Processo seletivo longo e feedbacks rasos: o que acontece com a Gupy?
Desde 2015, o software de recrutamento Gupy tenta transformar a maneira como os processos seletivos são feitos no Brasil, mas parece que essa transformação não tem sido tão positiva
Se você tem o costume de navegar pelo LinkedIn, provavelmente já deve ter se deparado com alguma publicação sobre a Gupy. Ou, principalmente, se está em busca de novas oportunidades no mercado de trabalho, deve ter usado a própria plataforma para se candidatar àquela vaga que te interessava.
A Gupy surgiu a partir da ideia de duas profissionais de Recursos Humanos (RH) que visavam transformar a maneira como os processos seletivos eram feitos no Brasil. A partir disso, com mais dois profissionais, construíram a plataforma que possui a primeira inteligência artificial para recrutamento do Brasil e possibilita às empresas e recrutadores encontrarem os candidatos ideais para suas vagas.
Mas será que o software tem funcionado bem no mercado? Pode ser que para as empresas a Gupy tenha sido excelente nos processos seletivos, mas para os candidatos a coisa não anda tão boa assim.
Chuva de críticas nas redes sociais
Nas redes sociais, principalmente LinkedIn e Twitter, mesmo com relatos positivos e vagas de empregos preenchidas, vários candidatos reclamam da quantidade de etapas nos processos de seleção, da demora no retorno e dos feedbacks superficiais.
Matheus Henrique Oliveira Seni e Victor P. também mostraram desânimo com o funcionamento da plataforma de recrutamento, em publicação na rede profissional:
“ultimamente vi muita gente reclamando de um modelo de recrutamento feito por uma tal de Gupy, mas até então não tinha sido algo que eu tinha pesquisado ou procurado saber sobre…
Hoje minha esposa me chamou para mostrar um “processo de recrutamento” que ela estava fazendo e eu fiquei surpreso, sim surpreso…
Como alguém tem uma ideia dessas para criar algo como aquilo e como tem empresas com a capacidade de contratar esse tipo de serviço?
E isso não é o pior de tudo, o pior de tudo é fazer aquele teste gigantesco para a proposta salarial ser um salário mínimo.
Absurdo demais.”
Matheus Henrique Oliveira Seni — no LinkedIn
“Entre milhões de pessoas que todos os dias se escrevem nas vagas da Gupy e Kenoby, eu sou uma das que já desistiram de participar de qualquer processo seletivo destas plataformas, não dá para ficar concorrendo com a inteligência artificial que faz a pré-seleção dos candidatos, assim como é incabível ver os processos exaustivos que as empresas impõem em sua busca por funcionários.
É lógico que a plataforma vai continuar existindo por aí, mas quando você faz algo que não dá resultado, é a mesma coisa de plantar uma pedra no lugar de uma semente e esperar que de frutos.”
Victor P. — no LinkedIn
No Twitter, a situação não é diferente. A rede social, que funciona como um espaço de “desabafo” para os usuários, acumula muitas reclamações. A conta @RafaStrss_ diz se sentir desmotivada com a plataforma e o perfil @linque94 afirma preferir a candidatura simplificada oferecida pelo LinkedIn:
“a Gupy tem uma jornada de candidato tão RUIM em relação a report o candidato n tem a mínima noção se ja foi eliminado se o processo seletivo ta aberto se ja cancelaram QUE ODIO é claramente um rh padrão online que te prende por meses e n dá um retorno”
@hobiuzumaki em tweet
Experiências negativas continuam
Aqui no Tecnoblog, também houve depoimentos sobre o software. Três colaboradores já utilizaram a plataforma para se candidatarem em vagas no passado, com experiências e percepções que complementam as já citadas acima. Entre as reclamações, apontam o processo longo e cansativo, a falta de informações, o complexo cadastro de currículo e os feedbacks nada construtivos.
“Meu processo foi tranquilo na sua maioria, mas algo que é cansativo para o candidato são as provas que eles inserem ali no meio e que não remetem ao processo seletivo em questão. […] A plataforma também não te passa o contato do entrevistador. Eu precisei muito do contato de RH da pessoa que estava fazendo minha seleção e não consegui, quase perdi minha vaga por isso. Precisei sair da minha cidade e ir até a cidade onde a empresa fica, que embora não seja longe, não é do lado.”
Carolina Martins — assistente de conteúdo no Tecnoblog
“Acho que todo mundo que já passou por processos seletivos em plataformas como a Gupy vai ter a mesma primeira reclamação: o cadastro do currículo. É bem frustrante você passar horas montando o melhor currículo possível para chegar em um processo seletivo e nem poder usar ele porque a plataforma pede um cadastro interno, e mesmo deixar o PDF para a IA (inteligência artificial) interpretar é uma péssima ideia, porque sempre vão ficar buracos que ela não leu. […] Depois, tem a questão dos processos seletivos. […] Minha maior reclamação é sobre como são feitas essas etapas e sobre os feedbacks vazios que a plataforma se orgulha em entregar.”
