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Demi Getschko: “a neutralidade da rede não está em risco no Brasil”. Não é bem assim

Presidente do NIC.br afirma (com razão) que derrubar o Marco Civil e reverter a neutralidade da rede no Brasil não será fácil, mas operadoras estão se articulando para tal empreitada e logo, a regulação não está tão segura quanto Demi Getschko afirma.

6 anos atrás

Já sabemos que a FCC derrubou as regras que prezam pela neutralidade da rede nos Estados Unidos, e igualmente sabemos que as operadoras brasileiras esperavam tal parecer positivo para pressionar o governo e fazer o mesmo aqui. Só que para Demi Getschko, presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), órgão criado para implementar as decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) derrubar o Marco Civil não será facil e de certa forma, a neutralidade aqui não corre risco.

No entanto, difícil não é o mesmo que impossível ou mesmo improvável.

Em um editorial publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, o engenheiro apresentou pontos firmes sobre a consolidação do Marco Civil da Internet, que protege a neutralidade por força da Lei Federal Nº 12.965/2014, posteriormente regulamentado através do Decreto Nº 8.771/2016. Isso posto, Getschko afirma (com razão) que "no Brasil, portanto, neutralidade não pode ser alterada por um regulamento, dado que consta em lei".

Dessa forma, graças ao Marco Civil as teles não só são obrigadas a darem tratamento igualitário a todos os consumidores da internet, sejam usuários finais, startups ou grandes companhias e não podem privilegiar aqueles que podem pagar mais e ter acesso a planos com maiores velocidades e condições especiais, enquanto os demais ficam jogados numa faixa lenta e esburacada da "autobahn digital".

Eduardo Levy, presidente do SindiTelebrasil e conselheiro do CGI.br (que já passou por poucas e boas em 2017), atuando na posição de representante das operadoras afirma que a desculpa dada por Vivo, Tim, Oi e Claro para reverter a neutralidade da rede no país se daria principalmente para dar prioridade a novas tecnologias como o 5G e a Internet das Coisas, especificamente em casos de uso críticos como aplicações no setor médico ou controle de tráfego, entre outras coisas. No entanto, Getschko lembrou que o Marco Civil já prevê tal uso prioritário para serviços prioritários de saúde e segurança, bem como para avisos de situações de risco como por exemplo em calamidades climáticas, como é o caso os nossos permanentes problemas na época das chuvas.

Logo, a justificativa das teles é uma desculpa esfarrapada.

Demi Getschko, presidente do NIC.br e o primeiro brasileiro a ser incluído no Internet Hall of Fame, em 2014

A posição de Getschko é acertada, disso não há dúvidas. Como ele bem apontou nosso Marco Civil, diferente do conjunto de regulações dos EUA funciona como um estatuto, com leis claras e firmes quanto ao que as operadoras podem e não podem fazer. Tanto é que com a reversão da neutralidade na FCC diversos estados (mas não todos) estão se articulando para eles próprios defenderem a internet como é hoje, já que o governo federal não interfere diretamente na administração das federações nesse caso; sem mencionar que a resolução ainda pode ser questionada no Congresso e em ações judiciais independentes que começam a ser movidas.

O problema é que o presidente do NIC.br é um tanto ingênuo ao afirmar que a neutralidade no Brasil não corre risco: embora demande um trabalho maior para reverter as leis firmadas pelo Marco Civil, bastam articulações coordenadas da Câmara dos Deputados, Senado Federal, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Anatel e o gabinete do presidente Michel Temer para tornar tal empreitada possível e é exatamente tal movimentação que Vivo, Tim, Oi e Claro se preparam para por em prática.

Segundo novas informações apuradas pelo jornal Folha de S. Paulo, as teles têm todo o argumento preparado para convencer o presidente a reverter o decreto que instaurou o Marco Civil, aguardando apenas o imbróglio acerca da Reforma da Previdência ser resolvido. A ideia a ser apresentada é revoga-lo totalmente, abrindo as porteiras para as empresas fazerem o que quiserem. E vale lembrar que alterações já foram impostas ao decreto permitindo por exemplo a aplicação de planos de zero rating, que é uma sacanagem das grossas com pequenos desenvolvedores visto que só grandes companhias (Twitter, Facebook, etc.) podem arcar com os custos. Logo, aniquila-lo de vez não é algo tão distante da realidade como Getschko acredita.

O ponto que muitos levantam é que "antes do Marco Civil a internet funcionava", e é verdade porém em partes: a Anatel e o Código de Defesa do Consumidor atuavam como fiscais e haviam uma série de resoluções menores que impediam abusos, o decreto assinado pela então presidente Dilma Rousseff funcionou para botar ordem na casa e impor sanções, de modo a evitar abusos. Por outro lado isso colocou todas as regras sob um guarda-chuva comum e portanto, caso a lei seja revogada será muito mais difícil para os órgãos de defesa do consumidor atuarem contra as teles dali por diante, visto que a Anatel daria carta branca a todas e não haverão resoluções vigentes.

Enfim... embora seja sim bem complicado de bater de frente com o Marco Civil e derruba-lo como Getschko acertadamente apontou, ele não é irrevogável e as operadoras irão trabalhar para exterminar o decreto já no início de 2018. No mais, aguardemos os próximos capítulos.

Fontes: Estadão e G1.

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