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O que é emulação?

Entenda o que é emulação, quais as suas aplicações, por que ela é geralmente relacionada a games, o que é legal, o que é ilegal e o que é mito

4 anos atrás

O que é emulação? O processo de imitar o funcionamento de um sistema e programas em outro sistema não é exclusivo de consoles de videogame, embora o termo seja mais associado com games. A técnica em si é legal até certo ponto, mas quando falamos de nossos joguinhos antigos favoritos, as coisas ficam bastante complicadas.

Consoles e controlesss genéricos / o que é emulação

Neste texto você confere um dossiê completo sobre emulação: o que é, para que serve, quais os usos legais, como ela se aplica aos games, o que você pode e não pode fazer.

O que é emulação?

Emulação é um processo em que um software ou dispositivo permite um a um sistema (chamado de "hospedeiro") imitar o funcionamento de outro sistema (o "convidado"), de modo que o primeiro possa rodar seus softwares e reconhecer periféricos para os quais não tem suporte. O emulador pode ser tanto um adaptador físico quanto um programa, desenvolvido especificamente para agir como o sistema convidado.

O conceito de emulação não é novo: em 1936, o matemático britânico Alan Turing descreveu uma máquina abstrata, que limitada a seus princípios lógicos (memória, estados e transições) seria capaz de imitar qualquer unidade computacional existente. O conceito, hoje conhecido como Máquina de Turing, é um modelo que estabelece um princípio simples: uma ULA (Unidade Lógica Aritmética) é capaz de reproduzir o funcionamento de qualquer outro computador, independente do tempo que isso leve.

DOSBox / o que é emulação

DOSBox, emulador do MS-DOS para computadores modernos

Assim, um Intel 8088 pode emular um Core i7 baseado nesse conceito, mesmo que leve muito, mas muito tempo para rodar Crysis nele. Claro que normalmente é tomado o caminho inverso, com sistemas mais novos emulando os mais antigos, dada a menor capacidade de processamento.

Modelos de emulação

Há vários tipos de uso para a emulação, em diversos setores. É possível realizada por hardware, com dispositivos e sistemas desenvolvidos para este fim, ou mesmo com chips FPGA (Field-Programmable Gate Array, ou Matriz de Portas Programáveis em Campo) um componente programável de alto nível que pode ser customizado depois da impressão. Processadores equipados com este chip permitem a um desenvolvedor escrever programas que emulam desde uma ULA a um processador completo.

Sabe aquela historinha dos tempos do Orkut, sobre "fazer download de um processador Pentium 4"? Com um FPGA, que é basicamente uma protoboard/breadboard com milhares de CIs básicos (AND, OR, NOT), é possível.

Virtualbox / o que é emulação

Programas como o VirtualBox permitem emular diversos sistemas operacionais

A virtualização, por sua vez é um processo onde um sistema operacional inteiro é emulado, para diversos fins, desde pessoal a educacional e corporativo: muitas empresas dependem de sistemas virtualizados em servidores para suas necessidades.

Como cada sistema conta como uma instalação legítima, é preciso adquirir licenças válidas de SOs como Windows, Red Hat e SUSE, enquanto outros, como a maioria das distribuições Linux, são gratuitas. O macOS, por sua vez não pode ser legalmente virtualizado, por ser voltado apenas para computadores da linha Apple Mac.

Emulação de games

Como consoles de videogame são sistemas computacionais em sua essência, seus programas, ou jogos, também podem ser emulados em outros sistemas, de computadores a celulares e SBCs (single board computers, como o Raspberry Pi). Em geral, emuladores de consoles usam arquivos de backup dos títulos originais, como uma cópia da memória ROM de um cartucho, ou imagens .ISO copiadas de CDs, DVDs e Blu-rays.

Copiar ("dumping") a memória ROM de um cartucho de videogame, seja do Atari 2600 ou do Nintendo 3DS, exige equipamentos específicos para ler o conteúdo do chip, de modo a convertê-lo em um arquivo, popularmente também chamado de ROM, que pode ser lido pelo emulador. Já copiar um disco de jogo depende apenas de um leitor de mídia e um programa, normalmente disponível comercialmente, como Nero Burning ROM ou ImgBurn.

Emulação de games / o que é emulação

Em geral, ROMs de jogos para consoles antigos, até os de 16 bits costumam ser bem pequenas, indo de alguns kBs a no máximo 48 Mb (ou 6 MB, no caso de Tales of Phantasia e Star Ocean, ambos para Super NES); já as ISOs costumam ser bem maiores, dado o maior espaço disponível em discos ópticos.

