Neko– 26 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar no estado de SP
Sercomtel– 3,5 GHz: 80 MHz de capacidade para atuar na região Norte e o estado de SP

Além das 10 vencedoras, a Fly Link também ganhou a licitação para um lote de 100 MHz de capacidade na frequência de 26 GHz na área de atuação da Algar. No entanto, a proponente desistiu do certame e não fornecerá serviços com 5G.

Os compromissos e obrigações do leilão do 5G

As empresas que arremataram frequências no leilão do 5G precisarão seguir algumas obrigações e compromissos importantes:

Cobertura em capitais e densidade de antenas

O objetivo do Ministério das Comunicações é que todas as cidades com mais de 30 mil habitantes recebam tecnologia 5G até 2028. Isso não significa, no entanto, que vai demorar tanto para a quinta geração se espalhar no país. É possível que operadoras se antecipem e lancem a nova rede antes do prazo, uma vez que há interesse comercial com a possibilidade de vender banda larga residencial e conectar máquinas.

Ao todo, a proposta das obrigações de cobertura é levar conectividade para 40 milhões de pessoas que hoje estão desconectadas. Sendo assim, esses são alguns dos compromissos estabelecidos pela Anatel:

FrequênciaCompromissos de cobertura
3,5 GHzAté julho de 2022, todas as capitais brasileiras mais o Distrito Federal devem possuir rede 5G com pelo menos uma antena para cada 100 mil habitantes. A meta precisa ser seguida por Claro, TIM, Vivo e todas as regionais que arremataram lotes de 3,5 GHz.

A cobertura e a densidade vão aumentando ao longo dos anos. Os compromissos se alongam:
– Até julho de 2023: uma antena para cada 50 mil habitantes nas capitais e DF;
– Até julho de 2024: uma antena para cada 30 mil habitantes nas capitais e DF;
– Até julho de 2025: uma antena para cada 15 mil habitantes nas capitais, DF e municípios com mais de 500 mil habitantes
– Até julho de 2026: uma antena para cada 15 mil habitantes nos municípios com mais de 200 mil habitantes
– Até julho de 2027: uma antena para cada 15 mil habitantes nos municípios com mais de 100 mil habitantes
– Até julho de 2028: uma antena para cada 15 mil habitantes em pelo menos 50% dos municípios com mais de 30 mil habitantes
– Até julho de 2029: uma antena para cada 15 mil habitantes em todos os municípios com mais de 30 mil habitantes
2,3 GHzCobrir 7.430 localidades não sede (cidades, vilas, áreas urbanas isoladas e aglomerados rurais) que possuam população superior a 600 habitantes com tecnologia 4G ou superior
700 MHzCobertura de celular com tecnologia 4G em 2.349 trechos de rodovias federais (equivalente a 36 mil km de estrada)

Internet nas escolas

Um dos ajustes do TCU foi a recomendação de conectar escolas com internet de qualidade, e não apenas atender com cobertura como previsto originalmente pelo edital. Não se tratou de uma obrigação, mas o Ministério das Comunicações e a Anatel acataram a prática.

Sendo assim, o próprio governo deverá custear a internet nas escolas. Os recursos serão oriundos das multas e outorga da faixa de 26 GHz (mmWave), que arrecadou R$ 3,1 bilhões nas obrigações de compromisso.

Torre de telefonia celular. Foto: Lucas Braga/Tecnoblog
Torre de telefonia celular (Imagem: Lucas Braga/Tecnoblog)

O problema é que esse compromisso foi definido às pressas, e como nem todos os lotes dessa frequência foram vendidos o valor arrecadado para os compromissos foi menor que os R$ 10 bilhões estimados pelo governo.

O governo afirma que 72 mil das 85 mil escolas urbanas do Brasil receberão o 5G no formato Standalone, e que as demais instituições de ensino e outras 7 mil escolas rurais serão conectadas via 4G. Além disso, outras 13,5 mil escolas rurais que possuem energia elétrica receberão internet via satélite até julho de 2022, através do Programa Wi-Fi Brasil.

Uso do 5G Standalone

edital da Anatel define que as compradoras de licenças do 5G deverão utilizar a tecnologia no formato standalone, com rede completamente independente do atual 4G. Para isso, as teles precisam respeitar o Release 16 ou superior estabelecido pela 3GPP.

A medida é defendida pelo ministro Fábio Faria e também pelo relator do edital, Carlos Baigorri, por ser o padrão mais avançado que colocará o Brasil na vanguarda do 5G. Por outro lado, algumas operadoras temem que a exigência atrase o desenvolvimento da tecnologia no Brasil, uma vez que haverá maiores custos para adequação da rede.

A rede segura do governo federal

Um dos pontos mais controversos do leilão de 5G é a construção de uma rede privativa para o governo federal. De acordo com o edital da Anatel, os compromissos de construção da rede segura do governo federal serão destinados às operadoras que arrematarem lotes nacionais da frequência de 3,5 GHz – ou seja, Claro, TIM e Vivo.

