Como funciona o spam no WhatsApp que pode ter beneficiado Bolsonaro

Empresas fazem disparo em massa no WhatsApp, Telegram e Facebook Messenger; Bolsonaro nega conhecer esquema e ameaça processar Haddad

Felipe Ventura
Por
• Atualizado há 1 ano e 1 mês
WhatsApp / Facebook / Pixabay

A Folha revelou nesta quinta-feira (18) um suposto esquema em que empresas privadas apoiando Jair Bolsonaro (PSL) contratam o disparo de mensagens anti-PT no WhatsApp. Cada contrato chegaria a R$ 12 milhões; a lei eleitoral proíbe doações feitas por empresas. O Ministério Público Eleitoral (MPE) vai apurar o caso, que expõe o funcionamento do spam via WhatsApp.

Basicamente, empresas que apoiam Bolsonaro — incluindo a Havan — estariam comprando um serviço chamado “disparo em massa”, para enviar milhões de mensagens anti-PT a uma base de usuários. Isso inclui pessoas que cederam seus números de forma voluntária, algo permitido pela lei eleitoral; assim como celulares vindos de bases de terceiros, como agências de marketing — o que é ilegal.

Além disso, o disparo seria feito por números de celular estrangeiros, criados em sites como o TextNow. Usando códigos de área de outros países, é possível driblar filtros de spam do WhatsApp, e enviar mensagens para mais pessoas. No Brasil, só é possível encaminhar mensagens para até 20 pessoas de uma vez, medida para conter fake news na plataforma.

Empresas oferecem marketing político via WhatsApp

Página da Bulk Services, da empresa Yacows, sobre marketing político

A Folha menciona quatro empresas que fariam o disparo de mensagens: Quick Mobile, Yacows, Croc Services e SMS Market. A Bulk Services, da Yacows, tem uma página dedicada para marketing político no WhatsApp, oferecendo serviços como “disparo em massa de mensagens”. (Ela disse que não irá se manifestar.)

Enquanto isso, a SMS Market destaca uma solução própria para envio em massa. Normalmente, só é possível mandar um grande volume de mensagens para quem tem você nos contatos do WhatsApp; caso contrário, ocorre o bloqueio. “Com nossa ferramenta esse limite deixa de existir, você pode realizar o envio de campanhas em massa para seu mailing sem precisar estar contido na agenda de seu smartphone”, diz o site.

Ela avisa que o “limite para carregamento da fila é de 10.000 de envio do WhatsApp Marketing por dia”. A SMS Mobile afirma ao Mobile Time que a matéria da Folha é “falsa, não recebemos de empresas nenhum dinheiro para fazer publicidade contra o PT”.

Página da SMS Market sobre marketing no WhatsApp

Por sua vez, o site da Quick Mobile destaca seus serviços de marketing eleitoral, na maior parte via SMS, através de um serviço chamado Acert. (Encontramos apenas uma referência ao WhatsApp.) Ela nega ter fechado contrato com empresas para enviar conteúdo político.

Página inicial do Acert, serviço de marketing da Quick Mobile

Esquema de spam atinge Telegram e Facebook Messenger

O WhatsApp oferece um serviço voltado para empresas, chamado WhatsApp for Business, com alguns recursos adicionais. É possível configurar mensagens automáticas de boas-vindas e avisos de ausência, além de conferir estatísticas básicas — quantas mensagens foram recebidas, enviadas, entregues e lidas.

No entanto, o esquema de spam não usa parceiros autorizados do WhatsApp for Business. Em vez disso, as empresas fingem ser pessoas físicas para compartilhar mensagens, o que viola a política de uso do aplicativo.

E se você acha que isso é uma exclusividade do WhatsApp, está enganado. “O WhatsApp é o principal, mas não está só: acontece no Telegram e no Messenger também, embora em menor quantidade”, diz o advogado Rafael Pellon ao Mobile Time.

Segundo Pellon, empresas realizaram “disparos ilícitos massivos de spam a poucas semanas da votação” nas últimas três eleições, de 2012, 2014 e 2016. A diferença é que antes, isso era feito por SMS; agora, ocorre por meio de aplicativo. As ferramentas de spam são até semelhantes, com softwares dedicados a essa tarefa e uso de diversos números de celular, inclusive do exterior.

A reação de Bolsonaro e Haddad às acusações

O candidato Fernando Haddad (PT) sugeriu que, em meio às denúncias, a campanha de Bolsonaro deveria ser impugnada. O segundo turno seria, então, realizado com Ciro Gomes (PDT).

Além disso, o PT entrou com uma ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra Bolsonaro por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. O partido quer que, após as investigações, Bolsonaro seja declarado inelegível por 8 anos.

O MPE vai apurar as suspeitas. Dois pedidos de investigação já foram protocolados na Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), um deles do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Outras representações devem ser apresentadas diretamente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE): é o que planeja fazer o PDT, que apoia Haddad.

A campanha de Bolsonaro ameaça processar Haddad, e diz que não conhece o suposto esquema, nem as empresas que fariam o disparo de mensagens.

Ao site O Antagonista, Bolsonaro diz entender que o esquema “fere a legislação”, mas que não tem controle “se tem empresário simpático a mim fazendo isso”. Ele sugere que “pode ser gente até ligada à esquerda que diz que está comigo para tentar complicar a minha vida me denunciando por abuso de poder econômico”.

Luciano Hang, dono da Havan, diz à Folha que “não temos essa necessidade” de disparo em massa, porque consegue atingir milhões de pessoas de forma orgânica. Ele prometeu que vai processar o jornal. Na ação aberta no TSE, o PT quer a quebra de sigilo bancário e telefônico das empresas acusadas.

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Felipe Ventura

Felipe Ventura

Ex-editor

Felipe Ventura fez graduação em Economia pela FEA-USP, e trabalha com jornalismo desde 2009. No Tecnoblog, atuou entre 2017 e 2023 como editor de notícias, ajudando a cobrir os principais fatos de tecnologia. Sua paixão pela comunicação começou em um estágio na editora Axel Springer na Alemanha. Foi repórter e editor-assistente no Gizmodo Brasil.

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