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Cientistas descobrem a avó do Wolverine

5 anos atrás

"Mutação: é a chave de nossa evolução. Ela nos permitiu evoluir de organismos unicelulares para a espécie dominante do planeta. O processo é lento, normalmente leva milhares e milhares de anos, mas a cada alguns milênios, a evolução dá um salto adiante"

Algo que às vezes é complicado explicar é que Mutações são aleatórias, a Evolução não. Quando uma característica biológica surge, mesmo que seja marginalmente vantajosa, com o tempo o organismo com aquela característica amplia sua vantagem em relação aos outros, os genes mais úteis se perpetuam.

Pássaros que comem néctar com bicos e línguas um pouco maiores conseguem alcançar o fundo de flores mais compridas, inacessíveis a outros pássaros. Às vezes isso é a diferença entre morrer de fome e sobreviver e se reproduzir.

Só que não são os pássaros que decidem ter línguas maiores, a culpa disso são as mutações, elas sim aleatórias. Durante a reprodução dos gametas (pra complicar só contam mutações das células sexuais) um raio cósmico randômico, um erro que escapou aos mecanismos de correção altera um nucleotídeo em uma longa sequência de DNA, e bingo, uma mutação.

Em sua imensa maioria elas são prejudiciais, ou neutras. Somente em raros casos uma mutação provoca uma mudança favorável, que nunca é complexa, nenhum peixe nasceu com quatro patas, mas em algum momento um peixe nasceu com uma mutação que o permitia mover as nadadeiras de forma mais precisa, dando-lhe mais agilidade para caçar seu alimento.

Com o tempo descendentes desse peixe se tornavam mais comuns que os de outros peixes de nadadeiras curtas, e quanto maior e mais flexível a nadadeira, mais agilidade, ao final de alguns milhões de anos, chegamos a animais de quatro patas.

Peixes assim ainda existem, como o popular peixe-sapo:

Humanos também estão sujeitos a mutações, e não paramos de evoluir, embora muito da seleção natural seja invalidado pela medicina moderna, muitas doenças crônicas modernas são virtualmente inexistentes na natureza, pois os animais simplesmente morrem antes de se reproduzir.

Uma mutação aleatória pode ter sido responsável pela civilização humana, a chamada Persistência de Lactase.

Para desgosto dos veganos, nós somos mamíferos, consumimos leite em nossa infância, mas pense bem: Você é um leão. Pode escolher entre caçar, se cansar, brigar com hienas, ou pode se aconchegar a uma leoa mais jeitosa, jogar o filhote pra longe e tomar o leite dela. Como isso não acontece?

Simples: Para digerir lactose precisamos de uma enzima chamada lactase, ela existe em filhotes mas quando o mamífero chega na vida adulta ele pára de produzir. Leite se torna um alimento enjoativo que causa muito desconforto gastrointestinal. Por isso mamíferos normalmente não bebem leite depois de velhos.

No caso dos humanos, uns 10 ou 15 mil anos atrás, quando estávamos começando a criar animais em cativeiro, uma mutação quebrou o mecanismo que cessava a produção de lactase. Logo uma população inteira percebeu que podia consumir leite de humanas e de vacas, cabras e búfalas.

Passamos a contar com uma fonte de proteína de altíssima qualidade, que podia ser armazenada por longos períodos na forma de queijo. Isso deu uma vantagem imensa para sociedades pastoris.

Existem mutações que ainda não sabemos se irão se perpetuar. Uma delas, afetando os genes  OPN1MW e OPN1MW2, presentes no Cromossoma X afeta somente mulheres. Entre 2% e 3% das mulheres do planeta possuem tetracromia, isto é: Um quarto receptor de cor no olho.

Humanos normais possuem três tipos de células sensíveis a cor, trabalhando em Vermelho, Verde e Azul. Esta é a distribuição de sensibilidade da visão humana normal:

Nas mulheres mutantes com tetracromia um quarto típo de célula é sensível a tons verde-azuladas, e essas mulheres mutantes conseguem reconhecer bilhões de tonalidades que são indistinguíveis para reles homo sapiens.

A WolveVelha

A mutação em questão, apresentada no artigo com título anti-clickbait Microdeletion in a FAAH pseudogene identified in a patient with high anandamide concentrations and pain insensitivity, é uma senhora de 66 anos que foi ao médico pois estava com dificuldades de andar.

Apavorado o médico descobriu que ela estava com profunda degeneração na articulação do quadril, causada por osteoartrite. Depois da cirurgia ela foi medicada basicamente com Tylenol, apresentando dor 0 em uma escala de 10, e mesmo assim ela só tomou o analgélico por ordem médica, não sentia necessidade.

Um ano depois ela reclamou de dificuldade em mover o polegar. Ela estava com artrite bilateral pantrapezial e precisava de uma cirurgia para reconstruir ligamentos e reposicionar tendões, chamada Trapeziectomia ou algo assim. Envolve fazer buracos no osso no polegar, atravessar tendões cruzados por ele e... bote no Google. É sinistro.

A cirurgia foi feita com anestesia geral, e os analgésicos padrões foram administrados pós-cirurgia mas depois dessa fase a paciente simplesmente não queria tomar nada pra dor, que não existia. Ela não reclamava nem na hora de manipularem a cânula intravenosa, algo que todo mundo reclama.

Isso chamou a atenção dos médicos, que começaram a investigar.

O histórico da coroa era fascinante. Ela ia ao dentista sem anestesia, tinha um histórico de ferimentos sem dor, inclusive um pulso quebrado. Também não tinha muito sensibilidade ao calor, várias vezes só foi alertada pelo cheiro de carne queimada.

Ela também comia pimentas Scotch bonnet, que chegam a 400000 na Escala Scoville, e só reportava um "calor agradável" na boca.

Os médicos acharam algumas cicatrizes, mas em sua maioria os ferimentos da paciente cicatrizavam muito mais rápido do que os de uma pessoa normal, e quase sempre não deixavam cicatriz.

Nem a mãe nem o pai da paciente tinham poderes semelhantes, o marido também não apresenta resistência acima do normal a dor, mas o filho herdou a mutação, em uma escala mais fraca.

Análise genética determinou uma microalteração no pseudogene FAAH (Pseudogenes são genes que por excesso de mutações se tornam inertes e teoricamente não tem mais função). O filho apresenta a mutação também, a irmã, não.

A mutação está sendo tratada como uma nova desordem genética, apontando pra um caminho que ironicamente já havia sido tentado, cientistas sabem que o FAAH tem relação com o processamento de sinais de dor, mas experimentos de criar anestésicos atuando com esse mecanismo não deram certo.

Talvez com as informações do DNA da velhinha, seja possível criar toda uma classe de medicamentos que ajude pacientes com dores crônicas, sem os efeitos colaterais indesejáveis de morfina e opióides.

Mas eu ainda quero experimentar Vicodin.

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