A portaria do ministério das Comunicações determinou a construção de duas infraestruturas:

  • uma rede móvel com tecnologia 4G ou superior para funcionar na região do Distrito Federal. Nessa infraestrutura deverá ser adotada a frequência de 700 MHz com 5 MHz + 5 MHz de espectro;
  • uma rede fixa por fibra óptica irá conectar os demais estados brasileiros, para complementar a infraestrutura existente do governo.

Nessa rede segura, ficam estabelecidas exigências mínimas de alta segurança e criptografia, e dispositivos que “obedecerão a regulamentação específica” e que “observem padrões de governança corporativa compatíveis com os exigidos no mercado acionário brasileiro”. Para Fábio Faria, a Huawei não se enquadra nesses requisitos.

A migração da TV aberta via satélite (TVRO)

Por terem comprado os blocos nacionais da frequência de 3,5 GHz, Claro, TIM e Vivo deverão arcar com os custos da migração da TV aberta via satélite da banda C para a banda Ku.

A medida servirá para mitigar interferências, uma vez que a banda C compartilha o mesmo espectro do 5G de 3,5 GHz. Com isso, as operadoras deverão custear novas antenas, receptores e a instalação desses equipamentos para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico.

Mas a gente já não tem 5G funcionando aqui?

Sim e não. Com o atraso da licitação, as principais operadoras se adiantaram e lançaram uma versão do 5G com as frequências que já eram utilizadas pelo 4G, 3G e 2G:

Claro

A Claro foi a primeira operadora a trazer o 5G para o Brasil, mas com a tecnologia DSS – sigla para Dynamic Spectrum Sharing, ou “compartilhamento dinâmico de espectro” em bom português. O serviço atende bairros de 14 municípios brasileiros, e não é necessário ter um plano específico para desfrutar da tecnologia – basta usar um smartphone compatível;

TIM

TIM também possui uma rede 5G DSS, mas sempre faz questão de salientar que se trata de uma tecnologia prévia e que não entrega a mesma performance do 5G “puro”. O serviço atende regiões de 10 cidades brasileiras;

Vivo

Vivo também tem 5G DSS, assim como as principais concorrentes. A cobertura atinge bairros de 8 cidades brasileiras, e a operadora afirma que se trata de uma tecnologia experimental;

Oi

Oi também tem uma rede 5G, apesar de não participar do leilão da Anatel e ter vendido a operação móvel para Claro, TIM e Vivo. No entanto, a tele seguiu um caminho diferente das concorrentes e destinou frequência dedicada para a quinta geração. A cobertura abrange 80% da extensão de Brasília (DF).

Teste de velocidade no 4G e 5G DSS na rede da Claro. Foto: Paulo Higa/Tecnoblog
Teste de velocidade no 4G e 5G DSS na rede da Claro (Imagem: Paulo Higa/Tecnoblog)

Portanto, o Brasil já tem redes 5G sim, mas com compartilhamento de frequências com tecnologias antigas ou com espectro reduzido em relação ao que estará disponível após o leilão.

5G precoce do Brasil é alvo de críticas da Senacon e de Fábio Faria. O ministro defende que o 5G DSS não é 5G, e chegou a enviar um ofício para a Anatel e operadoras pedindo pela remoção do ícone da quinta geração dos smartphones

Por outro lado, trata-se de um padrão reconhecido e definido por órgãos globais como a GSMA e 3GPP, mesmo que entreguem uma experiência de uso inferior ao 5G “puro”.

Huawei e a influência dos EUA na escolha de equipamentos

O leilão do 5G também colocou à tona um imbróglio geopolítico. Houve uma tentativa por parte de alguns membros do governo brasileiro e dos Estados Unidos em banir equipamentos da chinesa Huawei no país. 

A política de banimento foi seguida por alguns países, incluindo algumas nações da Europa. Vários territórios impediram que as operadoras utilizassem equipamentos de fornecedores chineses ou pelo menos reduzissem a participação.

Um grande lobby foi feito pelos Estados Unidos com o projeto “Rede Limpa”. Um documento divulgado pelo Departamento de Estado norteamericano afirma que o o Clean Network é “um programa da administração Trump para proteger ativos norte-americanos (…) de invasões por atores malignos, como o Partido Comunista Chinês”. O órgão ainda afirma que a Huawei é um braço de espionagem do governo chinês ao lado de empresas como Alibaba, Baidu, China Mobile, China Telecom e Tencent.

Huawei na Mobile World Congress. (Imagem: Karlis Dambrans/Flickr)

No final das contas, nem a Anatel ou o Ministério das Comunicações estabeleceram regras que impedissem a utilização de equipamentos da Huawei nas redes comerciais de 5G. Para as operadoras, isso foi um alívio: o banimento da fornecedora significaria em investimentos ainda maiores, uma vez que seria necessário substituir muitos equipamentos atuais.

A Huawei é uma das principais fornecedoras de rede para as operadoras brasileiras. Estima-se que a empresa responde por algo entre 40% a 50% dos equipamentos utilizados pelas teles nacionais, Recentemente, a Vivo divulgou que 65% da sua rede 4G usa equipamentos da empresa chinesa, enquanto apenas 35% são da sueca Ericsson. 

Atualizado em 12 de novembro de 2021.

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Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.

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