Ronaldo Gogoni 7 anos atrás
“06:37. Tudo estava perfeito, ao menos na teoria. O plano consistia em se infiltrar na vila, capturar o contato e sair sem ser visto. Uma missão simples. Miller não estava preocupado, nem Ocelot. Entrar foi fácil. Encontrar o alvo também, após interrogar um soldado soviético que foi descuidado demais ao se afastar de seus pares. O problema era extraí-lo, visto que o Sol nasceu e a patrulha se intensificara.
Por sorte eu havia plantado C-4 em uma parte afastada do vilarejo. Assim que acionei os explosivos todos se dirigiram para o local. Todos, exceto um. E esse me viu, sem tempo para reagir. Maldição, devia ter prestado mais atenção.
O contato é precioso demais, não posso arriscar uma fuga desesperada. Vou ter que o deixar em um dos casebres e resolver essa situação, eliminando as forças inimigas o mais rápido possível.”
Esta é apenas uma das inúmeras formas de se jogar Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, o título final da franquia de Hideo Kojima e um dos games mais esperados de 2015. E como esperado, o game atendeu todas as expectativas dos fãs.
A franquia Metal Gear, iniciada no MSX nos anos 1980 mas alçada à popularidade apenas em 1998, com o lançamento de Metal Gear Solid para PSOne sempre se baseou em uma premissa: espionagem, infiltração e ambientes limitados, obrigando o jogador a quebrar a cabeça para resolver as mais inusitadas situações e sair vivo, de preferência sem ser visto, o que confere bônus adicionais. Fora a linearidade a série se tornou célebre por uma narrativa extensa, com cutscenes e diálogos longos que muitos brincavam dizendo que Metal Gear era mais sobre assistir e menos sobre jogar. De certa forma, estavam certos.
Mas Kojima mudou tudo em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. Ao invés de focar na história, o título final da série que amarra os nós que faltavam (ou ao menos tenta) na história de Big Boss, Solid Snake e cia. limitada preferiu dar extensa atenção à jogabilidade em si, que brilha. A história está lá, mas em segundo plano. A narrativa é você quem constrói, decidindo como atuar. Assim, mesmo quem não jogou nada da franquia anteriormente vai se divertir e não vai boiar muito, mas claro que um fã das caixas de papelão vai extrair mais do jogo.
Desta vez, é tudo sobre a mecânica
Mas não vamos pular aquilo que sempre foi o cerne de Metal Gear, e falemos um pouco sobre os eventos do game. Após o ataque da XOF, uma facção rebelde da Cipher à Mother Base comandada pelo enigmático Skull Face nos eventos finais de Metal Gear Solid V: Ground Zeroes, Big Boss entrou em coma e acorda nove anos depois, com a missão de se safar do hospital com vida e se reunir com seus antigos aliados. A partir daí começa a missão de construir sua nova força militar privada: sai a Militaries San Frontieres, entram os Diamond Dogs. Big Boss então, aqui também chamado de Venom Snake vai atrás de vingança contra os culpados.
Depois do prólogo nós vemos o quanto a franquia mudou: Kojima resolveu subverter tudo e fez de The Phantom Pain um game de mundo aberto, com total liberdade para você cumprir as missões como quiser. Você pode utilizar veículos, armas diversas e cumprir os objetivos de diversas maneiras. Claro que o game premia o jogador que conseguir entrar e sair sem ser visto e sem matar ninguém, mas os amplos espaços das locações (Afeganistão e África Central, na fronteira entre Angola e Congo, na época Zaire — o game se passa em 1984) fornecem toda uma nova gama de opções. É possível atrair os inimigos para uma região afastada, nocautear silenciosamente, interrogar os soldados ou mesmo ir à forra e mandar chumbo em todos.
Você pode por exemplo pegar um jipe inimigo, bloquear a estrada e impedir um caminhão de seguir caminho, neutralizando os soldados como quiser (no meu caso, entupi o carro de C4 e o detonei quando chegaram perto) ou invadir uma vila, desabilitar os sistemas de comunicação e o radar antiaéreo, atraí-los para um ponto longe de você e chamar o helicóptero para uma extração segura ou algo mais divertido, acionar o suporte aéreo e avassalar todo mundo.
Resumindo: a narrativa é só uma linha-guia, você decide como quer conduzir a história nas missões e há muitas a serem cumpridas: além das principais que desfraldam o storyline há dezenas de missões paralelas onde você resgata prisioneiros, destrói tanques, captura inimigos, etc., e você pode cumpri-las atuando sozinho ou fazendo uso de seus companheiros. Aliás, essa é uma das mecânicas mais legais do game.