Alguns emuladores dependem também da BIOS do sistema que emula para que funcionem, e esta também passa pelo mesmo processo de dumping da ROM. Neste caso, um mesmo console pode ter várias BIOS, para cada versão, revisão ou região em que foi lançado.

Por que a emulação de games é popular?

Por uma série de fatores. Algumas pessoas querem continuar a ter acesso a jogos de sistemas que tiveram no passado, mas que não possuem mais ou que não estão mais disponíveis para compra, enquanto outras gostariam de conhecer a história dos videogames, jogando títulos que fizeram sucesso quando eles nem eram nascidos (mais ou menos como em Jogador Nº 1, o livro e o filme; se puder, leia o livro), ou que não foram lançados na sua região na época.

Outros, ainda usam a emulação como meio de poder jogar seus games favoritos em qualquer lugar, como no celular ou tablet on the go, ou religa-los de novo em uma TV, usando um SBC. O acesso aos emuladores está a um Google de distância, bem como as ROMs e ISOs, e qualquer dispositivo de hoje pode rodar esses jogos facilmente, alguns com gráficos melhorados e/ou correções no código (como E.T.: The Extra-Terrestrial do Atari 2600, que era injogável).

Outros pdoem jogar títulos restritos a uma outra região com patches de tradução, no caso de jogos japoneses que não foram localizados para o ocidente, ou mesmo para português brasileiro, para quem não domina o inglês e gostaria de jogar RPGs clássicos e entender a trama.

Konami / Policenauts / o que é emulação

A tradução para o inglês de Policenauts, um dos clássicos perdidos de Hideo Kojima, foi um dos casos de localização via emulação mais emblemáticos

O caso dos Abandonwares, ou softwares abandonados é outro um tanto complexo. Ele parte do princípio de que um programa ou jogo antigo, cujos donos de direitos autorais não podem ser identificados por vários motivos (falência, encerramento de atividades, venda da propriedade intelectual para outrem que não distribui o jogo, etc.) passa a ser considerado "abandonado" pela comunidade, e dessa forma, pode ser distribuído legalmente.

Só que o entendimento legal, tanto neste caso como em todos os outros, é bem diferente.

O que a Lei diz sobre emulação

Um emulador per se não possui qualquer código patenteado (com exceção da BIOS, tanto que ela é distribuída à parte) e por causa disso, é considerado um software legal. No entanto, o mesmo não pode ser dito das ROMs e ISOs, estas protegidas pelas leis de direitos autorais, salvo em casos específicos.

Citando a lei de copyright dos Estados Unidos, uma propriedade intelectual só cai em domínio público 70 anos após a morte do autor, e olhando para os jogos eletrônicos, absolutamente nenhum deles, ou seus personagens, chegou a tal idade.

O processo de dumping, por sua vez é considerado ilegal por lá para backup pessoal (caso Atari vs. JS&A Group, de 1983), mas legal para fins de desenvolvimento (caso Sega vs. Accolade, de 1992), caso o estúdio não tenha como acessar os recursos de um sistema para criar seus jogos.

SEGA / E-SWAT: City Under Siege

A E-SWAT informa: emulação é ilegal sim, senhor

No Brasil, a lei que rege direitos autorais sobre programas de computador, o que inclui jogos de videogame, é a Lei Nº 9.609 de 19 de fevereiro de 1998. Com base nela, o que vale por aqui é o seguinte:

Você não pode...

  • Usar ROMs e ISOs de jogos ou BIOS de consoles em emuladores sem autorização do fabricante ou detentor dos direitos autorais, mesmo tendo o jogo ou console originais;
  • Disponibilizar ROMs, ISOs e BIOS na internet, ou vendê-las em mídias físicas sem autorização;
  • Baixar da internet ROMs, ISOs e BIOS protegidas por direitos autorais, ou mantê-las em seus dispositivos (independente de por 24 horas, menos ou mais tempo) sem ter uma cópia original dos mesmos;
  • Distribuir ROMs ou ISOs modificadas, ou patches de correção ou tradução de jogos, sem autorização.

Você pode...

