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Um atrasado pedido de desculpas a Gene Roddenberry e Cortana.

Ok, ok. Admito. Eu estava errado. Pequei ao limitar minha imaginação e deixar meus preconceitos definirem meu julgamento. Eu via uma questão fundamental da computação de forma totalmente errada, e neste texto reconheço minha falha.

8 anos atrás

Dr Richard Daystrom, um dos maiores gênios do século XXIII, criador do computador da Enterprise. Chupa, Tumblr.

Dr Richard Daystrom, um dos maiores gênios do século XXIII, criador do computador da Enterprise. Chupa, Tumblr.

Muitos anos atrás, praticamente em outra vida eu tive um vislumbre do futuro. Mexi em um celular da Motorola, rodando Windows Mobile. Ele trazia um recurso de discagem por voz, reconhecia apenas números, mas sem treinamento.

A taxa de acerto era péssima, mas ainda assim parecia ficção. Tempos depois testei o Via Voice da IBM. Tive que ler vários capítulos de 3001, de Arthur Clarke para que ele aprendesse minha voz. Depois de horas processando um modelo ele começou a aceitar texto ditado. A taxa de acerto variava entre 70% e 80%. Parece muito mas era horrível.

A idéia de falar com o computador continuava coisa de ficção, embora os recursos pouco a pouco tenham melhorado. Prometido pro Windows Vista o reconhecimento de ditado em português nunca chegou ao Windows como recurso isolado, comandos de voz eram incômodos e não-integrados ao sistema.

hal

Siri mudou isso, depois Cortana, mas mesmo assim, eu via como algo útil mas eventual. Meu maior uso da Siri é marcar alarmes pra saber quando o microondas termina de descongelar o almoço.

Internamente eu continuava a achar que a idéia de falar com o computador era… estranha. Algo que funciona no cinema mas não na vida real, como tirar toda a roupa enquanto a guria que você está a fim foi ao banheiro. Elas não costumam gostar e os pais acham igualmente desagradável e até anti-higiênico, na mesa do jantar.

Até que instalei a Cortana em português no Windows 10.

Sim, ela está capenga, é totalmente inflexível. Enquanto Vai chover hoje? gera resposta, Está chovendo? te joga pro Bing. Ela tem as gracinhas como conte uma piada, mas que horas são? — de novo — vai pro Bing.

A interface também é inconsistente, é um assistente de voz que interrompe a tela com uma janela que não fecha depois do uso. Ela também não é pró-ativa. Não te avisa de nada. O recurso de texto ditado existe, está ativado mas só em áreas específicas, como a criação de anotações.

Por tudo isso parece uma porcaria, mas comparada à Enterprise a Apollo 11 também era.

Não estou preocupado com as muitas e óbvias limitações da Cortana no desktop. O que me assusta é como em alguns dias mesmo essa assistente capenga, limitada e muitas vezes irritante em sua incompetência se tornou algo integrado ao meu dia-a-dia.

Sim, mea culpa, mea maxima culpa, falar com computadores não é idiota, não é bobo, é natural. Sem perceber nunca mais cliquei em ícones na barra de tarefas, é absolutamente intuitivo dizer Ei Cortana, abra o Photoshop.

Tudo via o bat-microfone.

Tudo via o bat-microfone.

A galera mais nova, que nasceu depois da invenção do fogo não tem noção do que é ver algo que só existia em filmes se tornar realidade. Nos anos 80 os personagens em Star Trek relaxavam pedindo ao computador para tocar música, de preferência alguma obra clássica, livre de royalties. Hoje eu digo Cortana, toque Pink Floyd e ela obedece.

Isso era algo que aprendi viria a existir no século XXIV, ninguém me preparou para ser parte de minha vida. E sim, um monte de gente vai comentar idiota deslumbrado, e só lamento por essas pessoas. Sempre digo que é ótimo viver no futuro, a gente se surpreende a cada dia.

Só sei que Star Trek me vendeu um futuro maravilhoso que eu achava inatingível. Cortana me vendeu uma facilidade que eu tinha certeza iria odiar e acharia boba. Ambos estavam certos, eu estava errado. Este é meu pedido de desculpas, e meu agradecimento.

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