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Submarino argentino encontrado, mas como disse o Capitão Nascimento...

Depois de um ano e um dia foi encontrado o submarino argentino ARA San Juan, mas isso não quer dizer que ele vá ser resgatado

5 anos atrás

Um ano e um dia após seu desaparecimento, o submarino argentino A.R.A. San Juan foi encontrado, depois de cancelado o esforço internacional montado na época do acidente, quando ainda havia chance de achar alguém vivo. Quer dizer, uma chance pentelhonesimal, mas uma chance.

A descoberta do local do repouso final do San Juan parece coisa de filme. Após as buscas infrutíferas terem sido canceladas, as famílias das vítimas começaram a pressionar politicamente a Casa Rosada e, para sorte do governo argentino, apareceu a Ocean Infinity, uma empresa top em tudo que se relaciona com fundo do mar.

A Ocean Infinity fez uma oferta que a Argentina não poderia recusar: Procurariam o submarino por dois meses, a um custo de US$7,5 milhões (mais ou menos R$ 29 milhões), mas somente se o encontrassem.

Dado o custo desse tipo de operação, US$7,5 milhões é troco de pinga, o valor de um navio de pesquisa oceanográfica é astronômico. No caso o Seabed Constructor, um navio construído na Noruega em 2014, com 115 metros de comprimento e tripulação de 60 pessoas, completamente equipado para pesquisa submarina, incluindo segurança e uma cerca pra aquela velha maldita não jogar o diamante na água.

O Seabed Constructor leva dois ROVs capazes de mergulhar a até 6.000 metros de profundidade, operados remotamente e com manipuladores, mas o burro de carga da missão é o extremamente inteligente  e tem nome de HUGIN 6000, um robô autônomo submarino desenvolvido pela Kongsberg.

Ele tem câmeras de alta definição, magnetômetros, sonares de varredura lateral, sonar de baixa frequência para identificar alvos abaixo da superfície do solo submarino, sondas acústicas e uma penca de outros equipamentos. É possível programar o AUV (Autonomous Underwater Vehicle) para realizar padrões de busca e sondagem com autonomia de até 100 horas e profundidade de seis mil metros, após o qual ele volta para o navio e os dados são baixados para exame.

O Seabad Constructor tem OITO desses brinquedos:

Visão PARCIAL do hangar.

Aqui neste vídeo dá pra ter uma ideia das operações do navio:

Tal qual em um filme, o Seabed Constructor estava em seu último dia de buscas, prestes a zarpar para a África do Sul e cumprir outro contrato, quando um operador achou um "ping" diferente nos dados da última sondagem.

Eles estavam procurando na área onde todo mundo já havia procurado, e havia 90% de chance de ser onde o submarino estava, mas era uma missão complicada. Com centenas de milhares de quilômetros quadrados de oceano para explorar, e um fundo completamente acidentado, com vales, ravinas e canyons. Debaixo d'água um submarino morto é indistinguível de uma pedra ou um navio naufragado.

Achar o San Juan era equivalente a voar sobre a Amazônia procurando um ônibus pintado de verde no meio da floresta. Felizmente robôs não se cansam, nem se entediam e dia após dia vasculharam a região, e foram bem-sucedidos!

Inspecionando a área com os ROVs, o pessoal da Ocean Infinity achou o que restou do San Juan, a 940 metros de profundidade:

O que eles acharam conta uma história brutal! Em algum momento em sua última descida os tripulantes ouviram o casco ranger, as válvulas externas começarem a ceder. Os que não sabiam exatamente onde estavam ainda retiveram a esperança de tocarem o fundo antes de atingir a profundidade de esmagamento, estimada em 600 metros.

É possível acreditar que eles tenham sobrevivido algum tempo após essa marca, afinal se há algo que os alemães sabem fazer são submarinos, mas nenhum engenheiro pode ser culpado por seu projeto não resistir a um impacto com o fundo do mar, a 940 metros de profundidade.

