Carlos Cardoso 5 anos e meio atrás
A Guerra Fria era fria e insana, os dois lados adoravam planos mirabolantes para vencer o inimigo, que foram da Bomba Gay ao Porta-Aviões voador. Com o advento da era nuclear uniu-se o útil ao radioativo, e queriam fazer tudo nuclear. Em alguns casos como submarinos e navios, funcionou muito bem, em outros nem tanto.
A idéia era construir aviões com propulsão nuclear, eles teriam autonomia quase ilimitada, potência de sobra, etc, etc. Os EUA chegaram a construir dois motores, os russos construíram um avião que fez mais de 40 vôos, a maioria com o reator desligado, mas no final ambos perceberam que não era uma boa. Reatores nucleares produzem radiação, e se não houvesse muita blindagem os tripulantes teriam filhos esquisitos. Só que blindagem é pesada.
Logo alguém perguntou: e se a gente tirar as pessoas da equação, não seria possível usar um motor nuclear em um míssil?
A idéia de um míssil de cruzeiro nuclear com propulsão nuclear era bem suculenta. Imagine um míssil voando baixo, indetectado por radares e surpreendendo o inimigo. Ou um míssil que voasse bem alto orbitando o alvo por semanas ou meses, aguardando a ordem de atacar.
Surgiu o Projeto Plutão, que criaria um míssil de cruzeiro intercontinental capaz de levar várias ogivas termonucleares até o coração da Rússia.
Foram gastos alguns bilhões de dólares em 7 anos de projeto, mas em 1964 puxaram a tomada. Os ICBMs já haviam se tornado confiáveis o bastante para não ser preciso algo caro e complexo como um míssil de cruzeiro nuclear, e havia o inconveniente de que essa desgraça espalharia radiação por onde quer que passasse.
O funcionamento do motor é baseado na tecnologia de ramjet, um conceito muito simples em teoria e complicado na prática. É um motor sem partes móveis. Ele só funciona em alta velocidade, muito alta.
A própria geometria do motor junto com a pressão do ar a grande velocidade comprime o fluxo, que é despejado em uma câmara de combustão que aquece o ar, ele se expande e sai a uma velocidade maior do que entrou, gerando propulsão.
Um ramjet nuclear usa um reator sem blindagem, expondo o fluxo de ar diretamente ao calor gerado pela reação de fissão. Isso resfria o reator evitando que ele se destrua, e aquece o ar, gerando a propulsão.
Na prática você está contaminando horrendamente a atmosfera e qualquer defeito resulta em uma catástrofe, com contaminação radioativa pra todo lado. Se o míssil perder velocidade, desastre. Se o reator esquentar demais, catástrofe. Se alguém olhar feio pra ele, catástrofe.
Os EUA construíram dois motores/reatores para o Projeto Pluto, o primeiro lá de cima, o TORI II-A e o TORI-IIC:
Fora a total impraticabilidade do negócio, o Pentágono ainda achou que seria “provocativo” demais ter um míssil nuclear nuclear, e que isso faria os russos desenvolverem sua própria versão, então para evitar isso, cancelaram tudo.
Corta pra 2018 e adivinhe: Vladmir Putin faz um discurso e diz que a Rússia tem um míssil invencível movido a propulsão nuclear e que pode atingir qualquer lugar do mundo. O míssil se chama Burevestnik e mostraram até um teste:
Só tem um problema: foram 12 testes até agora, somente um foi um sucesso parcial, e por sucesso parcial entenda o reator funcionou por alguns segundos e o míssil percorreu 35 km antes de cair. Não 3.500, não 350. 35.
Os testes estão sendo feitos de Nova Zembla, um arquipélago quase tão remoto desabitado e desolado quanto Paquetá:
Agora a Rússia anunciou que vai tentar recuperar o último míssil. Uma expedição com o tradicional conjunto de robôs e mergulhadores tentará encontrar os destroços, e se houver segurança, trazer a bordo as peças.
Então vejamos: o Putin tem pelo menos 12 mísseis com reatores nucleares espalhados aos pedaços pelas ilhas Zembla, pelo menos um reator funcional no fundo do mar e você está REALMENTE preocupado com canudos de plástico?