Cuide bem de seus parceiros
Vejamos o D-Dog por exemplo, o cachorro (que também usa tapa-olho) resgatado por Snake e treinado por Ocelot. Levá-lo em suas missões ajuda muito pois ele é capaz de localizar inimigos, animais, minas terrestres, armas e, não obstante, também pode chamar a atenção dos soldados. Dependendo do equipamento ele pode também morder e imobilizar, nocautear, ferir ou mesmo matar um inimigo, sendo bem útil.
Há também o D-Horse, o cavalo que é basicamente um meio de transporte (além de permitir carregar pessoas resgatadas) e o D-Walker, um mecha inteligente com armas diversas. Mas talvez a mais legal de todas é de fato a Quiet, a sniper silenciosa que anda pelo campo de batalha seminua (há uma desculpa para isso, mas sinceramente ela não convenceu; mas em se tratando do Kojima, que nunca saiu da adolescência isso já era esperado. Isso sem mencionar algumas cenas um tanto… controversas).
Como exímia atiradora dotada de poderes de invisibilidade, sem falar em força e reflexos aumentados, Quiet pode se posicionar na área de combate facilmente e eliminar os inimigos caso eles vejam Snake, ou ser mandada na frente para inspecionar (a pé, e ela é mais veloz que qualquer veículo), marcando no mapa inimigos e pontos de interesse. Com o equipamento certo ela se torna uma forma excelente de neutralizar inimigos de forma discreta: com um rifle que dispara tranquilizantes equipado com um silenciador, os soldados são postos para dormir sem nem mesmo saber o que os atingiu.
SimMotherBase
Isso é útil quando um lugar está apinhado e você deseja extrair um soldado com habilidades excepcionais para a Mother Base. Sim, porque há um modo de administração da base, onde você deve coletar materiais para expandir as instalações e ser capaz de recrutar mais soldados, para manda-los em missões externas para adquirir mais recursos. E antes que falem que o método de extração por balões (que já estava presente em MGS: Peace Walker) é exagerado, saibam que o sistema de recuperação Fulton existiu de verdade, sendo desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial e usado até meados dos anos 1990, quando helicópteros mais modernos o tornaram obsoleto. Aqui um vídeo dele em ação:
militaryvideocom — C-130 Hercules & The Fulton Recovery System
Talvez as missões paralelas sejam a parte mais chata de The Phantom Pain: em um determinado momento você se verá sendo obrigado a voltar àquela base pela qual passou na campanha principal duas, três, quatro, CINCO vezes para cumprir determinados objetivos. OK que o objetivo é sempre diferente, mas alguns podem se cansar de sempre serem obrigados a voltarem aos mesmos pontos. Ainda assim, as inúmeras mudanças inseridas em comparação aos títulos anteriores superam os pontos negativos.
O game não possui muitas músicas originais, o áudio incidental vem apenas em momentos-chave. Por outro lado você pode utilizar as diversas fitas cassete espalhadas pelo jogo (com clássicos dos anos 1980, indo de A-Ha a Daryl Hall & John Oates, passando por Kim Wilde, Joy Division, The Cure e Europe, sem falar na versão de Midge Ure para The Man Who Sold The World de David Bowie, a primeira que você ouve ao iniciar um novo jogo e que possui certa importância na trama); no geral todas as músicas são excelentes e situam bem game temporalmente, como você pode conferir abaixo:
Há mais fitas no game, estas com diálogos que explicam mais sobre a história de The Phantom Pain e de títulos anteriores da cronologia. São nelas aliás onde você irá apreciar mais o trabalho de Kiefer Sutherland, que dubla Snake. Fora delas ele é quase tão mudo quanto Quiet a maior parte do tempo, o que chega a ser estranho: você tem um ator de primeiro escalão no papel principal e não faz ele falar?
“This is the end, beautiful friend…”
Enfim, Metal Gear Solid V: The Phantom Pain é o derradeiro episódio de uma história que abrange quase cinquenta anos de cronologia, o último título de Kojima para a Konami e ironicamente, o último game AAA que a desenvolvedora irá investir, já que hoje veio a notícia que tirando PES, o foco do estúdio se voltará exclusivamente para o mobile.
Portanto godspeed Metal Gear, foi uma longa viagem até aqui; sentiremos sua falta.
Ficha Técnica