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Como Einstein colocou um freio na latência mágica do Samsung Galaxy S10 5G (e na Internet como um todo)

5 anos atrás

Muitos anos atrás em ganhei uma grade de um (péssimo) doutor em Física que teimou comigo que internet via satélite era mais rápida que via cabo ou link terrestre. Ontem a Samsung anuncia seu Galaxy S10 5G com latência de 1ms e bateu o Deja Vu. Lá vamos nós explicar tudo de novo...

Durante o Galaxy Unpacked 2019, DJ Koh, Presidente de Mobile Communication Business da Samsung apresentou o formoso Galaxy S10 e anunciou para breve a versão 5G, exaltando a tecnologia como disruptiva, incluindo uma incrível latência de 1 milissegundo, que tornaria a interação com a Internet muito mais rápida, ágil e como os jovens falam, responsiva. Não é bem assim.

Nota: Este texto não é um ataque ao Mr Koh nem à Samsung, muito pelo contrário. Eu amo minha TV, que não é smart mas é esforçada, e meu A9 é um excelente celular, todos comprados com meu suado dinheirinho, a Samsung nunca me mandou nem bom dia no Twitter,que dirá mimos ou aparelhos pra testar. E de qualquer jeito não venderia minha opinião por um A9. Já um S10 a gente conversa...

A questão é que a latência de uma conexão depende de muito mais do que da tecnologia envolvida, há restrições relacionadas com algumas Leis fundamentais do Universo, e nem toda a verba do mundo em P&D irá resolver isso, mas antes vamos especificar alguns conceitos:

1 - Latência

Simplificando, latência é o tempo entre um estímulo e uma resposta. Imagine um experimento simples, uma lâmpada, um cronômetro e um interruptor. A lâmpada acende, e assim que isso acontece você aperta o botão. O tempo entre você ver a lâmpada e apertar o botão é a latência.

É uma soma que leva em conta o tempo que a informação leva pra chegar a seus olhos, o empo de processamento em seu cérebro e o tempo entre ele comandar os músculos de seu braço e eles apertarem o botão.

No caso de comunicação eletrônica, os fatores principais são os mesmos, velocidade de transmissão e tempo de processamento, mas o fator essencial é a limitação da velocidade da luz.

Muitos anos atrás eu trabalhava como Analista de Sistemas em uma empresa, um dos sujeitos mais marrentos era outro analista que se gabava de ter um doutorado em Física. Nessa época foi anunciado o SOL, o provedor de Internet do SBT, que se gabava de ter internet "via satélite" e por isso, muito mais rápida. Encurtando a história, apostamos um engradado de cerveja, eu puxei um papel e demonstrei a diferença entre uma conexão por fibra óptica entre Rio e São Paulo, e a mesma conexão via satélite.

Segundo as medidas mais recentes a velocidade da luz é de 299.792.458 metros por segundo. Isso significa que informação se movendo à velocidade da luz percorreria os 442Km entre Rio e São Paulo em 1.474 milésimos de segundo, ou 0.001474 segundos. Mas... e o satélite?

Satélites geoestacionários se mantém sobre o mesmo ponto da Terra, pois orbitam em um período de 24 horas. Para conseguir esse período eles ficam na chamada Órbita de Clarke (calculada pela primeira vez por Arthur Clarke) a 35.786 km de altitude. Ou seja: O sinal terá que sair da estação de terra, subir até o satélite, ser retransmitido para terra e só então será recebido. O quanto isso diferencia do tráfego normal via cabo?

Vamos usar nosso bom e velho amigo Pitágoras, que tinha implicância com feijões mas manjava de geometria.

Pra facilitar vamos assumir que o satélite está na exata metade do caminho entre as duas cidades, ou seja, o cateto b tem 221km de comprimento. O cateto a, também sabemos 35.786. Agora é só aplicar a fórmula:

c2 = b2 + a2

c2 = 2212 + 357862

c2 = 48841 + 1280637796

c = √1280673582

c = 35786.5

Ou seja: Nosso sinal de rádio percorrerá 2c até chegar a seu destino. Quanto tempo a luz leva para cobrir essa distância? 111.7ms ou 0.1117s. Isso significa que não importa a tecnologia, nenhum sinal entre Rio e São Paulo usando satélites geoestacionários levará menos tempo de trânsito do que 117.7ms. Jamais.

Nada pode se mover mais rápido do que a Luz. Não me culpe, eu não fiz o Universo assim, reclame com Einstein.

Só que piora. Latência, lembre-se, é o tempo de resposta a um estímulo, ou seja: A resposta tem que ir e voltar. Então uma conexão de Internet via satélite entre Rio e São Paulo terá um ping mínimo de 223.4ms. Dois décimos de segundo, inviabiliza qualquer tipo de jogo online.

2 - E a Samsung?

A afirmação de Mr DongJin (DJ) Koh de que 5G permite latência de 1ms é verdadeira, com um enorme asterisco. Em 1ms a luz viaja 299792 metros, mas como latência é vai e volta, para termos 1ms o sinal tem que percorrer metade dessa distância e então voltar.

Ou seja: 5G permite latência de 1ms se e somente se o servidor que você estiver acessando estiver a no máximo 149,896km de distância. Centrando em São Paulo este é o absoluto limite para uma latência de 1ms:

Óbvio que estou desconsiderando fatores como tempo de processamento nas duas pontas da conexão, atrasos introduzidos por congestionamento, etc.

3 - Conclusão

A promessa de 1 milissegundo de latência é extremamente otimista, e extremamente regional. Se tudo que você acessa fica hospedado na sua cidade, excelente. Se acessa coisas de fora, não vai mudar nada.

4 - Dever de Casa

Elon Musk e a SpaceX estão planejando a Starlink, uma empresa que colocará nada menos que 12 mil satélites em órbita, fornecendo acesso Internet a qualquer um (que possa pagar) em qualquer lugar do mundo. Serão duas camadas principais, 7518 satélites orbitando a 340Km de altitude e 4425 satélites orbitando a 1200km. Com o que você já sabe, calcule a latência mínima de uma conexão Rio-São Paulo, para essas duas altitudes, e diga se é viável para games.

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