A sala mais silenciosa do mundo, criada pela Microsoft, pode deixar uma pessoa louca

Câmara anecoica é usada para aprimorar os produtos da empresa

Jean Prado
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• Atualizado há 1 ano
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A Microsoft apresentou em vídeo a sala mais quieta do mundo, construída em parceria com as Indústrias Eckel de Controle de Ruído. As paredes que ficam dentro do espaço absorvem de 99 a 100% do som no que a ciência chama de câmara anecoica, que vem do latim “sem ecos”. Nela, seu corpo começa a se acostumar com o silêncio e você ouve sons que te deixam apreensivo.

Para você ter ideia, um dos métodos de tortura usados pelo exército dos Estados Unidos, chamado de tortura wranca, usa essa abstenção sensorial e isolamento (de formas muito mais extremas, é claro) para provocar um sofrimento psicológico em seus inimigos. Enfim, a Microsoft não vai torturar ninguém com essa câmara (ou pelo menos eu espero), então qual é o propósito desse ambiente?

Batizada de Building 87, a câmara foi criada para aprimorar os produtos da Microsoft. Quando você conecta o carregador ou até mesmo aumenta o brilho, por exemplo, há a produção de um ruído muito pequeno, e um lugar como esses consegue identificá-lo. “Essa câmara nos dá a oportunidade de procurar esses sinais pequenos que podem ter impacto para o usuário final”, diz LeSalle Munroe, engenheiro sênior da Microsoft.

Veja a Cortana, por exemplo: a equipe de áudio foi capaz de simular cenários do mundo real em que o reconhecimento da fala é perturbado; posteriormente, esse transtorno é registrado e utilizado para aprimorar o mecanismo de reconhecimento da assistente de voz. A Microsoft usou um manequim com um alto-falante, que rapidamente faz perguntas para a Cortana enquanto os engenheiros atrapalham o reconhecimento de voz com ruídos de fundo.

Também é possível, por exemplo, avaliar a performance do microfone do Surface em aspectos como o alcance dinâmico, frequência de resposta, distorção harmônica e vedação acústica. A sala é útil para aprimorar os alto-falantes do produto, uma vez que fica mais fácil caracterizar suas propriedades acústicas, desde os componentes até o sistema integrado. Mais informações sobre a câmara B87 da Microsoft podem ser encontradas neste link.

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A exposição ao barulho do metrô, ou qualquer som acima de 85 dB, pode causar perda de audição a longo prazo.

O antigo recorde de silêncio estabelecido no Guinness era de –13 dB; a Microsoft conseguiu diminuir essa intensidade para –20,6 dB (!). Esse número é muito próximo ao do som mais quieto do mundo, teorizado por matemáticos como resultado do movimento Browniano, que mede –23 dB.

Esse som do movimento Browniano se dá com a organização aleatória das partículas suspensas em um fluído, seja ele gás ou líquido. Um ambiente mais quieto que esse só o vácuo, meio em que não há propagação de som por ausência de matéria. Como o som é uma onda mecânica, ele não consegue se propagar onde não há matéria.

Para fins de comparação, quando você acha que não está ouvindo nada, a intensidade do som é de 0 dB. Uma respiração calma mede cerca de 10 dB, o barulho da sua geladeira cerca de 40 dB e uma conversa normal, sem gritaria, chega a 60 dB. Com um pouco mais do que isso sua audição começa a ser prejudicada, como no metrô (90 dB) ou quando submetida ao urro de um elefante, com 114 dB.

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Erupção do vulcão Krakatoa, na ilha de mesmo nome, em 1883.

O som mais alto conhecido pela humanidade foi registrado em 1883, na erupção do vulcão Krakatoa, na Indonésia. Ele percorreu o mundo cerca de três vezes e meia e rompeu o tímpano de marinheiros que estavam a cerca de 64 quilômetros da movimentação vulcânica. A intensidade registrada foi de 170 dB a cerca de 160 km da erupção.

Por curiosidade, esses mesmos 170 dB foram registrada a apenas 100 metros do lançamento do foguete Saturno V; em uma distância próxima, o som chegou a 220 dB e era capaz de derreter concreto (!). Agora o latido do cachorro da minha vizinha me pareceu até mais baixo.

Como uma câmara anecoica funciona? Ela pode mesmo te deixar louco?

Derek Muller, do Veritasium decidiu visitar a câmara anecoica da Universidade Brigham Young (BYU), em Mineápolis. Alguns dizem que você só consegue ficar por no máximo 45 minutos, caso contrário começa a ter crises de ansiedade e sintomas de loucura.

Basicamente, uma câmara anecoica é projetada para isolar o som que vem de fora e conter reflexões de ondas mecânicas e eletromagnéticas. Isso acontece por conta dos calços que a envolvem, que conseguem absorver ou impedir a reflexão dessas ondas. O som de baixa frequência atinge os calços e “quica” internamente por entre os objetos, sem ser refletido; já o som de alta frequência é absorvido, segundo Cameron Vongsawad, que cuida da parte de acústica na BYU.

No vídeo acima, você pode ver que, conforme as portas vão sendo fechadas, o eco do som vai diminuindo. Imagine como deve ser estranho bater palmas e não ouvir a reflexão sonora. Essa falta de repetição sonora pode fazer com que você se sinta claustrofóbico, uma vez que, como não há reverberação do som, para o seu ouvido também há pouco espaço na sala.

Para Ann Clawson, estudante de psicologia, o desconforto na verdade pode ser uma manifestação da ansiedade. “Você está acostumado a ouvir os sons ao redor de você, e de repente você não ouve mais, então começa a ficar em pânico, isso causa estresse”, diz.

Há a possibilidade de você enlouquecer também com a quantidade de sons que começa a ouvir. O movimento das roupas no corpo, os fluidos na sua boca ou na garganta, a circulação do sangue no cérebro e até o coração batendo são sons que você passa a escutar depois de alguns minutos na câmara anecoica. O cérebro começa a basicamente “recalibrar” a audição e, ao longo do tempo, você fica mais sensível aos sons.

Tudo isso com uma câmara mostrada no vídeo, que tem “apenas” –7 dB de intensidade sonora. Imagina a da Microsoft, com quase três vezes isso. Muller, apesar do relato de amigos, conseguiu ficar uma hora na câmara e declarou que conseguiria mais. “Não entendo como as pessoas ficam loucas”, diz.

Você se submeteria a algumas horas nesse lugar?

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Jean Prado

Jean Prado

Ex-autor

Jean Prado é jornalista de tecnologia e conta com certificados nas áreas de Ciência de Dados, Python e Ciências Políticas. É especialista em análise e visualização de dados, e foi autor do Tecnoblog entre 2015 e 2018. Atualmente integra a equipe do Greenpeace Brasil.

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