Imagine um futuro relativamente próximo no qual teremos a possibilidade de gerar bebês geneticamente projetados, ou nascidos de embriões escolhidos dentre vários outros, com upgrades em seu conteúdo, de forma a obter seres humanos muito mais saudáveis.

Imagine um mundo onde teremos crianças chamadas “naturais”, por terem sido geradas através do processo natural, sem modificações genéticas, sem glúten e com baixíssimas calorias. Não, calma, isso é outro comercial.

Mas com os avanços dos estudos do CRISPR, você, futuro papai ou mamãe, pode se ver diante dessa controversa decisão.

Mas Toad, o que é o CRISPR?

CRISPR-Cas9 (pronuncia-se crísper) é um acrônimo para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, que pode ser traduzido como Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Intercaladas. Viu que coisa simples de entender?

Brincadeira. É uma ferramenta de edição de genoma, muito mais rápida, barata e precisa que outras técnicas semelhantes que existiam anteriormente.

De forma bem simplificada, pense no CRISPR como um canivete suíço, que contém uma lupa para conseguir enxergar e separar áreas específicas do DNA, mas também conseguir cortar e editar qualquer uma dessas partes, além de uma “caneta” para reescrever aquele determinado pedaço.

Pra entender melhor, dá uma olhada nesse vídeo do canal Kurzgesagt – In a Nutshell, que tá bem didático.

E isso está evoluindo tão rápido que chega a ser assustador. No cenário proposto acima, poderemos estar diante de uma criança que é extraordinária, brilhante, cheia de saúde, atlética e, se você for bem sincero, vai perceber que ela é mais inteligente que você. Tão inteligente que será preciso enviá-la para uma escola diferenciada. Uma escola para crianças especiais.

Professor Xavier aprova.

Em breve, teremos toda uma nova geração de crianças assim. Elas serão mais saudáveis que a geração anterior, com custos mais baixos de planos de saúde, riscos mais baixos de contrair doenças e imunidade maior a uma série de mazelas. Sem contar os filhos desses indivíduos, que heradão essas modificações genéticas. Insira mais uma iteração de melhoras do código genético e temos uma tendência a criar uma raça de super-humanos.

Todavia, alguns cientistas já prevêem que boa parte dessas crianças pode vir a ter alguns problemas, como maior agressividade, ou mesmo narcisismo. Afinal, elas se enxergam como “melhores” que as outras crianças. Isso sem contar o risco gritante e assustador de termos um Reality Show com as primeiras crianças geneticamente modificadas que se destacam entre os demais. Já pensou que coisa mais horrorosa? Cruzes!

Tudo isso parece algo de ficção científica, mas nunca estivemos tão perto de atingir esse nível de manipulação genética como hoje.

Cientistas chineses, inclusive, já criaram um embrião humano geneticamente modificado, numa tentativa de remover o gene responsável por uma perigosa desordem sanguínea. E eles já realizaram esse experimento algumas vezes. Mas o resultado foi inconclusivo, com sucesso apenas parcial.

Mesmo na Inglaterra, onde esse debate acontece com bastante furor há alguns anos, cientistas receberam permissão de um órgão regulatório para editar DNA de embriões humanos, como eu expliquei neste texto.

Possíveis impactos positivos e negativos

Parece tentador poder ser capaz de criar humanos melhores. Mas quem define o que é “melhor”? Eu mesmo gostaria de ser mais alto, mais atlético, mais magro e mais inteligente.

Poder dar a nossos filhos todas essas características soa muito sedutor. Mas… E se essas modificações causarem problemas ainda maiores na saúde desse ser humano? Pior: e se essa tecnologia cair nas mãos erradas?

Pessoas podem ir longe demais, com uma motivação que pode não ser das mais nobres e não levar em consideração uma sociedade mais saudável, mas sim com fins únicos de obter lucro. Indo um pouco mais longe, o que impediria um grupo mal intencionado a agir motivado por uma ideologia, numa busca de uma raça pura, da concepção dos melhores entre os melhores?

Conheço um pessoal aqui do sul dos Estados Unidos que adoraria essa ideia.

Como sugestão de leitura, vocês sabem o que Josef Mengele fez no Brasil, né? Uma verdadeira legião de irmãos gêmeos loiros de olhos azuis em Cândido Godói. Confiram aqui.

Claro que os efeitos de ordem prática vão variar bastante. Alguns governos podem querer incentivar os cidadãos a adotarem essa prática médica, para reduzir custos com saúde ou alimentação, por exemplo. Outros podem vir a proibí-las até segunda ordem. Não seria a primeira vez que um governo tenta legislar sobre algo assim, certo?

Uma vez que as modificações genéticas naturais praticamente moldaram a sociedade como conhecemos hoje, com padrões físicos, ambientais e comportamentais, esse se torna portanto um assunto de suma importância. Apesar do nobre intuito da eugenia liberal, esses estudos podem sim ter consequências negativas. É uma tecnologia muito nova e muito poderosa. Os riscos são muito altos.

Mesmo a comunidade científica está bem dividida sobre o assunto, e arrisco dizer que no primeiro deslize ou resultado desastrado, todo esse avanço científico pode ser colocado na berlinda.

Se bebês geneticamente modificados serão tão bem recebidos quanto foram os bebês de proveta, só o tempo dirá.

Por agora, hackear o código humano ainda é muito perigoso e por mais incômodo que seja isso, acredito que precisamos de uma regulamentação internacional desse tipo de atividade para decidir quais os caminhos a seguir (e não seguir). Talvez usar o exemplo do Reino Unido já seja um bom começo.

Já que essa revolução genética vai impactar direta ou indiretamente a vida de todos nós, que ela seja a mais positiva possível.

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Matheus Gonçalves

Matheus Gonçalves

Ex-redator

Matheus Gonçalves é formado em Ciências da Computação pelo Centro Universitário FEI. Com mais de 20 anos de experiência em tecnologia e especialização em usabilidade e game development, atuou no Tecnoblog entre 2015 e 2017 abordando assuntos relacionados à sua área. Passou por empresas como Itaú, Bradesco, Amazon Web Services e Salesforce. É criador da Start Game App e podcaster do Toad Cast.

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