Isso expôs o San Juan a uma pressão de 94 atmosferas. Um extintor de incêndio é pressurizado a 11 atmosferas, se você levasse um até a profundidade do San Juan e acionasse o gatilho, a água entraria até quase enchê-lo.

Quando o San Juan sofreu seu colapso estrutural final, não muito abaixo dos 600 metros de profundidade, seu casco externo foi despedaçado, por isso coisas como os tubos de torpedo, da imagem acima estão expostos. Normalmente com o casco externo eles se parecem com isto:

Quanto aos tripulantes, eles ao menos não tiveram aviso, e não sofreram. A morte é mais que instantânea no momento em que a estrutura do submarino cede. Mesmo que ele tenha implodido apenas a 600 metros, foi com a pressão de 60 atmosferas. Quanto é isso em termos de força?

No vídeo abaixo o vagão-tanque está sendo esvaziado de ar, a única coisa contrabalançando a pressão atmosférica é a estrutura de aço. Lembre-se, esse efeito foi causado por uma pressão SESSENTA VEZES MENOR do que a que esmagou o San Juan:

E não, submarinos normalmente não andam em águas profundas. O San Juan tinha uma profundidade de teste de 300 metros. Os submarinos nucleares classe Los Angeles tinham uma profundidade de teste menor ainda, eram certificados (oficialmente, claro) para 240 metros. Os russos Classe Tufão, como o Outubro Vermelho, podiam mergulhar a até 400 metros. O recordista entre submarinos "comuns" são os russos Classe Akula, com profundidade de teste de 480m e máxima, no desespero, de 600 metros.

Tá, mas e agora?

A Argentina achou que encontrar o submarino acalmaria os parentes, mas não foi o que aconteceu. Há muita gente exigindo que os corpos sejam resgatados, para um funeral em terra. Não é uma boa idéia.

Qualquer coisa envolvendo mar, começando pelo preço do coco na praia, é cara. Depois que o submarino russo Kursk afundou em Agosto de 2000, foi feita uma operação de resgate em 2001, não só para recolher os corpos, mas os misseis nucleares, torpedos e o reator. O custo da operação foi de US$ 115 milhões (ou R$ 430 milhões), e o Kursk estava a apenas 100 metros de profundidade, acessível até por mergulhadores.

O custo de resgates em profundidades maiores cresce várias ordens de magnitude. Não que já não tenha sido feito. Em 1974 a CIA executou a Operação Azorian, um projeto megalomaníaco para recuperar inteiro um submarino soviético afundado a 2.840 km da costa do Hawaii. O K-129 estava a 4,8 km de profundidade, e o projeto envolveu a construção do Glomar Explorer, um navio gigantesco com uma garra que desceria e pegaria o submarino como um daqueles brinquedos de shopping.

Construído pelo bilionário Howard Hugues, o Glomar Explorer foi vendido como um projeto de mineração submarina, mas era tudo parte da manobra de acobertamento da CIA. No final os EUA gastaram US$ 4 bilhões (perto de R$ 15 bilhões) no projeto. Dizem que não deu certo, há até quem acredite.

O CEO da Ocean Infinity já ofereceu seus serviços, diz que tem equipamentos capazes de erguer peças de 45 toneladas a 6.000 metros de profundidade, e poderia recuperar (aos poucos) o San Juan. Só que isso é uma tarefa que levaria meses, ele teria que ser cortado em pedaços, restos mortais teriam que ser identificados e recolhidos pelos robôs, e isso assumindo que ainda há o que recuperar.

O fundo do mar a 940 metros de profundidade é uma região cruel, sem luz e faminta. Nada comestível dura muito tempo ali, e com o tempo mesmo os ossos são dissolvidos pelo sal.

Em um raro momento de humildade a Marinha Argentina admitiu que não tem o dinheiro nem a tecnologia para resgatar o submarino. Alguns parentes estão entrando na Justiça, exigindo que de qualquer jeito o resgate seja feito. No meio de uma disputa sem vencedores, as 44 almas em seu túmulo aquático a 59° 46' 22.71" oeste 45° 56' 59.63" sul estão tendo negada a única coisa que merecem: paz.

 

 

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