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Tenha medo: cientistas usam estimulação elétrica do cérebro para reduzir violência

Cientistas desenvolveram uma técnica de estimulação elétrica do cérebro que consegue reduzir significativamente tendências violentas. Dizendo assim é ótimo, mas é algo muito fácil de ser usado de forma errada. Já aconteceu antes.

6 anos atrás

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No episódio de Jornada nas Estrelas Adaga da Mente (S01E09) a Enterprise está visitando uma colônia penal para criminosos insanos onde um cientista desenvolveu um tratamento revolucionário, um método não-invasivo que acalma os prisioneiros e os livra de suas tendências criminosas. Claro, logo descobrem que na verdade o equipamento funcionava como controle mental e podia ser usado até para lobotomizar os prisioneiros.

A idéia era aterradora na série, mas mais aterrador é saber que por muito tempo lobotomias foram indicadas para pacientes psiquiátricos.

A lobotomia é um procedimento onde o cortex pré-frontal é destruído cirurgicamente, alterando a personalidade e o comportamento do paciente. A técnica foi desenvolvida pelo cirurgião português  António Egas Moniz, e rendeu a ele um Prêmio Nobel de medicina em 1949.

Entre 1940 e 1950 só nos EUA foram realizadas mais de 2.000 cirurgias, lobotomias viraram panaceia para todos os males, até crianças bagunceiras foram tratadas dessa forma, culpa principalmente de um carniceiro chamado Walter Freeman. No final dos anos 40 ele perdeu a licença de cirurgião por matar muita gente, mas continuou suas “pesquisas” com um colega que ainda podia operar. Ele então tomou conhecimento de uma técnica italiana e passou a fazer lobotomias transoculares.

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A técnica de Freeman consistia em usar um furador de gelo (depois de umas 2.000 operações ele arrumou um instrumento profissional) para perfurar o osso no fundo do olho, inserir uma cânula no cérebro, martelar até a posição, e injetar álcool, matando neurônios. Ele também girava e torcia a cânula, causando dano mecânico no córtex pré-frontal.

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O procedimento era realizado em consultório, a anestesia era aplicada com uma máquina de eletrochoque que induzia convulsões. Os resultados variavam do sucesso completo à zumbificação total.

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A taxa de mortalidade da operação do Freeman era de 15%. Dos que sobreviviam muitos passavam a ter convulsões eventuais, e vários tinham que ser ensinados de novo a comer e usar o banheiro.


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Perda de visão era outro efeito comum, mas isso não impediu Freeman de viajar pelo país divulgando sua técnica, e os pacientes desesperados faziam fila, a informação era pouca, os resultados ruins varridos para debaixo do tapete e não havia alternativa de tratamento. Até gente famosa entrou na onda, e Rosemary Kennedy, irmã do futuro presidente John Kennedy sofreu uma lobotomia para se tratar de rebeldia adolescente. Aos 23 anos Freeman destruiu seu cérebro. Ela não conseguia mais andar, controlar a bexiga e ficou com a capacidade mental de uma criança de dois anos. Rosemary morreu em 2005, aos 86 anos.

Ah sim, 40% dos pacientes de Freeman eram homens gays perfeitamente saudáveis mas socialmente encostados na parede, e viam na promessa da lobotomia a cura de sua “doença social”.

Esse carniceiro martelou cérebros até 1967, quando uma paciente, Helen Mortensen, morreu sob seus “cuidados”. Foi durante a terceira lobotomia que ela fazia com Freeman, quando sofreu uma hemorragia cerebral e morreu.

Freeman perdeu pacientes ao parar cirurgias para posar para fotos, nunca usava luvas ou máscaras.

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Ah sim, ele lobotomizou 19 crianças, a mais nova com 4 anos de idade.

Agora aparece essa matéria: “Estimulação elétrica do cérebro pode reduzir crimes violentos no futuro”.

O estudo foi feito pela Universidade da Pennsylvania e a Universidade Tecnológica Nanyang, Singapura. Eles pegaram 86 adultos saudáveis, metade foram submetidos a 20 minutos de estimulação elétrica do cérebro.

Ao final todos foram apresentados a dois cenários de violência, um de agressão genérica, outro de agressão sexual. Eles responderam questionários sobre a possibilidade de se verem como protagonistas das histórias.

O resultado entre os que receberam o tratamento foi notável: 47% menos homens se viram capazes da agressão violenta, e 70% a menos se imaginaram protagonizando a agressão sexual, em comparação com o grupo de controle.

Um monte de gente já está vislumbrando as aplicações: tornozeleiras de testa, talvez implantes monitorados remotamente aplicando dosagens terapêuticas de eletricidade, controlando os impulsos violentos da parcela indesejável da sociedade. Uma versão humana moderna e com Bluetooth da castração química do Alan Turing.

Balas não fazem bem ao cérebro, nem mesmo balas mágicas, e esse tipo de afobamento e precipitação é muito ruim. Tivemos a lição do hype da lobotomia, mas pelo visto não aprendemos. Corre o risco de descobrirmos tarde demais que estimulação contínua do cortex pré-frontal é uma excelente forma de criar psicopatas violentos, até porque o cérebro é ótimo em criar resistência a drogas e tratamentos, e quanto eles param, os sintomas voltam com força total.

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Isso pode virar a nova Ritalina, com milhões e milhões de crianças perfeitamente normais e agitadas como toda criança sendo tratadas, não mais com pílulas, mas com estimuladores elétricos. Será a Renascença dos Bonés.

Para saber mais:

Stimulation of the Prefrontal Cortex Reduces Intentions to Commit Aggression: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled, Stratified, Parallel-Group Trial - Olivia Choy, Adrian Raine and Roy H. Hamilton - Journal of Neuroscience 2 July 2018, 3317-17

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