Laura Canal — assistente de conteúdo no Tecnoblog
Aos 19 anos, Laura Canal ainda relata que a Gupy foi uma das suas primeiras experiências na tentativa de uma vaga de emprego e que, por isso, se sente uma representante da geração que reclama sobre como estão sendo recebidos no mercado de trabalho. “[…] quando você está nas suas primeiras tentativas de conseguir um emprego, pode até não contar com a vaga, mas espera ao menos tirar algo do processo seletivo. Ir evoluindo para chegar mais preparado no próximo, sabe?”.
Ela conta que certa vez se candidatou para uma vaga semelhante à que já exercia em outra instituição e, por essa razão, se sentiu confiante. Passou por várias etapas até chegar à que era solicitada uma publicação fictícia para o blog e redes sociais da empresa que estava contratando.
“Eu fiz, e mesmo tendo a certeza de que hoje faria melhor, ainda me orgulho bastante do trabalho que entreguei. Agora, imagine a minha surpresa quando finalmente recebi o feedback do processo seletivo — que eu não passei, mas até aí tudo bem — e ele não falava absolutamente nada sobre o meu texto?
Para não dizer chega, o próprio e-mail vinha com “no-reply”, ou seja, a impressão que me passou foi que esse “feedback” era apenas algo para dar à companhia o selo de “empresa legal” na plataforma. É claro, muitas decisões são das empresas e não da Gupy, mas me incomoda não serem implementadas regras para não deixar os processos nessas “soluções” de RH se tornarem verdadeiros problemas.
[…] se o candidato pode dedicar seu tempo a cumprir com as diversas etapas desses processos antes mesmo de ter direito a uma entrevista, eu acho que o mínimo seria ele ter a garantia de um feedback verdadeiro sobre o trabalho que entregou.”
Sobre essa questão de que nem tudo é definido pela Gupy, Ricardo Syozi também concorda. De acordo com ele, que já passou por processos seletivos na plataforma entre cinco e sete vezes, todos os recrutamentos demoraram bastante, mas que isso não foi por conta da quantidade de etapas, mas sim pela demora dos próprios recrutadores para definir os candidatos que passariam de fase:
“De qualquer forma, algumas levaram menos tempo do que outras, porém nunca senti que o problema era da Gupy em si, mas sim das empresas que demoravam para retornar ou simplesmente não o faziam.”
Ricardo Syozi — autor no Tecnoblog
Nem tudo é definido pela Gupy mesmo?
Em posicionamento enviado ao Tecnoblog sobre as reclamações dos usuários da plataforma, Guilherme Dias, CMPO e cofundador da Gupy, explica que o software viabiliza o recrutamento online, por isso oferece ferramentas internas e integrações com ferramentas externas para que os recrutadores possam definir os processos e feedbacks de maneira personalizada, seguindo as necessidades da empresa.
No entanto, Dias reconhece que, como a plataforma trabalha como uma intermediadora, possui responsabilidade em ajudar a fazer com que os processos sejam mais eficientes:
“[…] acreditamos que temos a responsabilidade de ajudar a fazer com que os processos realizados pela plataforma sejam cada vez mais eficientes e ofereçam experiências melhores tanto para as pessoas recrutadoras quanto para as candidatas. Por isso, desde 2021 estamos colhendo feedbacks dos nossos usuários e, com base neles, temos lançado mensalmente em nosso blog uma série de iniciativas que estão ajudando a melhorar este cenário.
Em dezembro de 2021, por exemplo, anunciamos o selo “Empresa que dá feedback”, que reconhece as empresas com as melhores práticas de feedback em seus processos seletivos e, consequentemente, garante transparência para as pessoas candidatas em relação às empresas com uma média de 90% de feedback nos últimos 3 meses. O selo é atualizado trimestralmente.
Além disso, identificamos que uma das dores dos candidatos era justamente não ter transparência em relação a quantas pessoas estão inscritas nas vagas e quantas estão em determinadas etapas do processo seletivo. Por isso, lançamos as seguintes funcionalidades: Concorrência nas vagas e Avaliação das etapas dos processos seletivos.