  • Fazer dumping de uma ROM ou criar uma imagem ISO de um jogo que possua, mas apenas para fins de backup;
  • Baixar da internet e manter ROMs e ISOs de jogos cujas versões originais você possua, novamente apenas para backup;
  • Baixar, desenvolver ou disponibilizar emuladores sem nenhum tipo de código proprietário embutido, como a BIOS ou ROMs e ISOs;
  • Modificar jogos adquiridos legalmente de acordo com sua necessidade, como corrigir bugs ou localiza-los (traduzir), desde que a licença de uso permita e apenas para uso pessoal;
  • Executar jogos adquiridos legalmente em um hardware diferente do qual foi originalmente destinado, desde que a licença de uso assim permita.

Por fim, a Lei não prevê o caso de abandonware, e os direitos autorais de um jogo perduram mesmo que ele não seja mais distribuído oficialmente, como ocorre em qualquer outro país. Por aqui, os direitos expiram 50 anos após a publicação original, assim, restam dois anos para que PONG da Atari, lançado em 1972, caia em domínio público no território brasileiro.

Já nos EUA, isso ocorrerá somente 70 anos contados após a morte de Al Acorn, que está muito vivo e muito bem.

O que dizem as empresas

A Nintendo possui uma posição oficial sobre emuladores, documentada em uma página que detalha questões legais sobre a companhia e suas marcas. Historicamente, a casa do Mario é absolutamente contra todo e qualquer tipo de emulação de seus títulos, e atua de modo draconiano para combater a prática.

Bonecos de Reggie Fils-Aimé, Satoru Iwata e Shigeru Miyamoto na E3 2014

"Olá, nós ficamos sabendo que você está distribuindo ROMs de nossos jogos sem autorização..."

Não são poucos os casos em que sites de ROMs, canais de YouTubers fazendo transmissões de jogos modificados ou versões alteradas dos títulos foram impiedosamente esmagados pelo martelo gigante da Nintendo, que joga sua tropa de advogados com processos gigantes em suas cabeças, obrigando tais iniciativas a desaparecer. Outros, por sua vez apresentam ideias que deixam bem claro desde o início que não serão lançadas ao público, de modo a não despertar a ira do Bowser.

Nos últimos anos, diversos sites que distribuíam ROMs ou deixaram de existir, ou removeram as ROMs de consoles da Nintendo, ou apagaram todas as ROMs (como o Emuparadise), como forma de fugir de processos milionários futuros.

Já a TecToy, histórica representante da SEGA no Brasil para jogos do Mega Drive e Master System (ainda comercializados legalmente) é signatária da Convenção de Berna sobre direito autoral, além de se ater à lei citada acima para combater a prática de emulação dos jogos que distribui no país.

Sony e Microsoft são igualmente signatárias da convenção e seguem as leis de direitos autorais dos países em que atuam; por outro lado, a SEGA já foi bem mais tolerante com a emulação no passado, abraçando projetos de desenvolvedores independentes para suas próprias soluções.

Preservação vs. pirataria

Outro argumento em prol da emulação de jogos repousa na preservação de games antigos, que por um motivo ou outro deixam de ser distribuídos. Vale citar que nos últimos anos, títulos distribuídos apenas de forma digital deixaram de existir ao fim de suas licenças.

Unisoft / Universal / Scott Pilgrim vs. The World: The Game

Scott Pilgrim vs. The World: The Game é um exemplo de jogo que só existe na memória

Um caso curioso foi o da coletânea The Disney Afternoon Collection, em que a desenvolvedora Digital Eclipse usou dados de ROMs dumpadas pela própria equipe para compor as novas versões. Há um entendimento de que a cópia e preservação de títulos do passado é importante até pelo valor histórico, algo defendido por historiadores e instituições.

O problema da emulação para preservação é o fato de que ela novamente esbarra nas questões legais. A Nintendo, por exemplo cita que tal argumento não se justifica, pois a companhia "revisita constantemente suas IPs com novos títulos", de modo a "mantê-los vivos". Tal prática mantém a IP viva, mas não os jogos, e de qualquer forma, tanto Nintendo quanto Sony e Microsoft vendem títulos antigos em suas lojas digitais, compatíveis com seus atuais sistemas. Assim, hoje ISOs e ROMs distribuídas livremente são uma ameaça aos seus negócios.

Ao mesmo tempo as empresas não são tão alheias à prática, já que a Sony foi pega usando um emulador no PlayStation Classic.

De qualquer forma, a emulação de jogos é um assunto que vai continuar polêmico e espinhoso por um bom tempo mais, com os defensores alegando ser útil pela preservação dos jogos, e outros querendo jogar títulos clássicos; já as desenvolvedoras e fabricantes de consoles continuarão em campanhas legais para aniquilar toda e qualquer forma de emulação de suas marcas.

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