Nós também entendemos que parte da dificuldade de algumas pessoas candidatas é por não compreender bem o funcionamento da Gupy ou não conhecer as melhores práticas para os processos seletivos online, por isso desde o ano passado criamos um blog com conteúdos exclusivos pessoas candidatas, assim como um perfil no Instagram específico para este público, e no final de 2021 lançamos um curso com todas as melhores práticas da Gupy, incluindo um módulo sobre inteligência artificial para que as pessoas candidatas tenham mais transparência sobre o que é e como funciona.”
Sobre a quantidade de pessoas que, nem sequer, passam da primeira fase e qual seria o papel da inteligência artificial da Gupy, chamada Gaia, nisso tudo, Guilherme Dias ainda explica ao Tecnoblog que a IA é utilizada apenas para a ordenação dos perfis das pessoas candidatas e não tem nenhum poder de decisão:
“Ela não faz nenhum tipo de seleção e não toma nenhuma decisão nos processos seletivos, isto é de responsabilidade das pessoas recrutadoras responsáveis […]. O que a inteligência artificial faz é ordenar todos os currículos recebidos em um ranking de afinidade com a vaga.
Este ranking é feito com base em todas as informações proporcionadas pelas pessoas candidatas tanto em seu currículo quanto na Gupy, e também com base nas etapas realizadas no processo seletivo, como os resultados dos testes, por exemplo.
Um ponto interessante é que, independentemente do resultado de testes ou das etapas, a IA da Gupy não atribui pesos negativos aos candidatos, apenas positivos. Ou seja, ela avalia tudo o que torna a pessoa candidata apta a uma vaga, mas caso o resultado de um teste não seja tão positivo, por exemplo, este resultado não impactará negativamente o candidato em questão. O impacto será neutro.”
Com essas afirmações, fica evidente o papel mais ativo e responsável que as empresas recrutadoras precisam ter na escolha dos candidatos que irão para as próximas fases ou serão contratados pela Gupy.
Se pararmos para pensar bem, a inteligência artificial pode até destacar determinado candidato como apto para o cargo com base no que foi escrito por ele, mas será que essa pessoa está sendo sincera? Será que ela é ideal, de verdade, para a empresa e sua cultura?
E aquele candidato que deixou passar uma informação importante do seu currículo, não recebeu uma boa classificação e foi descartado, será que a empresa não perdeu aí, uma pessoa de peso para o time?
Diante disso, a Gupy afirma que todas as empresas precisam ter, no mínimo, uma etapa de entrevista com o candidato, já que o processo de análise feito pela IA é apenas preliminar:
“As etapas prévias servem para identificar os perfis que estão mais alinhados com a vaga, e isso é feito com base na análise do currículo e, muitas vezes, de testes técnicos e comportamentais – ou seja, as informações que as pessoas candidatas informam nos currículos são testadas desta forma -, e a inteligência artificial analisa todas estas informações. Além disso, todas as empresas têm, no mínimo, uma etapa de entrevista, seja com a pessoa recrutadora ou diretamente com a futura gestora da área.”
Determinadas ações, ideias e posicionamentos só são captados em uma conversa cara a cara ou durante a convivência. As empresas não podem confiar 100% na inteligência artificial e precisam adequar todos os processos às suas necessidade e objetivos, visto que falhas podem acontecer e bons candidatos podem ser perdidos.
Em relação ao controle por parte dos recrutadores em processos e também feedbacks, a Gupy esclarece que, desde a sua criação, vem compartilhando conhecimentos e experiências com os RHs das empresas, com projetos exclusivos para clientes como os treinamentos e a Gupy Comunidade, e outros abertos para todos os usuários que envolvem um blog e a chamada Gupy Academy.
Ainda sobre das reclamações por parte dos candidatos, a empresa reforça que está trabalhando em melhorias e que conta com um comitê ativo para identificar dores e propor soluções:
“Temos um comitê cujo objetivo é identificar as maiores dores das pessoas candidatas e pensar em soluções para elas. Para isso, estamos entrevistando pessoas para participarem deste processo conosco, para entender as suas principais necessidades. Foi justamente isso que possibilitou as iniciativas e muitas outras que serão lançadas em breve.”
Guilherme Dias — CMPO e cofundador da Gupy
Atualização: adicionamos um trecho para deixar claro que a inteligência artificial da Gupy é só parte do processo e as empresas têm pelo menos uma entrevista antes da contratação.
Amanda Machado é jornalista e faz parte da equipe do Tecnoblog desde 2021, atualmente como analista de mídias sociais. Formada pela Universidade Norte do Paraná, iniciou sua carreira na produção de conteúdo online. Trabalhou por três anos como redatora de blogs em diferentes segmentos. Por um ano ficou à frente da newsletter da Nowall School, abordando temas sobre redes sociais, tecnologia e estratégias digitais. Nesse período também assumiu a função de planejar e produzir conteúdos para o Instagram.